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domingo, 20 de abril de 2008

Penas especiais para homens especiais: as teorias biodeterministas na Criminologia Brasileira na década de 1940

Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ.
Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde.
ALCIDESIO DE OLIVEIRA JÚNIOR
“Penas especiais para homens especiais”: as teorias biodeterministas na
Criminologia Brasileira na década de 1940.
Rio de Janeiro
2005
2
ALCIDESIO DE OLIVEIRA JÚNIOR
“Penas especiais para homens especiais”: as teorias biodeterministas na
Criminologia Brasileira na década de 1940.
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências da Saúde, da Casa de Oswaldo
Cruz / FIOCRUZ, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre. Área de
concentração: História das Ciências.
Orientador: Professor Doutor Flávio Coelho
Edler.
Rio de Janeiro
2005
3
O48p OLIVEIRA JÚNIOR, Alcidesio de
“Penas especiais para homens especiais”: as teorias biodeterministas na
Criminologia Brasileira na década de 1940. / Alcidesio de Oliveira Júnior. – Rio
de Janeiro, 2005.
155fls.; 30cm.
Dissertação (Mestrado em História das Ciências da Saúde) – Casa de
Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, 2005).
Bibliografia: f.137-155.
1. Criminologia- história. 2. América Latina. I. Título.
CDD 364
4
ALCIDESIO DE OLIVEIRA JÚNIOR
“Penas especiais para homens especiais”: as teorias biodeterministas na
Criminologia Brasileira na década de 1940.
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências da Saúde, da Casa de Oswaldo
Cruz / FIOCRUZ, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre.
Área de
concentração: História das Ciências.
Aprovada em maio de 2005.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Coelho Edler – FIOCRUZ (orientador)
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Henrique Aguiar Serra - UENF
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Chor Maio – FIOCRUZ
_________________________________________________________________________
Profª. Drª. Cristiana Facchinetti – FIOCRUZ
Rio de Janeiro
2005
5
Agradecimentos
Este trabalho, necessário à conclusão de minha pós-graduação, representa num plano
simbólico a conclusão de um período de minha vida marcada por inúmeras experiências
inesquecíveis. Algumas pessoas compartilharam comigo o cotidiano e me ajudaram de
alguma forma no curso dos últimos anos. Aqui quero registrar minha sincera gratidão:
A FAPERJ, pelo financiamento que garantiu o meu vínculo ao Programa.
Ao coordenador do programa prof.° Dr.° Luiz Otávio Ferreira, por sua dedicação,
compreensão e apoio nos momentos necessários.
Aos professores e pesquisadores da COC, em especial a: Marcos Chor, Cristiana
Facchinetti, Gilberto Hochman, Jaime Benchimol, Lorelai Kury, Magali Sá, Maria Rachel
Fonseca e Robert Wegner.
Ao professor Dr. Carlos Henrique Aguiar Serra.
Aos funcionários da secretaria do Programa e da Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz
(COC).
Aos funcionários, bibliotecários e arquivistas, das instituições: Academia Nacional de
Medicina, Biblioteca Nacional, Centro de Memória Fluminense (UFF), Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro, das Bibliotecas de Medicina e Direito da Universidade Federal
Fluminense, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Universidade do Rio de Janeiro.
Aos meus colegas de curso que muito contribuíram para minha formação: Marta,
Renilda, Mônica, Gisele, Paula, Fernanda, Duaia, Lúcia, Nelson, Marcelo, Claudia Penha,
Renato, Rosana, Cristian, Cris. Aos meus amigos Lícia, Sérgio, Eduardo’s, Fernando,
Anderson, Ramon, Diogo, Carol, Gilvane, Andrey, Robson, Raquel, Bruno, Camila, Tico,
amigos de sempre, com quem dividi as salas de aula, os corredores, momentos felizes e
experiências de vida. Com eles descobri lições fundamentais, seja no debate cotidiano no
campo das idéias, seja no convívio fraterno e solidário.
A meus pais, pelo apoio moral e material, o que me possibilitou desenvolver meus
estudos com toda estrutura, dentro de suas possibilidades, necessária, mesmo à custa de
sacrifícios e dificuldades. Essa dívida jamais poderei saldar, ela transcende os limites da
possibilidade material. Amo vocês!!
6
Gostaria também de manifestar o meu reconhecimento a amiga Maria Regina, que
muito contribuiu com meu amadurecimento.
Ao professor Flávio Edler, meu orientador e interlocução fundamental para definição
de meus interesses. Mais que mestre, amigo com quem aprendi sempre, numa relação que
transpôs as salas de aula e os muros da FIOCRUZ e me proporcionou muito mais que os
preciosos conhecimentos históricos. Pela atenção, o incentivo e a compreensão constante na
relação com este orientando um tanto quanto displicente e indisciplinado.
E em especial a Marcela, companheira, amiga, interlocutora privilegiada, e ainda
incentivo determinante para a conclusão deste texto nos últimos atribulados meses. Por ter
sido a única pessoa que acreditou em meu projeto de vida, em um momento crucial,
contrariando a tudo e a todos (até mesmo a lógica e o bom-senso), e sempre me
incentivando e lutando comigo, além de ter me dado a coisa mais preciosa que tenho em
minha vida. Pela descoberta da felicidade e por nossos sonhos.
Alcidesio Júnior
Niterói, março de 2005.
7
RESUMO
Neste trabalho, analiso os conceitos de periculosidade e de classificação dos criminosos na
Revista de Direito Penal e Revista Brasileira de Criminologia na década de 1940. O meu
objetivo é exemplificar a continuidade, dentro do campo da Criminologia, das teorias que
pregavam o determinismo biológico, no pós-guerra. Inúmeros autores delimitaram o final
da Segunda Guerra Mundial, em 1945, como término de prevalência das teorias
biodeterministas. O principal motivo alegado é a difusão dos excessos cometidos pelos
regimes nazi- fascistas. Nestes regimes, as teorias fundadas no determinismo biológico
teriam chegado aos seus limites. Procurei discutir neste trabalho a veracidade dessa
afirmativa sobre o ocaso, sinalizando as continuidades e adaptações que estas teorias
sofreram no interior de alguns campos de conhecimento. A Criminologia se formou na
Europa e nos Estados Unidos no contexto científico do último quartel do século XIX e
início do XX. Período este de grande ebulição de novas teorias, tais como: o darwinismo, o
lamarckismo, o mendelismo, a antropometria, a frenologia, a teoria da degenerescência, a
craniometria e o evolucionismo. A Criminologia utilizou o reducionismo biológico com
enfoques antropológicos em suas análises dos males da sociedade. Cunhou a noção de
periculosidade e contestou a noção de crime até então vigente. O método do cálculo das
médias, utilizado largamente no período, reconstruía a homogeneidade como abstração
matemática, constituindo um tipo ideal padrão e conseqüentemente seu oposto, conferindo
cientificidade à classificação destes indivíduos e aos índices de periculosidade neles
encontrados. Tal método era consistente com a ciência da época. O processo histórico de
construção da Criminologia no Brasil, pelo menos até a década de 1940, foi peculiar
quando comparado com outros da Europa e América Latina. Esta especificidade foi devida
à intensa disputa de autoridade entre a Medicina Legal e o Direito Penal. Como
conseqüência, a Medicina Legal conseguiu a hegemonia na área. Neste trabalho, mapeio
alguns dos manuais, revistas, congressos, sociedades e associações deste período de
construção do campo. Após fazer um histórico dos dois conceitos centrais e também do
órgão mantenedor da Revista, a Sociedade Brasileira de Criminologia, discuto as noções de
periculosidade e a classificação dos criminosos nesta Revista.
8
ABSTRACT
This study intends to analyze concepts like dangerousness and criminal classification from
the journals Revista de Direito Penal and Revista Brasileira de Criminologia at the 1940’s.
My objective is to exemplify the continuity, in the field of Criminology, of theories that had
defended the biological determinism, after the World War II. Many authors had delimitated
the end of the World War II in the scientific context at 1945 as the end of biodeterminist
theories. The main reason for that was the diffusion of the excesses commited by the nazifascism
regimens. The theories of these regimens founded on biological determinism would
reach their limits. I intend to discuss in this work the veracity of this assertion, signalizing
continuities and adaptations that these theories had suffered into some fields of the
knowledge. Criminology had began in Europe and United States in the scientific context of
the last quarter of nineteenth and the beginning of the twentieth centuries. Criminology had
used the biological reductionism with anthropological views on their analyses of the society
troubles. It created the concept of criminal and contested the concept of crime of those
times. The method of calculate means, largely used in this period, reconstructed the
homogeneity as a mathematic abstraction and constituted an ideal pattern, and
consequently, its opposite, rending scientific the classification of these individuals and their
indexes of dangerousness. This method was consistent with the science of its period. The
historical process of the Brazilian Criminology construction, at least still the years 1940,
was very peculiar if compared to others in Europe and Latin America. This specificity has
been due to the intense dispute of authority between Legal Medicine and Penal Right.
Consequently, Legal Medicine reached its hegemony in this area. In the present work, I
mention some manuals, journals, congresses, societies and associations in this field
construction period. After a history of the two main concepts and of the Sociedade
Brasileira de Criminologia (Brazilian Criminology Society), I discuss notions like
dangerousness and criminal classification, found in its journal (Revista Brasileira de
Criminologia).
9
Sumário
Agradecimentos...............................................................................p. 4
Resumo.............................................................................................p. 6
Abstract............................................................................................p. 7
Introdução........................................................................................p. 10
Capítulo 1. Balanço bibliográfico:.................................................p. 13
a. memorialistas; p.15
b. historiadores; p.19
c. base teórica e contexto p.32
Capítulo 2. Histórico da Criminologia e dos conceitos de periculosidade e
classificação dos criminosos:.........................................................p. 37
a. Origem; p. 39
b. Surgimento da Criminologia; p.40
c. A entrada da Criminologia na América Latina; p.51
Capítulo 3. A noção de periculosidade e a classificação dos criminosos na
Revista de Direito Penal e Revista Brasileira de Criminologia:......p. 75
O código de 1940 p. 77
A Revista de Direito Penal p. 79
Diálogo aberto com disciplinas auxiliares: dois pontos de vista p. 82
O conceito de periculosidade e a classificação dos criminosos p. 87
Periculosidade p. 88
A crítica a Lombroso p. 93
Reedição de discursos p. 97
Individualização das penas p. 103
Classificação dos criminosos p. 105
A moral p. 118
Medidas de segurança p. 119
Neutralização do delinqüente e a defesa social p.122
Raça e classe social p.128
Considerações finais......................................................................p. 132
Bibliografia.....................................................................................p. 137
Anexos.............................................................................................p. 150
10
Para Lucca, Carol, Pedro e Marcela.
11
Introdução
Meu objeto de pesquisa é o estudo histórico das classificações dos criminosos e a
noção de periculosidade no interior da Criminologia brasileira, na década de 1940.
Utilizarei como fonte uma revista especializada em Criminologia, criada pela Sociedade
Brasileira de Criminologia (S.B.C.). Essa revista foi denominada Revista de Direito Penal
até 1947, passando neste ano a ser chamada de Revista Brasileira de Criminologia.
A minha hipótese central é de que as teorias pautadas no determinismo biológico não
desapareceram com o imediato pós-guerra. Continuaram adaptando-se a novas realidades
em algumas áreas do conhecimento. Para parte da historiografia1 especializada, as teorias
biodeterministas prevaleceram norteando as ciências, desde a segunda metade do século
XIX até a primeira metade da década 1940. De acordo com esta historiografia o ocaso do
determinismo foi devido à divulgação dos excessos nazistas e aos efeitos de suas políticas
eugenistas radicais. Estes autores também aduzem, para corroborar esta afirmativa, as
contribuições feitas pelas Ciências Sociais no período, com suas pesquisas, amparadas no
culturalismo, sobre raças e civilizações.
Sustento que estas teorias deterministas encontraram formas de continuidade
coerentes com a noção de ciência prevalente no período. Suas influências continuaram
formando e informando áreas e profissionais, além de políticas intervencionistas do Estado
até, pelo menos, o início da década de 1950.
No capítulo 1, faço um balanço bibliográfico. Nele, dividi a historiografia em duas
partes, uma primeira que chamei de ‘memorialistas’: médicos, advogados e criminólogos,
que propõem uma versão histórica de suas áreas; e uma outra que denominei de
‘historiadores’: sociólogos, cientistas sociais e historiadores, que propõem também uma
versão histórica sobre a Criminologia. Faço, em ambas as partes, uma apresentação sucinta
dos autores e obras, mostrando as suas contribuições para o meu trabalho. Enfatizo dentro
desta historiografia as causas dadas por ela do ocaso do determinismo. Concluo, desta
forma, o primeiro capítulo, comprovando o pressuposto de minha hipótese. Traço, também,
1 Como por exemplo: MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. RJ:
DP&A, 2003; STEPAN, Nancy Leys. “The hour of Eugenics”: race, gender, and nation in Latin
America. NY: Cornell Univ. Press, 1991. Nestes dois exemplos pode-se encontrar explicitamente esta
afirmação. Em outros, tratados no próximo capítulo, pode-se deduzir pelos seus recortes cronológicos, que
findam na década de 1930.
12
um elo para o segundo capítulo, mostrando que as pesquisas historiográficas mais recentes
delimitam o final da década de 1930 como marco final do determinismo biológico. Ressalto
ainda, que parte desta historiografia define a Criminologia do período como tendo base em
uma pseudo-ciência. Embora não seja meu objetivo fazer uma discussão sobre a idéia de
ciência prevalente no período, apoiar-me-ei nas reflexões de TODOROV, BAUMAN e
GOULD para indicar uma outra forma de entendimento da Criminologia no período. Estes
autores afirmam a necessidade de historicizar o conceito de ciência para a época estudada
não impondo um julgamento anacrônico ou teleológico.
No capítulo 2, pretendo fazer um resumo histórico, sobre o campo criminológico até a
década de 1940. Em uma narrativa histórica elaborada inicialmente por juristas ou por
historiadores apoiados unicamente em suas versões, a Criminologia é apresentada como
herdeira de uma tradição enciclopedista, erudita, dos séculos XVIII e XIX. Esta teria
recebido contribuições, algumas consideradas benéficas outras não, do pensamento positivo
do começo do século XX e assim se tornado uma ciência auxiliar ao Direito Penal. Por
outro lado, a Medicina Legal também pede para si o status de criadora da Criminologia e
propõe um histórico do campo, tendo como marco a ‘Escola Italiana’.
De forma sucinta, traço ainda neste capítulo o desenvolvimento da Criminologia até a
década de 1940. Baseio-me nas reflexões feitas por OLMO que entende o início da
Criminologia como uma junção de três campos paralelos: dos penitenciaristas, do Direito
Penal e da Antropologia Criminal. Este surgimento, para a autora, não está unicamente
centrado na Europa, como afirmam os dois grupos tratados no parágrafo anterior, mas
também no Estados Unidos.
Mostrarei como os dois campos reivindicam para si o status de criador da
Criminologia, e como isto se reflete no posicionamento da historiografia hoje, que, ao invés
de assumir os marcos cronológicos mostrados pelos memorialistas da Criminologia como
problemas, toma-os como um fato. No Brasil, a construção desta memória da Criminologia
é também uma construção da identidade de um grupo, muito preocupado, sobretudo na
década de 1930, com a definição deste campo como ciência. Faço um pequeno apanhado
histórico dos conceitos de periculosidade e de classificação dos criminosos. Utilizo como,
base, a periodização proposta por MANITA (1997) para a Europa, complementada com
13
autores nacionais (BRITO, 2000; SANTOS, 1996; CORRÊA, 2001; SERPA JÚNIOR,
1998; CARRARA, 1998).
Mapeio da forma mais pontual possível os manuais e livros-texto utilizados, as
revistas e boletins que circulavam, os congressos que aconteceram e as sociedades e
associações que foram formadas nesta primeira metade do século XX. Este esforço servirá
para dar uma noção geral, para o leitor, do campo de estudo, sem pretender aumentar ou
diminuir sua real dimensão. Em seguida, faço um breve histórico da Sociedade Brasileira
de Criminologia. Detenho-me por mais tempo nas disputas internas à Revista. Finalizo este
capítulo, analisando como figuraram, na década de 1940, os conceitos de periculosidade e a
classificação dos criminosos.
E, finalmente, nas considerações finais, articulo algumas afirmações feitas no decorrer
dos textos com a hipótese inicial, tentando algumas conclusões sobre os assuntos tratados
em cada um dos capítulos, mas, principalmente, levantando questões que me surgiram
durante esta pesquisa.
Cabem aqui duas ponderações: a primeira, é que para meus objetivos foi de
fundamental importância a referência à bibliografia citada nos textos, em que pese o risco
de entediar o leitor. Isto por ela oferecer a dimensão, de um lado, da contemporaneidade
dos autores e de suas argumentações, e de outro, por ser através destas referências que os
autores constroem, em grande medida, a autoridade de suas argumentações;2 a segunda, é
que, apresento também, quando necessário, os traços biográficos, pois comungo da idéia de
RAMOS (2003. p.576)de que a posição social dos autores exige que comecemos pelas suas
formações profissionais, partindo do pressuposto de que esta formação inculca formas de
expressão e organização do pensamento e de percepção da realidade.
2 Esta perspectiva foi retirada de: RAMOS, Jair de Souza, “Ciência e racismo: uma leitura crítica de raça e
assimilação em Oliveira Viana” In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, RJ. Vol.10 (2): 573 – 601,
maio-ago., 2003. p.599.
14
Capítulo 1: Balanço bibliográfico
Uma expressiva parte da historiografia que aborda a base determinista biológica em
teorias que informaram a Eugenia, a Psiquiatria e a Criminologia, data o término dessa
influência no pós-guerra, 1945. Este crepúsculo estaria relacionado a dois fatores
principais. O primeiro diz respeito ao ocaso do movimento nazi- fascista, e à divulgação dos
excessos cometidos por estes regimes contra os elementos da população considerados
negativos. Além dos criminosos, eram considerados indesejáveis nestes regimes: doentes
mentais, dissidentes políticos, homossexuais, testemunhas de Jeová, ciganos e judeus.
O segundo fator seria o diálogo crescente das ciências biológicas com as renovadas
Ciências Sociais. No Brasil, até a década de 1930, a Antropologia, por exemplo, era
predominantemente pautada nos conceitos de ‘raça’ e ‘tipo racial’, associados
majoritariamente à medicina e à anatomia, mantendo-se fiéis aos estudos morfoanatômicos.
Mas, paralelo a isto, nas décadas de 1920 e 1930, havia um grupo de
sociólogos e antropólogos alertando para a necessidade de rever os parâmetros biológicos e
o método quantitativo nas análises sobre raças e populações.3 O culturalismo4 surgiu como
uma nova chave interpretativa, o que não significou um absoluto e imediato descrédito nas
teorias deterministas das ciências dos homens.
Também torna-se necessário considerar que havia críticos ao biologismo desde o
século XIX. Várias versões teóricas pautadas no determinismo biológico foram sendo
propostas. Deve-se levar em conta que o biodeterminismo, embora hegemônico, não esteve
livre de concorrências, bastando lembrar da importância que a idéia de livre arbítrio tinha
entre os católicos
A divulgação dos crimes praticados pelos Estados totalitários, embasados por um
instrumental técnico-científico proveniente da comunidade científica universitária, muito
3 Segundo Santos (1996), até os anos 1930 e 1940 a Antropologia Física ocupou uma posição de destaque no
cenário antropológico brasileiro. O conceito de raça não foi descartado, mas adaptado ao evolucionismo que
penetrou na disciplina antropológica a partir dos anos 1940. Stepan (no prelo) cita Artur Ramos, Gilberto
Freyre, Roquette-Pinto como intelectuais brasileiros que começavam a descobrir os negros, no final da década
de 1920 e início da década de 1930, a estudar suas contribuições para a cultura brasileira e afastar-se de um
racismo biológico, tendo uma orientação mais cultural. E internacionalmente, embora envolvidos em outras
discussões analisadas por Santos (1996), pode-se citar também Franz Boas, Lévi-Strauss e Juan Comas, como
tendo em comum, pelo menos, uma crítica à idéia puramente biológica de raça até então prevalente.
4 Termo utilizado por: SCHWARCZ, 1993. p.22.
15
provavelmente sensibilizou uma parte desta comunidade. Mas, daí a acreditar em uma
mudança teórica radical, causada exclusivamente por essa sensibilização, é menosprezar o
complexo que se cria quando ocorrem mudanças científicas profundas. Deve-se considerar
um tempo de transição, que não é homogêneo, tampouco contínuo, e também a intensidade
do alcance desta mudança. Afinal, estamos tratando de uma concepção acerca da
constituição dos seres humanos que informou a prática e a divulgação científica, desde,
pelo menos, o segundo quartel do século XIX.
Outro fator à considerar é que os materiais didáticos utilizados na formação de
profissionais, os textos de divulgação científica, as instituições e, até mesmo, campos de
saberes, que disseminaram as concepções biodeterministas se mantiveram, mesmo após
1945.
Diversos campos de conhecimento científico atuaram e foram influenciados de
formas distintas, neste processo de superação da concepção determinista. Elegi a
Criminologia como locus para análise desta possível continuidade do determinismo
biológico no pós-guerra.
Essa ciência criminológica está localizada na confluência de diversos outros
campos, tais como: Medicina Legal, Direito Penal, Eugenia, Sanitarismo, Biologia,
Penalogia, Psiquiatria, Psicologia, Endocrinologia, Sociologia e Antropologia. Fez-se então
necessária a leitura de parte da historiografia que trata destes temas conexos. Por questão
didática, dividi em duas esta historiografia. Denominei um primeiro grupo de
‘memorialistas’. Este era formado quase exclusivamente por médico-legistas (RIBEIRO,
SILVA JUNIOR, FERREIRA, ALMEIDA JUNIOR, MARTINS, FÁVERO, CARVALHO
e PEIXOTO), juristas (FARIA JUNIOR, COSTA e LYRA) e médico-juristas (GOMES).
Desde a década de 1920 até a década de 1960, esses autores escreveram manuais e livros,
total ou parcialmente dedicados à Criminologia.5 Embora não sejam minha fonte nesta
pesquisa, a leitura destes manuais foi essencial para a delimitação e conhecimento do
5 Na terceira década do século XX esses autores cunharam e propagaram mitos, entre os quais o da “Escola
Nina Rodrigues”, analisado por Mariza Corrêa, e o da “Escola Positivista Italiana”, carente ainda de uma
análise de desconstrução. Esses mitos foram absorvidos por estes próprios autores e por seus discípulos. Uma
parcela da historiografia recente (ALVAREZ, 2002; BRITO, 2000) também absorveu estes mitos como se
fossem um dado e não um construto social, sobre o qual se deveria entender o processo de auto-formação e
auto-afirmação deste grupo que estava publicando na década de 1930.
16
campo estudado, pois estes autores de manuais, muitas vezes, foram autores de artigos e
estavam presentes nos congressos e associações da área.6
O segundo grupo chamei de ‘historiadores’. Compõem-se de sociólogos,
historiadores, psiquiatras, psicólogos e antropólogos, que após a década de 1960 visitaram
o campo da Criminologia, ou áreas conexas, propondo uma nova abordagem sobre o tema,
período ou contexto.
a) Memorialistas
De acordo com minhas pesquisas, o manual de Medicina Legal escrito por Afrânio
Peixoto (1876-1947), em 1933, inaugurou, no Brasil, um modelo de temas obrigatórios,
tanto no trato desta disciplina, como na Criminologia.7 Este modelo foi posteriormente
seguido por diversos autores8. As variações que os manuais seguintes sofreram foram por
conta da tipografia (tamanho, modelo), diagramação, presença ou não de figuras, supressão
ou anexação de alguns poucos capítulos9. Os autores que sucederam PEIXOTO seguiram,
pelo menos, o mínimo básico de seu modelo.10 Além de copiarem este modelo, também
transcreviam longos trechos e exemplos uns dos outros, às vezes me impossibilitando de
saber de quem era o original. Algumas destas cópias figuraram em quase todos os manuais,
como os exemplos das galinhas legornes e do gado holandês, seguidamente utilizados para
exemplificarem a necessidade do processo seletivo para o aperfeiçoamento da sociedade.
Este exemplo consta em PEIXOTO (1936. p.323 (I)), FÁVERO (1945. p.405), GOMES
6 Os resultados das pesquisas realizadas pelos criminólogos, ou de profissionais de interesses conexo a eles
(como psiquiatras, psicólogos, médico-legistas ou endocrinólogos), tanto os que criticavam ou os que
enfatizavam os resultados das pesquisas realizadas fora do Brasil, eram principalmente expostos nos
respectivos congressos destas áreas, e não nos periódicos. Nestes, os artigos eram majoritariamente discussões
teóricas sobre os resultados da produção européia e estadunidense, e suas possibilidades de enquadramento na
realidade nacional.
7 Embora não tenha identificado o modelo original, não creio ser impossível que este venha de inspiração do
que era utilizado na Europa ou Estados Unidos, tal a erudição e grande o ciclo de contatos do autor, mas isto é
uma hipótese.
8 Ver anexo 1.
9 Na década de 1950, por exemplo, foi anexado nos manuais um capítulo sobre infortunística (acidentes,
direitos e doenças no trabalho) fruto de uma discussão intensa na década anterior sobre a Consolidação das
Leis Trabalhistas (C.L.T.).
10 Que continha capítulos sobre: a. Antropologia Forense: identidade e identificação, identidade médico-legal,
idade, sexo, altura, peso, raça, sinais individuais, sinais profissionais, tatuagens, identificação pelos dentes; b.
Identidade Judiciária: bertilhonagem, antropometria, retrato falado, fotografia sinalética, dactiloscopia,
poroscopia; c. Loucura: causa; d. Alcoolismo e crime; e. Oligofrenias e QI; f. Epilepsias, esquizofrenias
(tipologias), psicoses (tipologia), personalidades psicopáticas, a questão da “verdade” e o exame das
“qualidades físicas”; g. Eugenia; h. Prostituição; i. Criminologia: história e definição.
17
(1949. p.386). Outro exemplo também muito freqüente foi o das laranjeiras, utilizado pelos
autores acima, além de CARVALHO (1943. p.232):
“As laranjeiras de exportação, seguem a mesma trilha. São várias as operações
selecionadoras sucessivas que há longos anos realizam os citricultores
inteligentes e as estações experimentais para obter produtos cada vez mais
produtivos, vigorosos longevos, resistentes à moléstia, etc. Eis algumas delas:
A. Escolha da MELHOR árvore;
B. nesta, escolha do MELHOR galho ou ramo;
C. neste, escolha dos MELHORES frutos;
D. nos frutos, escolha das MELHORES sementes;
E. plantadas estas, escolha dos MELHORES cavalinhos;
F. fazer os enxertos na MELHOR época com as MELHORES borbulhas
retiradas dos MELHORES galhos das MELHORES laranjeiras – mães”.
MELHOR não quer dizer maior, mais bonito, mais vistoso, mas significa o que reúne
mais numerosa série de requisitos úteis ao fim visado: produtividade, saúde, vigor, tipo
padrão, adaptação ao meio, etc. Mas nenhum exemplo superou ao dos Jukes e Edwards.
Com exceção de RIBEIRO todos o incluíram em seus manuais na parte sobre Eugenia. Os
Jukes, desde 1720, haviam tido uma descendência de 2157 pessoas. Todos eram idiotas,
imbecis, débeis mentais, surdos-mudos, epilépticos ou alcoolistas, o que já deveria ser
previsto com o patriarca do século XVIII, que era um “débil mental muito prolífico”.
Observa Hélio Gomes que “é certo que adversas condições sociais poderiam ter
concorrido para a inferiorização da descendência referida, mas também é incontestável
que a minusvalia biológica amplia e exagera o efeito da influência ambiental nociva”
(GOMES, 1942. p.233). Mas contrapondo-se a este exemplo negativo dos Jukes, há o
exemplar caso dos Edwards que haviam tido como descendência: universitários, diretores
de colégios, professores, médicos, padres, oficiais, escritores, juizes, senadores e até um
Vice-Presidente da República, em um total de 702 pessoas desde Jonathan Edwards no
século XVIII. Observa, também, Hélio Gomes que nenhum membro dessa ilustre família,
verdadeira família eugênica, fo i condenado ou praticou ato socialmente reprovável. Nas
palavras do autor:
“A conclusão não é lógica? Por que não impedir a reprodução dos Jukes e não
estimular a dos Edwards?
Por que não repetir o exemplo da família de Mozart? O grande Mozart era filho
de um modesto musicista, que lhe herdou o gênio, visto como as tendências
musicais de um progenitor podem transmitir-se reforçadas a um descendente. O
mesmo se poderia dizer das tendências para o desenho, à pintura e outras artes.
18
Por que não estimular, por todos os meios, a reprodução de homens operosos,
dotados de grande percepção para os negócios, com mulheres sãs e
inteligentes?
Por que não fazer multiplicarem-se os sadios, dignos, equilibrados,
trabalhadores, eficientes?”. (GOMES, 1942. p.234)
Não foram somente os exemplos que se repetiram, os autores citados, tanto os
nacionais quanto os internacionais, seguiam quase sempre sem alterações.11
Nos históricos que geralmente abrem os manuais voltados para Criminologia ou
Medicina Legal12, os autores começam sempre pela definição dos conceitos de crime e
Criminologia. Como se poderá observar no exame detalhado dessas definições, o conceito
de Criminologia é muito semelhante em todas as obras, embora não se utilizem as mesmas
palavras.13 De uma forma sempre geral é feita referência à “doutrina clássica”14, e em
oposição a ela as idéias publicadas em “Uomo delinqüente”, do médico Césare Lombroso,
fundador da Antropologia Criminal. Acompanha este histórico uma breve biografia de
Lombroso.
A Criminologia é mostrada como fruto direto da Antropologia Criminal. A busca
por possíveis precursores desta disciplina encaminhou estes autores a Franz Joseph Gall
(1758-1828) e Benedict-Augustin Morel (1809-1873), mas o foco é Césare Lombroso
(1835-1909) e suas contribuições:
“Sustentava Lombroso a possibilidade da existência de certa predisposição
natural para o crime, em determinados indivíduos, ao mesmo tempo que
procurava demonstrar como as tendências dos criminosos se revelam, desde a
primeira infância, fato, aliás, anunciado, em trabalhos de outros cientistas da
autoridade de Moreau, Bourdin, Broussais, e de artistas e homens de
pensamento como La Fontaine, Spencer e Taine, todos proclamando que
11 Internacionalmente citavam as obras de: Tarde, Funes, Ottolenghi, Bleuler, Locard, Lombroso, Maranon,
Colajanni, Ferri, Ingenieros, Jimenez de Asúa; e nacionalmente os trabalhos de: Heitor Carrilho, Leonídio
Ribeiro, Afrânio Peixoto, Berardinelli, Viveiros de Castro, Nina Rodrigues e Tobias Barreto.
12 Todos os manuais por mim consultados continham, pelo menos um capítulo dedicado a Criminologia.
13 As definições de Criminologia nos textos nacionais seguiam assim: Afrânio Peixoto – “A criminologia é
uma ciência que estuda os delitos e os delinqüentes, quer dizer, a criminalidade”; H. Veyga de Carvalho – “A
criminologia é uma ciência pré-jurídica; seu conteúdo é mais antropológico que de outra natureza. É uma
ciência informativa do delito...Nessa ciência busca-se a síntese total dessa personalidade humana que
eventualmente delinqüe”; Fávero – “estudo dos elementos que são essenciais e acidentais no crime”;
Leonídio Ribeiro – “ciência que não só perquire as causas do crime, como trata dos recursos técnicos
imprescindíveis ao conhecimento integral da personalidade do criminoso (...) em defesa da sociedade(...)”;
Faria Jr – “é a aplicação dos conhecimentos da ciência médica para esclarecer a Justiça”.
14 Fazendo referência aos princípios defendidos a partir de Cesare Bonesana, marquês de Beccaria (1738-
1794): como o estabelecimento do princípio da proporcionalidade das penas e dos delitos, da igualdade
perante a lei, da não-retroatividade da lei penal e da responsabilidade como fundamento do direito de punir.
19
determinadas crianças já exibem, precocemente, suas taras e anomalias
mentais (...)”. (RIBEIRO, 1957. p.221)
Os estudos comparados e estatísticos de Lombroso, sobretudo de crânios, mas
também sobre cérebros e tatuagens, são referências obrigatórias. Nestes trabalhos, seguemse
as figuras e contribuições de Enrico Ferri (1856-1929) e Rafaele Garofalo (1852-1934).
De acordo com esta perspectiva, o coroamento destas pesquisas foi feito no Congresso de
Antropologia Criminal, em 1885. As suas idéias contagiaram pessoas como MORSELLI,
MARRO, OTTOLENGHI e FERRERO, mas também apareceram seus adversários,
revelados no congresso seguinte, destacando-se neste último grupo Jean-Gabriel de Tarde
(1843-1904) e George Sorel (1847-1922).
Outro marco na história da disciplina criminológica foi a divisão entre
biodeterminismo (LOMBROSO, FERRI e GAROFALO, que estimularam os fatores
biológicos como dominantes na etiologia do delito) e sóciodeterminismo (TARDE,
COLAJANNI e LACASSAGNE, que se opuseram ao primeiro grupo, afirmando serem
somente as condições sociais funestas as produtoras dos crimes). No Brasil, sobre a questão
da preponderância entre o biológico e o social nas causas da criminalidade, a maioria opta
pelo meio-termo, dizendo ser “relativa” ao caso estudado, ora uma ora outra, ou mesmo as
duas. Mas na prática há uma crença preponderante no determinismo biológico.15
Se os autores médicos começaram sua versão histórica da Criminologia no século
XIX, os juristas buscam anteriormente seu início. Desde o final do século XVII e início do
XVIII sua base já estaria indicada, só faltando o pensamento positivo. Os juristas
propunham uma divisão para a Criminologia diversa da dos médicos.16
Cabe aqui uma observação, quanto à homogeneidade deste grupo. A exceção a este
modelo foram os escritos de Leonídio Ribeiro. Este autor foi criador, em 1933, de um novo
Instituto de Identificação na capital federal. Ele trabalhou em estreita associação com o
15 Esta afirmação pode ser verificada nos artigos que mostram resultados de pesquisas destes autores. Embora
em seus manuais todos trabalhem com a idéia de que os fatores sociais são tão importantes quanto os
biológicos, em quase nenhum artigo isto foi verificado. Veja por exemplo os casos que constam em: GODOY,
Oscar R. de (red.) Coletânea de biotipologia: separata dos arquivos da polícia civil de São Paulo. SP: vol.
IV, 2º semestre, 1942; e em: MOTTA, Joaquim (ed). Primeira Conferência Nacional de defesa contra a
sífilis. RJ: Imprensa Nacional, 1941. Nestes dois congressos, dados como exemplos, pode ser visto que os
autores não viam como contradição em ter um discurso relativista e uma prática de pesquisa embasada no
determinismo biológico.
16 Os juristas afirmam poder ser dividida as escolas penais em dois grupos: I. Escola clássica, metafísica, II.
Escola positiva (dividida em: nuova scuola, ou escola antropológica; escola crítica ou terza scuola).
20
chefe da polícia da cidade, Filinto Müller, de extrema direita, na atualização das técnicas
científicas de identificação e tratamento dos criminosos patológicos no Brasil. A meu ver,
se tornou exceção, mais pela erudição (profundidade dos conhecimentos e diversidade
destes comparada a outros autores) do que por inovações na abordagem. Suas obras são
repletas de referências nacionais e estrangeiras (diferentes das que todos se utilizaram) e de
suas próprias experiências (congressos, encontros, simpósios, nacionais e internacionais;
cursos e palestras ministrados; experiência política institucional durante a era Vargas). Sua
figura e inserção na política e na ciência mereceria m um estudo mais aprofundado.
As narrativas dos autores memorialistas, sobre a Criminologia, abrangem até a década
de 1930, quando houve, em geral, a primeira edição, não havendo atualizações nas edições
seguintes nestes históricos. Todas abordagens destes autores validam cientificamente as
teorias biodeterministas. A historiografia recente ao abordar, o histórico da Criminologia,
consciente ou não, toma partido de um dos lados em disputa nesta construção de memória.
De acordo com a fonte utilizada tende ao Direito Penal ou a Medicina Legal. Isto pode ser
apreciado em parte neste próximo tópico.
b) Historiadores
Segundo Rosa del Olmo17, a América Latina viveu um processo ímpar na
construção do campo criminológico, onde a Medicina Legal e o Direito Penal travaram
contatos, disputaram e revezaram a hegemonia do campo. Não é então de se estranhar que a
história da Criminologia, de acordo com a fonte consultada, terá maior ou menor
participação deste ou daquele personagem, sendo fruto desta ou daquela área de
conhecimento, mantendo algum marco em comum. Cabe ao pesquisador a par desta
situação considerá-la na análise de suas fontes. Dois trabalhos destacam-se sobre os
demais: pela abrangência e inovação com que abordaram o tema: o primeiro, feito pela
professora Cristina Rauter, e o segundo pela pesquisadora Rosa del Olmo.
A professora Cristina Rauter18, pesquisando sobre a Criminologia na década de
1930, utilizou como fonte a Revista de Direito Penal da Sociedade Brasileira de
Criminologia. Para tal empreendimento a autora contou com um instrumental foucauldiano.
Assim ela resume seu trabalho:
17 OLMO, Rosa del. A América Latina e sua Criminologia. RJ: Revan: ICC, 2004. 328p
18 RAUTER, Cristina. Criminologia e subjetividade no Brasil. RJ: Revan, 2003. 128p.
21
“Tomaremos a década de 1930 como período privilegiado, uma vez que foi
particularmente fecundo na elaboração das idéias que geraram o Código Penal
de 1940. É justamente o ‘Novo Código’ que incorporará a noção de
periculosidade, como resultado de décadas de discussões nos meios jurídicos
brasileiros em torno da redefinição de modos de julgar e punir”. (RAUTER,
2003. p.15)
Evidenciando a sua perspectiva da Criminologia como um desdobramento do
Direito Penal, a autora concebe a ciência como saber utilizado e dominado por uma classe,
para controle social, com efeitos negativos e positivos. E sobre a ciência criminológica
afirma que:
“o modo de funcionamento deste dispositivo não se caracteriza apenas pela
repressão, pela violência, mas também pela produção de saberes que
instrumentam táticas de controle, fixação e adestramento dos corpos”.
(RAUTER, 2003. p.16)
A disciplina então seria a nova tecnologia de poder que age como prolonga mento da
lei que se impõe de maneira sutil, preenchendo os espaços vazios deixados pelo judiciário.
Sobre a questão, sempre posta, de que havia um centro de produção de conhecimento
científico e uma periferia que reproduziria este conhecimento, indaga e responde a autora:
“Estaríamos diante, apenas, de um fenômeno de importação cultural, em que as
idéias estariam tão desvinculadas das práticas sociais que só teriam um papel
de fachada, de ocultação da realidade? Pensamos que não. O discurso da
criminologia foi capaz de produzir efeitos concretos, que resultaram num
reaparelhamento do Judiciário, ampliando seus dispositivos de controle e
repressão.
A criminologia, espécie de amálgama por vezes mal articulado e confuso das
ciências humanas, foi a via através da qual o judiciário pôde incorporar certas
estratégias disciplinares que redefiniram as noções de delito e de punição e que
modificaram a ação da justiça. Ela pôde aparentemente se humanizar, revestirse
de uma finalidade terapêutica e de uma neutralidade científica”. (RAUTER,
2003. p.24)
A autora compreende o campo criminológico como fruto de um rompimento da
teoria clássica de Direito Penal por uma corrente positivista. E esta Criminologia foi a
alavanca segundo a qual o Direito pôde enfim tornar-se uma ciência (RAUTER, 2003.
p.25). A autora mostra a versão dos juristas criminólogos sobre a sua história e, por não
apresentar outra possibilidade de interpretação, aceita esta idéia sem questioná- la. Segundo
a autora, esta Criminologia teria três fases: a primeira, quando confundia-se lei com religião
22
e o crime com pecado; a segunda, quando o Direito torna-se mais humano e justo
(RAUTER, 2003. p.26), período “ético-humanista”, do qual BECCARIA seria a principal
referência: “ Por prescindir de bases científicas nas quais se fundamentar, o direito
perdeu-se em considerações metafísicas e, principalmente, descuidou-se de sua tarefa
básica de defender a sociedade” (RAUTER, 2003. p.26). A terceira fase corresponderia ao
“advento da criminologia, a ascensão do direito penal ao seu período científico, no qual a
lei passa a corresponder a uma avaliação científica da sociedade e da mente humana”
(RAUTER, 2003. p.26).
Embora a maior ênfase esteja no Direito, a autora não desconsidera por completo o
peso da Medicina, faze ndo referência à Endocrinologia e à Psiquiatria. A autora afirma que
da junção entre o Direito Penal e as Ciências Humanas nasceu a Criminologia, e que a
Psiquiatria, do exterior desta formação, lutou pelo seu reconhecimento como gestora dos
criminosos, pois estes seriam doentes mentais. Então, nas duas últimas décadas do século
XIX, seria esta disputa a norteadora dos debates criminológicos. A cessação desta disputa,
no Brasil, teria se dado em 1903, através da lei dos alienados.19
Na perspectiva da autora, há uma ênfase na presença da Psicanálise Criminal, mas
há um reconhecimento de que esta tem pouca penetração entre os juristas na década de
1930, especialmente se considerarmos as condições de incorporação deste discurso aos
novos dispositivos inaugurados com o Código Penal de 1940.
“Talvez pela influência da psiquiatria, que conta com respaldo científico da
medicina e diante da qual a psicanálise aparece como arbitrária e
anticientífica. Ou talvez ainda por que, nos dispositivos de poder que se
inauguram, o discurso psicanalítico não se tenha articulado satisfatoriamente
com as antigas formas claramente repressivas que permanecem, agora, com
uma conotação terapêutica, conotação essa melhor fornecida pelo discurso
psiquiátrico”. (RAUTER, 2003. p.57)
Para entender a estrutura em que estava imerso o meu objeto de estudo, utilizei a
pesquisa feita por Rosa del Olmo sobre a Criminologia na América Latina. Um trabalho
com uma extensão e profundidade impressionantes. A autora realizou uma pesquisa
19 A fundação do Manicômio Judiciário, na década de 1920, pode ser vista como uma contrapartida aos
esforços travados entre a Psiquiatria e a Justiça. Nesta disputa, embora o decreto lei de 1903 faça parecer que
os psiquiatras que se tornariam os responsáveis pelos criminosos em seus asilos, houve progressos e
retrocessos nas conquistas dos psiquiatras. Mas o destino final destes, a partir da década de 1930, foram os
manicômios criminais; nem manicômio, nem prisão, um híbrido, que muitas vezes sofreu crítica da
Psiquiatria e dos juristas (RAUTER, 2003. p.49).
23
amparada numa metodologia qualitativa muito ampla.20 Se o trabalho de RAUTER pode
ser localizado na década de 1980, no auge da descoberta acadêmica dos temas e do
instrumental foucauldiano, o trabalho de OLMO, encontra-se amparado nas reflexões
marxistas da década de 1970.
OLMO concebe a Criminologia como um conjunto de conhecimentos reunidos e
articulados por uma burguesia imperialista européia e norte-americana, sempre num
movimento de imposição deles para conosco, de um modelo inadequado à nossa realidade.
Assim ela sintetiza como se dá a imposição:
“Esse exemplo serve para destacar o fracasso de se querer impor um
paradigma –como ocorre em outras áreas do conhecimento na América Latina–
para a abordagem do problema da criminalidade, que parte de um conjunto de
categorias e modelos incompatíveis com a realidade latino-americana, mas que
são usados para organizar, sintetizar e interpretar essa realidade. As
sociedades internacionais, através de seus congressos internacionais ou
regionais, são as principais responsáveis por essa tentativa de imposição do
paradigma. É indiscutível que essas reuniões, desde o início, foram a via
prática e funcional para se estabelecer quais devem ser as ‘normas universais’
em matéria de prevenção do delito e tratamento do delinqüente. No entanto,
não devemos esquecer a forma pela qual se implementa esse paradigma em
nível local. (...) Esse processo consolida-se mediante a difusão de um conjunto
de valores que orientam a docência, a pesquisa e a prática profissional nos
respectivos países”. (OLMO, 2004. p.263)
Para a autora a Criminologia “era uma resposta do capital aos problemas do trabalho
e não simplesmente a ‘boa vontade’ de determinados indivíduos” (OLMO, 2004. p.56). Há
20 A autora propõe um modelo de pesquisa onde devem ser considerados, para um apanhado geral do quadro
da Criminologia na América Latina: A) As viagens de estudo realizadas à Europa e aos Estados Unidos pelas
minorias ilustradas latino-americanas em diferentes épocas; B) A influência das transmissão do que foi
aprendido no exterior, que variou de acordo com o lugar que tais minorias ocuparam em suas respectivas
sociedades, bem como a importância que se conferia, em um momento determinado, ao problema do delito;
C) Os autores traduzidos e difundidos, não tanto por serem significativos ou reconhecidos na disciplina nos
países de origem, mas porque entraram em contato pessoal com latino-americanos ou foram popularizados
como expressão científica; D) A presença de estrangeiros contratados para ministrar cursos ou para assessorar
governos devendo-se conhecer suas participações [Enrico Ferri, Benigno di Tullio, funcionários italianos
(juristas) contratados pelos governos para auxílio na confecção de leis, especialistas como Loveland]; E) Os
estrangeiros, obrigados, por motivos políticos, a exilar-se no continente americano, que evidentemente
exerceram influência; F) Em certas ocasiões, a influência de alguns países latino-americanos sobre outros,
como o caso da Argentina; G) Os tipos de estabelecimento criados para estar atualizado; H) O tipo de
pesquisa que os diversos institutos de Criminologia criados na América Latina quiseram empreender em
momentos determinados; I) A realização de congressos, seminários e cursos em nível nacional, especialmente
quando se observa que em muitos casos estão estreitamente vinculados a reuniões continentais e
internacionais; J) As formas mais diretas para se difundir esse conjunto de normas universais para a
prevenção da delinqüência e o tratamento do delinqüente que seriam as revistas especializadas e o ensino da
criminologia.
24
um interesse ideológico de controle dos países imperialistas e industrialmente
desenvolvidos, e isto se refletiria nas atitudes de seus cientistas, que, segundo ela, se
apoiariam no cientificismo, ou seja, em um discurso de uma pseudo-ciência:
“Para os responsáveis pelas revistas, o que conta, aparentemente, é difundir o
paradigma dominante, que parece flutuar no espaço, de um país para outro,
porque se apóia na suposta ‘neutralidade’ e ‘universalidade’ da ciência”.
(OLMO, 2004. p.274)
A autora encontrou na Argentina, Brasil e México os pioneiros latino-americanos da
Criminologia, e além de dar um peso, oposto a RAUTER, à Medicina Legal, ela localiza a
Argentina como o grande núcleo forte da Criminologia. E este peso é dado de forma,
algumas vezes, excessiva.
“Se continuássemos pesquisando, poderíamos encontrar outra série de fatos
que demonstram a influência da Argentina no resto da América Latina, sem
esquecer ainda que entre este e praticamente todos os demais países latinoamericanos
não existe a barreira do idioma. Mas caberia analisar a influência
de certos países latino-americanos sobre os outros, inclusive como instrumentos
de difusão indireta do paradigma dominante criado no seio das sociedades
internacionais”. (OLMO, 2004. p.208)
Mas no decorrer do texto consegue-se perceber que a autora muda o rumo de suas
percepções, tornando-se mais sensível ao caso brasileiro, como mostra esta nota sobre o
papel de destaque da Criminologia argentina na América Latina:
“Depois do estudo que realizamos sobre a criminologia na América Latina, não
estamos mais tão seguros desse fato. O Brasil teria que ser estudado com maior
atenção antes de se apoiar este juízo. O que parece evidente é que na Argentina
surgiu primeiro a criminologia clínica, enquanto o Brasil foi bastante crítico ante a
escola positiva”. (OLMO, 2004. p.267)
Com uma escrita atraente e embasada no marxismo, difícil é não aderir ao seu
raciocínio, ou mesmo propor uma forma alternativa de compreensão do processo. Como
resultado, o leitor é levado a comungar com a sua idéia sobre o papel das sociedades
criminológicas, como plataformas de difusão da nova ciência do controle social. Mostra a
autora que em seus congressos internacionais sempre se discutiram as formulações que
deveriam ser acatadas na elaboração de “normas universais” em matéria delituosa para
consolidar a nova ordem social. No começo, essa difusão limitava-se exclusivamente aos
países industriais, mas depois, ao se concretizar a expansão mundial do capitalismo, se
25
estendeu às zonas periféricas e, muito especialmente, à América Latina (OLMO, 2004.
p.157). Para compreender essa difusão, não se podem esquecer as condições de
dependência e subdesenvolvimento da região (OLMO, 2004, p.158). Não era uma relação
unilateral de imposição, como geralmente se crê. Contava com a aceitação das classes
dominantes de cada país, que sentiam a necessidade de encontrar na Europa e nos Estados
Unidos a “solução” de seus problemas locais, especialmente por sua atitude de
subordinação e seu comportamento mimético. Essas classes dominantes sabiam que deviam
resolver seus problemas locais, e que necessitavam da lei e da ordem para incorporar ao
sistema internacional, mas buscavam nos países industriais a forma de obtê-las (OLMO,
2004. p.159). E observa a autora que foram precisamente os latino-americanos os primeiros
países não-industriais que se fizeram presentes nestas assembléias internacionais (OLMO,
2004. p.159).
Estas reflexões das duas autoras mostraram-me a necessidade de um aprofundamento
maior sobre alguns temas que até o contato com estes dois livros não havia surgido. Por
este motivo, ampliei minha bibliografia buscando soluções para problemas pontuais. Um
destes problemas foi o processo de construção da auto-identidade de um grupo; para isto
dois autores foram fundamentais. O primeiro foi o professor Marcos Chor,21 que teve por
objetivo, em seu artigo, estudar a trajetória profissional do médico Nina Rodrigues (1862-
1906), entre 1882 e 1895. Demonstrando o seu esforço em tornar a Medicina Legal um
espaço autônomo de conhecimento, o autor afirma que embora RODRIGUES não tenha se
tornado um mito da ciência, surgiu toda uma geração que cunhou uma identidade coletiva
autodenominada “Escola Nina Rodrigues”. Sobre isto adverte o autor: “a denominada
‘Escola Nina Rodrigues’ foi uma invenção criada nos anos 30 do presente século pelos
médicos Afrânio Peixoto e Arthur Ramos como forma de dar maior credibilidade às suas
respectivas militâncias no campo da medicina legal” (MAIO, 1995. p.235). Esta afirmação
nos ligou a uma autora que décadas antes havia se doutorado com uma tese sobre a referida
escola.
21 MAIO, Marcos Chor. “A medicina de Nina Rodrigues: análise de uma trajetória científica”. Cad. Saúde
Públ. RJ, 11(2): 226-237, abr./ jun., 1995.
26
Mariza Corrêa22 foi uma das responsáveis pela emergência de Nina Rodrigues como
objeto de análise. A autora mostra em sua obra duas grandes dificuldades encontradas em
seu trabalho: a força da interpretação e usos que a obra do médico teve por parte daqueles
que se consideraram seus seguidores; e que sua figura não se encontra suficientemente
desvinculada das idéias do racismo científico. Organiza seu trabalho em dois blocos: o
primeiro diz respeito à legitimação da Medicina e de suas especialidades no país, a partir da
segunda metade do século XIX até os anos 30; o segundo trata efetivamente da perspectiva
antropológica embutida nos discursos biologizantes de Nina Rodrigues. A autora afirma
que a Escola Nina Rodrigues foi fruto da atuação dos intelectuais, que fundaram e se
filiaram a este mito de origem, como estratégia para uniformização do campo intelectual. A
autora, sintomaticamente, finaliza seu estudo na década de 1930, mas afirma que somente
na década de 1950 o paradigma racial foi posto mais claramente de lado. Analisando as
obras de Arthur Ramos e Afrânio Peixoto a autora afirma que o resgate intelectual das teses
de Nina Rodrigues e os elos entre ambas as gerações de intelectuais foram muito mais
retóricos que concretos; menos pela abordagem das questões raciais e mais pelos
procedimentos metodológicos utilizados pelo médico. Diz a autora que os “discípulos que
chamam [Nina Rodrigues] como ‘guia’ espiritual de suas iniciativas políticas mais gerais,
vão demolindo sua obra no particular, ponto por ponto negando a validade de suas
interpretações ao longo de sua própria produção intelectual” (CORRÊA, 2001. p 14). O
contexto analisado inicialmente pela autora foi de junção da prática médica com a
observação antropológica na atuação de Nina. Nesse momento não só ganhou importância
o trabalho empírico e comparativo como forma de se realizarem os estudos de caso, como
também o fato de o comportamento individual começar a ser contextualizado e
compreendido em razão de um meio cultural determinado. Para a autora a “nossa sociedade
se construiu historicamente como um espaço onde as desigualdades se expressaram tanto
nas leis como nas normas sociais em vigência desde o período colonial” (CORRÊA, 2001.
p.72), se na Europa eram politicamente necessárias a criação e a manutenção de instituições
médicas para manter a disciplina dos corpos, no Brasil tal estratégia foi dispensável, visto
22 CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 2ª ed.
Bragança Paulista: Ed. Univ. São Francisco, 2001. 404p.
27
que o princípio da desigualdade estava socialmente assegurado, graças às características de
um processo histórico peculiar.
Se não foi explicitado em leis civis discriminatórias, como a segregação racial norteamericana,
o racismo enquanto crença na superioridade de determinada raça e na
inferioridade de outras, teve larga vigência entre os nossos intelectuais no final do século
XIX e início do XX.
“O racismo de Nina Rodrigues, tantas vezes chamado a desqualificar suas
pesquisas empíricas, era partilhado por quase todos os intelectuais importantes
de sua geração, os quais não só citavam os mesmos autores – de Buckle a
Gobineau – como colocavam a ‘questão racial’ nos termos, embora nem
sempre concordassem com as conseqüências dessa colocação. A tônica de suas
manifestações era a analogia que estes intelectuais estabeleciam entre raça e
nacionalidade e a definição de nosso povo como uma população de mestiços”.
(CORRÊA, 2001. p.43)
Neste contexto cabem as observações do professor Sérgio Carrara23, que afirma que
os médicos acreditavam que tanto o comportamento dos negros como também o das
mulheres deveriam ser considerados dentro dos padrões de comparação do grupo a que
pertenciam. O que é um processo simultâneo de individuação e sociologização do
comportamento humano, que promove, em última instância, uma certa relatividade da
moral e, por conseguinte, uma urgente necessidade de reformulação da construção jurídica
liberal daquele período, cuja base se assentava nos princípios do livre-arbítrio e da
liberdade individual. Este seu estudo sobre as relações entre a loucura e o crime é
contextualizado nas duas últimas décadas do século XIX até as duas primeiras do XX.
Considerando as representações do Brasil como um país mestiço e a grande
incidência de teorias que priorizavam o tema racial na análise dos problemas locais, Lilia
Schwarcz,24 buscou entender a relevância e as variações na utilização das teorias racistas no
Brasil centrando no período posterior a década de 1870.
A autora trata de questões como raça e nação procurando desvendar o paradoxo
criado no Brasil: da inserção e recuperação dos modelos liberais de atuação política e de
concepção do Estado liberal, fundamentado no indivíduo e em sua responsabilidade
23 CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do
século. RJ, SP: Eduerj, Edusp, 1998. 228p.
24 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil:
1870-1930. SP: Cia das Letras, 1993. 287p.
28
pessoal; com um modelo racial de análise, que retirava a atenção colocada no sujeito para
centrá-la na atuação do grupo entendido enquanto resultado de uma estrutura biológica
singular. Dois modelos a princípio excludentes. A autora pretendeu construir uma história
construtivista da ciência (SCHWARCZ, 1993. p.17), cabendo uma dinâmica de
reconstrução de conceitos e modelos com o contexto em que essas teorias se inseriram, que
lhes conferiram novos significados, diz a autora:
“assim, interessa compreender como o argumento racial foi política e
historicamente construído nesse momento, assim como o conceito de raça, que
além de sua definição biológica acabou recebendo uma interpretação sobretudo
social. O termo raça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo e
natural, é entendido como um objeto de conhecimento, cujo significado estará
sendo constantemente renegociado e experimentado nesse contexto histórico
específico, que tanto investiu em modelos biológicos de análise”.
(SCHWARCZ, 1993. p.17)
A saída original encontrada pelos homens da ciência, segundo a autora, foi a
acomodação dos modelos cujas decorrências teóricas eram originalmente diversas: do
darwinismo adotou-se o suposto da diferença entre as raças e sua natural hierarquia, sem
que se problematizassem as implicações negativas da miscigenação; do evolucionismo
social sublinhou-se a noção de que as raças humanas não permaneciam estacionadas, mas
em constante evolução e aperfeiçoamento, comungando com a idéia de que a humanidade
era uma. A originalidade do pensamento racial brasileiro era abrigar uma ciência positiva e
determinista. A autora critica o pensamento que atribui às teorias do XIX um caráter de
sub-ciência ou cópia imperfeita do modelo europeu. Ela percorre todo o século XIX, mas
data seu estudo na década de 1870 (por ser o período da: Lei do ventre Livre; entrada do
ideário positivo-evolucionista; “fortalecimento e amadurecimento” de alguns centros de
ensino nacionais –museus, faculdades e institutos) e conclui na década de 1930 (período de
críticas às máximas evolucionistas e de elogio às perspectivas culturalistas):
“os anos 30 fixam, nesse sentido, os limites máximos deste texto. Nesse
momento coincidem não só a decadência de um paradigma teórico -o
evolucionismo social-, que havia informado e conformado boa parte dos
estabelecimentos em questão, como uma crescente fragilidade de parte desses
institutos, ameaçados em seu predomínio e autonomia com a fundação das
primeiras universidades do país”. (SCHWARCZ, 1993, p.22)
29
Também contribuiu em minhas reflexões o estudo do brasilianista Thomas
Skidmore,25 que também pesquisou sobre a cultura no Brasil no período de 1870 até 1930.
Com o mesmo recorte cronológico que CARRARA e SCHWARCZ, enfatizou as análises
das doutrinas raciais predominantes neste contexto e concluiu que:
“o pensamento racial que gerava discussão aberta na Europa... chegava no
Brasil via de regra sem nenhum espírito crítico...Caudatários na sua cultura,
imitativos no pensamento... os brasileiros de meados do século XIX, como
tantos outros latino-americanos, estavam mal preparados para discutir as
últimas doutrinas européias”. (SKIDMORE, 1976. p.13)
Considera que dois movimentos desencadearam uma mudança no pensamento social
brasileiro: a “resposta” contrária dada pelos sociólogos Roquette-Pinto, Arthur Ramos e
Gilberto Freire às idéias nazistas, citando um manifesto conjunto do final da década de
1930; e a onda internacional contrária ao racismo científico gerada pelos excessos nazistas.
O autor não se furta de destacar a diferença entre o Estados Unidos e Brasil quanto ao trato
mais subjetivo da discriminação do segundo.
Uma perspectiva diferente de abordar a questão do racismo no final do XIX e início
do XX foi mostrada pelo professor Jair de Souza Ramos. Em seu artigo, RAMOS26 faz uma
instigante leitura da obra de Oliveira Vianna utilizando como referência teórica o
instrumental foucauldiano. O autor assim define seu objetivo:
“não será visualizar através de um fragmento a totalidade da ‘obra’ e muito
menos mostrar o acerto ou a falsidade de suas idéias, mas, ao contrário,
recuperar, a partir da trama que está na origem do texto, um conjunto de
formulações que articulam discurso científico e idéias de determinação
biológica de tipo racial que estão ali presentes, e que, veiculadas por um nome
já então consagrado das ciências sociais no país, se não expressam um estado
da arte deste tipo de discurso racial com pretensões científicas no período, pelo
menos expõem um conjunto entre as formulações possíveis e autorizadas acerca
do tema”. (RAMOS, 2003. p.575)
Preciosas reflexões são sintetizadas pelo autor. Uma delas é a necessidade de se
buscar escapar às ilusões totalizantes da obra e do autor por meio de um exame de cada
25 SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. RJ: Paz e
Terra, 1976; SKIDMORE, Thomas E. The Idea of race in Latin America: 1870-1940. Texas: Univ. of
Texas Press, 1990.
26 RAMOS, Jair de Souza. “Ciência e racismo: uma leitura crítica de Raça e assimilação em Oliveira Vianna”.
In: Revista História, Ciência, Saúde: Manguinhos, RJ, vol. 10 (2): 573-601, mai./ ago., 2003.
30
texto produzido tomado em sua complexidade, assim alerta-nos sobre esta complexidade:
“cada texto tem de ser lido como produto de uma trama da qual fazem parte a formação do
autor, a sua posição no momento da produção e os debates aos quais o autor responde e
nos quais intervém através de seu texto” (RAMOS, 2003. p.574). Sobre a formação
profissional do pesquisado o autor afirma que em sua pesquisa partiu do pressuposto de que
esta formação inculca formas de expressão e organização do pensamento e de percepção da
realidade. Baseado em SKIDMORE localiza as últimas duas décadas do século XIX como
período de prevalência, pelo menos em seu pesquisado, das doutrinas positivistas,
evolucionistas e materialistas. O autor também lembra da ligação entre o Sanitarismo e a
Eugenia nos estudos das raças. Assim, as obras de Oliveira Vianna foram analisadas
considerando as possíveis inserções em coleções de grande prestígio na época, o número de
edições, a folha de rosto, onde trazem as filiações institucionais, por serem frutos de um
processo de seleção daquelas que construiriam a imagem de uma autoridade científica. O
autor se mantém fiel, tal qual SKIDMORE, à idéia de que:
“na medida em que as décadas de 1920 e 1930 testemunham, talvez mais no
Brasil do que no exterior, o declínio do racismo científico como princípio de
explicação do Brasil. Como assinala Skidmore, os anos de 1920 indicam uma
mudança nas explicações acerca do ‘atraso’ no desenvolvimento do país com
uma passagem da ênfase sobre as características raciais inatas para a relação
homem-meio, seja no que diz respeito às doenças advindas de condições
insalubres de vida – tal como defendido pelo movimento sanitarista – seja pelas
preocupações relativas à organização da produção e à necessidade de
educação... Ora, nos anos 1920 e 1930, as obras de Roquette-Pinto, Arthur
Ramos e, mais tarde, Gilberto Freyre operaram uma reinterpretação otimista
do caráter nacional, destacando a positividade da herança negra, e o caráter
eugênico dos mestiços oriundos de sangue negro”. (RAMOS, 2003. p.583-584)
Uma referência obrigatória no estudo das teses biologicistas no Brasil são as
pesquisas de Nancy Stepan27. Em seu trabalho, procura responder a seguinte questão: o que
era a Eugenia no Brasil? Dois autores que fornecem chaves interpretativas a autora são o
eugenista britânico K. E. Trounson e o, também eugenista, brasileiro Renato Kehl. A autora
afirma que existiram, pelo menos, dois grandes tipos de Eugenia: a Anglo-saxônica, de
27 STEPAN, Nancy Leys. “Eugenia no Brasil: 1917-1940”. in: HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diego (org.)
Saúde e doença na América Latina e Caribe: perspectivas históricas. RJ: Ed. Fiocruz, no prelo; STEPAN,
Nancy. The hour of eugenics: race, gender, and nation in Latin American. New York: Cornell University
Press, 1996. 210p.
31
onde derivou o subtipo que originou o nazismo; e a Latina, onde poderia ser encaixado o
subtipo brasileiro. Afirma também que as origens do movimento eugênico no Brasil tinham
menos relação com eventos europeus que com assuntos brasileiros. Estes últimos tiveram,
tal qual os franceses, uma concepção eugênica fortemente baseada na concepção neolamarckiana
de hereditariedade, que buscava enfatizar a importância da relação com o novo
meio no desenvolvimento físico e mental dos imigrantes em detrimento das características
inatas herdadas. Afirma a autora que “na verdade, alguns cientistas mantiveram sua crença
em uma forma neo-lamarckiana de hereditariedade até quase o final da década de 1940, a
era da ‘nova síntese’ da biologia evolucionária com a genética mendeliana” (STEPAN, no
prelo, p.18). A Eugenia não esteve associada, como na Inglaterra, a controvérsias em torno
dos méritos relativos da biometria e da genética mendeliana, pois até a década de 1920:
“a biologia e a genética darwinianas mal estavam estabelecidas como campos
de pesquisa científica. Ainda não havia nenhum departamento de ciências nas
universidades brasileiras, e o trabalho biológico restringia-se às escolas de
medicina, aos institutos agrícolas (dos quais havia poucos), e ao Instituto
Oswaldo Cruz...”. (STEPAN, no prelo, p.6-7)
À medida que a tese do branqueamento ganhava terreno, nas décadas de 1920 e 1930,
como ideologia não oficial da elite, muitos brasileiros desviavam sua atenção do
pessimismo racial para a educação, a reforma social e o saneamento como respostas ao
‘problema nacional’. Tendo como resultado um movimento eugênico que, conquanto se
fundasse em ideologia racista, foi sutilmente afastada de um racismo declarado. Na década
de vinte, a autora localiza dois tipos de divisões, uma científica e outra sociológica.
“Cientificamente, o divisor de águas referia-se à genética neolamarckiana, em oposição à
mendeliana. Ideologicamente, dizia respeito à questão de raça, confirmando assim que, no
Brasil, raça, de fato, estava no cerne da questão eugênica” (STEPAN, no prelo, p.36).
Segundo a autora somente pelo final da década de 1940 é que o mendelismo finalmente
tomou o lugar das idéias neolamarckianas. Localiza também, nas décadas de 1930 e 1940, o
período revisionista de Gilberto Freyre, em que os temas de degeneração tropical e racial
não mais perpassavam as obras de Medicina, Bacteriologia e raça, ou sofrearam uma forte
diminuição (STEPAN, no prelo, p.8). A autora localiza três variantes da Eugenia no Brasil:
a primeira fundada nas sociedades médicas, a segunda nos debates e instituições
psiquiátrica e a última no interior da Medicina Legal. A Eugenia brasileira esteve vinculada
32
estreitamente a uma ideologia conservadora, onde predominou o catolicismo da maioria dos
médicos com sua orientação pró- família e classe. Ao contrário da Eugenia nazista, disposta
a esterilizar ou eliminar alguma raça, nos anos vinte, a Eugenia foi marcada por uma
influência do ufanismo reformulado do período.
Também André Mota28 trata da questão da Eugenia e do Sanitarismo no Brasil, da
década de 1880 até a de 1930. O autor afirma que no Brasil a Eugenia vinha afirmar a
normatividade da higiene para ajustar a vida social das populações urbanas, alargando
consideravelmente aquele campo de ação.
“Isso porque a eugenia utilizaria todos os dispositivos já experimentados pela
higiene, desde a ordenação do meio ambiente até os modelos de habitação das
diferentes classes sociais, para atingir, finalmente, o que ainda restaria
disciplinar: a espécie. Tendo em pauta uma aproximação das máximas
eugênicas e de sua implementação como um projeto de restauração nacional
(...)”. (MOTA, 2003. p.16)
Segundo MOTA, as ações eugênicas, diante desses aspectos, deveriam ser vistas
como intervenções que, mesmo respaldadas na ciência e no determinismo científico,
possuíam um forte caráter nacionalista e por isso deveriam ser encaradas como um pilar
sobre o qual se iniciaria a construção de um novo Brasil.
“Por esses discursos, era possível esboçar a representação de um patriotismo
consistente na compreensão da simples verdade de que não bastaria gritar
‘Viva o Brasil!’, mas que era imperioso colaborar de fato no seu ressurgimento
e no fortalecimento de todos os habitantes. Por isso, nenhum processo era mais
decidido do que o referente ao seu povoamento”. (MOTA, 2003. p.50)
O autor, como a maioria dos citados acima, encerra seu estudo na década de 1930, e
explicita que aí estaria o fim do determinismo biológico nas ciências. “Até ser
cientificamente criticada e moralmente repudiada após 1945, a eugenia serviria como mais
uma das bandeiras daqueles que diziam ser possível construir uma verdadeira ‘raça de
gigantes’” (MOTA, 2003. p.98). E continua mais a frente:
“No entanto, com o final da segunda Guerra em 1945, a vitória dos aliados e a
criação da Unesco, tentou-se ocultar essas pendências raciais e eugênicas sob
uma discussão que deveria girar apenas em torno do esclarecimento da opinião
pública internacional sobre as falsas bases científicas do racismo. O Brasil por
28 MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. RJ: DP&A, 2003. 120 p.
(Passado Presente)
33
sua vez seria o maior porta-voz dessa visão ao ser considerado o ‘país da
democracia racial’.Tal status desaguaria numa série de estudos e críticas, até
os dias de hoje, sobre quais seriam as simbologias que constituiriam e
reforçariam essa ideologia e quais as ações jurídicas, políticas e sociais que
fariam igualmente do Brasil um país eminentemente racista”. (MOTA, 2003.
p.100)
É possível estabelecer um contraponto entre as análises de OLMO e SKIDMORE, por
um lado, e CORRÊA, SCHWARCZ, STEPAN e RAMOS, por outro. Para os primeiros, as
idéias estão como postas fora do lugar, seja pelo imperialismo ianque, seja pelo mimetismo
de nossas minorias ilustradas, já para os demais, ao contrário, há que se observar como os
autores foram apropriados e adaptados ao contexto nacional. Estes autores acima me
auxiliaram na construção e delimitação do meu problema, outros ajudaram com o contexto
e reflexões sobre a História das Ciências.
c) Base teórica e contexto:
Como o objetivo deste trabalho é abordar o tema da continuidade do determinismo
biológico na Criminologia, utilizarei indiretamente as reflexões de CHARTIER29 sobre o
conceito de “apropriação”. Este conceito me parece útil devido à condição dos cientistas
brasileiros frente à ciência mundial, sobretudo a européia, que, com raras e recentes
exceções historiográficas, como mostrado acima, são postos como simples receptores
passivos. A imagem reprodutora ainda prevalece, embora este quadro venha se
modificando nas últimas décadas, pois a nova historiografia vem mostrando as inovações e
aprimoramentos conquistados pelos pesquisadores brasileiros, além de estar contribuindo
para a compreensão destas inovações e adaptações, teóricas e práticas, às necessidades
brasileiras. Esta releitura de um determinado conteúdo, feita de forma inovadora e coerente
com o contexto do receptor é o que CHARTIER define como: “... a noção de apropriação:
porque permite pensar as diferenças na divisão, porque postula a invenção criadora no
próprio cerne dos processos de recepção” (CHARTIER, 1990. p.136).
A História deve então ser uma “reconstituição das distâncias nas práticas”
(CHARTIER, 1990. p.136), permitindo também que não se considerem totalmente eficazes
e radicalmente aculturante os textos ou as palavras que pretendem moldar os pensamentos e
29 CHARTIER, Roger. “Cap.IV: Textos, impressos, leitores”. In: CHARTIER, Roger. A história cultural
entre práticas e representações. SP: Difel/ Bertrand Brasil, 1990. pp.121-139. p.239.
34
as condutas. “As práticas que deles se apoderam são sempre criadoras de usos ou de
representações que não são de forma alguma redutíveis à vontade dos produtores de
discursos e de normas” (CHARTIER, 1990. p.136). O ato de leitura não pode ser anulado
no próprio texto, nem mesmo os comportamentos vividos nas interdições e nos preceitos
que pretendem regulá-los. De acordo com CHARTIER a aceitação das mensagens e dos
modelos “opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios, de reempregos singulares
que são o objeto fundamental da história (...)” (CHARTIER, 1990. p.137).
De acordo com o pensamento de CHARTIER os processos de imitação ou de
vulgarização são mais complexos e mais dinâmicos e devem ser entendidos, antes, como
lutas de concorrência onde toda divulgação, concedida ou conquistada, produz
imediatamente a procura de uma nova distinção. Trabalhei então de forma a compreender
os usos múltiplos, diferenciados, confrontados, do impresso - neste caso, revistas, manuais
e livros -, pois as autoridades “concorrentes acreditaram nos seus poderes e os leitores
manejaram-no consoante as suas competências ou as suas expectativas” (CHARTIER,
1990. p.137).
E por último, mas importantíssimas, são as reflexões de BAUMAN30 sobre
modernidade. O autor concebe esta como tendo dois significados: um produto do progresso
científico e tecnológico da Revolução Industrial, das amplas mudanças econômicas e
sociais trazidas pelo capitalismo; e, como período histórico que começou na Europa
Ocidental no século XVII com uma série de transformações sócio-estruturais e intelectuais
profundas e atingiu sua maturidade primeiramente como projeto cultural, com o avanço do
iluminismo e depois com a forma de vida socialmente consumada, com o desenvolvimento
da sociedade industrial. A racionalização (cientificismo) e o objetivismo são frutos deste
mesmo processo que gerou, também, seus opostos. Bauman define a ordem e o caos como
gêmeos de um mesmo processo moderno. Diz o autor que “uma vez que a soberania do
estado moderno é o poder de definir e de fazer as definições pegarem, tudo que se autodefine
ou que escapa à definição assistida pelo poder é subversivo” (BAUMAN, 1999.
p.16) é uma anomalia, um desafio. O horror à mistura a ambigüidade, reflete a obsessão de
separar. Como estratégia dessa prática moderna está a: taxonomia, classificação, inventário,
30 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto. RJ: Zahar, 1998; BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
e ambivalência. (trad. Marcus Penchel) RJ: Zahar, 1999.
35
catálogo, estatística; em uma necessidade incrustada em sua formação de: ordenar, dividir,
classificar, localizar. Os refugos a esta ordenação, são misturas desautorizadas de categorias
que não devem se misturar, desafiam a classificação e a arrumação. O autor cita ADORNO
e HORKHEIMER, que junto a ELIAS, são a base de seu pensamento, e define assim a
‘dialética do iluminismo’:
“o iluminismo é o medo mítico tornado radical (...) Absolutamente nada pode
ficar de fora porque a mera idéia da exterioridade é a própria fonte do medo,
[que o que os homens modernos ] querem aprender da natureza é como utilizála
para dominar completamente a ela e aos outros homens. Este é o único
objetivo. Cruelmente, apesar de si mesmo, o iluminismo extinguiu todo traço de
sua própria autoconsciência. A única espécie de pensamento que é
suficientemente ouvida para destruir mitos é, em última análise,
autodestrutiva”. (BAUMAN, 1999. p.25)
Tal qual a questão posta acima, da imposição descontextualizada ou interação crítica
das idéias com o contexto, aqui se reproduz mais uma questão clássica de nossa área da
História da Ciência. BAUMAN trata em seu ensaio da questão do macro-entendimento, já
CHARTIER em seu artigo trata do estudo do micro. Em minha opinião, não há contradição.
Em dois planos diferentes o estrutural (macro) e do estudo de casos (micro) os autores
tecem reflexões complementares.
Em um estudo macro a imagem reprodutora tende a se cristalizar, devido a
dificuldade do trabalho com os aspectos qualitativos. As inovações e adaptações a nova
realidade tendem a serem apagadas. Mas como vimos, a releitura de conteúdos é sempre
inovadora e coerente ao seu novo contexto. A recepção é criadora, o que relativiza a
eficácia e o grau de massificação em cima das práticas sociais e pensamentos. Os novos
ordenamentos, com hierarquias próprias, desvios e reempregos são frutos de lutas
concorrênciais. O conhecimento e análise neste plano da micro- história não devem estar
desacoplados do contexto que propiciou a este conhecimento.
A ciência e a tecnologia são frutos da modernidade, tem bases concretas nas
transformações sócio-estruturais e intelectuais começados no século XVII, embora sejam
associadas ao século XIX. Duplamente, como projeto cultural e como desenvolvimento da
sociedade industrial, a modernidade se consumou como racionalização e objetivismo. Do
horror a mistura e a ambigüidade surge a prática moderna de ordenar e classificar. O Estado
Moderno incumbiu-se de definir e de fazer com que as definições, normatizações,
36
pegassem, tendo as instituições um grande valor, e à escapar esta ordem surge o subversivo,
que precisa ser organizado.
O diferente, o desordenado, o não-classificado, segundo TODOROV31, o “outro”,
deve ser enquadrado na racionalidade científica, que é objetiva. A prática científica, a
pesquisa, e sua divulgação são sempre uma leitura de mundo, uma significação, que é
historicamente localizada. Quando, por exemplo, a anatomia patológica não havia
conseguido desempenhar um papel racionalizador no campo dos estudos sobre as doenças
mentais, os praticantes da Psiquiatria aderiram a uma nova teoria que retomava, de forma
sistematizada e abrangente, as inquietações e temores que já circulavam pelo menos desde
os anos 1750: a teoria da degenerescência. Esta, dava um embasamento fisicalista a
numerosos temas problemáticos, como a loucura, o crime e a miséria, conservando como
base a moral oitocentista, como demonstrou Octávio Domont Serpa Júnior.32 Vale a pena
reafirmar que independente dos objetivos e métodos o que se fazia era ciência, uma
atividade de cunho social auto-validada e aceita pela sociedade como tal. 33
Por trás da continuidade histórica do determinismo biológico, que aparentemente se
estende até os dias atuais, ocultam-se rupturas, descontinuidades importantes, cujo
reconhecimento pode facilitar a compreensão dos reais processos em jogo. Nem o conceito
de periculosidade nem a classificação dos criminosos são, na década de 1940, o que foram
no passado. Denunciá-las como vestígios de um período remoto a ser superado pode ter
sentido como estratégia de luta política, mas não de pesquisa histórica. É preciso,
primeiramente, desfazer o vínculo lógico que se costuma estabelecer entre ciência e o
antideterminismo biológico, pois este não é uma decorrência necessária daquela. Se as duas
chegaram a se associar no caso brasileiro, sobretudo nas Ciências Sociais, isso se deve à
características particulares do nosso processo histórico, o que não impede sua não
associação em realidades diferentes da nossa, ou em outras áreas do conhecimento. Os
diversos estudos baseados em explicações orgânicas das condutas humanas, não podem ser
considerados em função dos critérios hoje aceitos como legitimamente científicos. O
31 TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana. RJ: Jorge
Zahar, 1998; TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. SP: Martins Fontes,
1996. 263p.
32 SERPA JÚNIOR, Octávio Domont. Mal-estar na natureza: estudo crítico sobre o reducionismo
biológico em psiquiatria. RJ: Te Corá Ed., 1998. 372p.
33 GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. [Valter Lellis Siqueira (trad.)] (2ª ed.) SP: Martins
Fontes, 1999. 369 p. p.13
37
importante para o historiador é situá- los em seus contextos históricos, segundo o padrão de
cientificidade da época.
Em suma, o cientificismo e racismo enquanto frutos de seu contexto histórico, o
racialismo apropriado de forma a não ter contradição com a moral e o conservadorismo
patriarcalista e católico brasileiro, os estudos sobre o determinismo biológico findando na
década de 1930, a interação entre o progresso científico nacional e os novos conhecimentos
gerados na Europa e nos Estados Unidos, contribuíram para a formação desta dissertação.
Voltarei ainda a estas reflexões e autores quando necessário. No próximo capítulo farei um
histórico dos conceitos de periculosidade e da classificação dos criminosos no interior das
reflexões criminológicas. O objetivo desse capítulo é mostrar a formação do campo
criminológico até a década de 1940. Procurarei enfatizar a América Latina nesse contexto
de formação da disciplina. Mas, esse esforço será limitado, devido a reduzida bibliografia
sobre esse tema na região. Pontuarei o primeiro século de existência dessa ciência, tomando
como marco inicial, como sugere Olmo, os congressos penitenciários, passando pela
geração que sucedeu aquela de 1890, e que trabalhou para a implementação prática dos
conhecimentos criminológicos, com um sucesso até então desconhecido. Após este ponto,
entrarei na década de 1940, procurando mapear os manuais, revistas, congressos,
sociedades e associações.
38
Capítulo 2: Histórico da Criminologia e dos conceitos de periculosidade e
classificação dos criminosos
O Código Penal Brasileiro de 1940 trouxe consigo duas inovações, produtos do
desenvolvimento da ciência criminológica: o critério da periculosidade para a aplicação da
pena e o dispositivo da medida de segurança. Na Exposição de Motivos34, o Ministro da
Justiça Francisco Campos definiu o objetivo e o alvo desta última. Assim o Ministro
asseverou:
“é notório que as medidas puramente repressivas e propriamente penais se
revelaram insuficientes na luta contra a criminalidade (...) para corrigir a
anomalia, foram instituídas, ao lado das penas, que têm finalidade repressiva e
intimidante, as medidas de segurança. Estas, embora aplicáveis em regra post
delictum, são essencialmente preventivas, destinadas à segregação, vigilância,
reeducação e tratamento dos indivíduos perigosos, ainda que moralmente
irresponsáveis” (CAMPOS, 1940. p. 07).
A pena não se justificava mais pela punição, mas pelo tratamento, readaptação ou
reforma do delinqüente. O critério de julgamento não se referia ao delito, mas à
personalidade do criminoso. O julgamento do juiz passou a referir-se a um tipo de
anormalidade reconhecida no delinqüente, a “periculosidade”, ou “temibilidade”.
Definindo a periculosidade dos indivíduos, o Artigo 77 deste mesmo Código afirmava que
“... deve ser reconhecido perigoso o indivíduo se sua personalidade e antecedentes, bem
como os motivos e circunstâncias do crime, autorizam a suposição de que venha ou torne a
delinqüir”.35 Coube à ciência, sobre todas, a Psiquiatria, constatar a periculosidade dos
indivíduos.
O conceito de periculosidade pressupunha uma anormalidade incrustada no indivíduo
criminoso, não equivalia exatamente a um diagnóstico psiquiátrico, mas os considerados
doentes mentais eram também vistos como perigosos, juntamente com os reincidentes, os
condenados por crimes organizados, e o que é mais importante: todo e qualquer criminoso,
34 A “Exposição de Motivos” acompanhou o “Projeto do Código Penal” que o Ministro da Justiça e Negócios
Interiores, Francisco Campos, encaminhou, em 1940, ao presidente da República, Getúlio Vargas, e foi
publicada, originalmente, no Diário Oficial da União, em 31 de dezembro de 1940. Utilizei a versão:
CAMPOS, Francisco. “Exposição de Motivos”. Revista de Direito Penal. RJ. nº 32, fasc. I, pp. 05-40, janmar,
1941.
35 “Código Penal”. Revista de Direito Penal. RJ. nº 32, fasc. II-III, pp. 40-273, abr-jun/ jul-set, 1941. p.42.
39
desde que o juiz o avaliasse como possível reincidente. Outorgado pela ciência da
Criminologia, o arbítrio do juiz foi enormemente aumentado em razão desta capacidade de
julgar tecnicamente. Afirma Carrara:
“Os juízes deveriam se orientar por uma avaliação particularizada da
‘periculosidade’ ou da ‘temibilidade’ manifestada por cada delinqüente, sendo
tal periculosidade compreendida como uma espécie de índice de criminalidade
virtual ou índice pessoal de expectativas de realização de novos delitos. Esse
índice deveria ser aferido através do exame físico e psicológico ao qual todos
delinqüentes seriam submetidos”.(CARRARA, 1998. p.111)
A personalidade perigosa é definida como aquela em que existe uma tendência
delituosa, tendência esta avaliada pelo juiz com o auxílio de seus peritos auxiliares,
principalmente psiquiatras, médico legistas e, às vezes, psicólogos. Uma vez considerado
perigoso, o destino do criminoso é a medida de segurança. E neste ponto surge uma
aparente incongruência do Código de 1940, que fez conviver este novo dispositivo, curativo
e preventivo, com a velha pena punitiva e intimidatória. Vale lembrar, que as medidas de
segurança não correspondiam à pena indeterminada defendida desde o século XIX pela
Criminologia (ALVAREZ, 2002. p.4). Além disso, o Código incorporou o ensinamento
psiquiátrico dos graus variados de responsabilidade, mais do que o da irresponsabilidade
geral dos criminosos, defendido por Lombroso, Ferri e pela Criminologia Psicanalítica,
como veremos mais à frente.36
Desde o século anterior, a discussão sobre crime e criminoso foi articulada em uma
área onde se cruzavam reflexões médicas, ou relativa às ciências biológicas, e
penintenciarista. Os dois campos que concorriam pela legitimidade de seus discursos nesta
área eram a Psiquiatria e a Antropologia Criminal, cujas fronteiras, em parte, se diluíam,
em um espaço ao mesmo tempo médico e legal. Segundo Carrara (1998. p.64-65), a
concepção do crime, à partir do século XIX, pôde ser vista por duas vertentes: o crime
doença, com sua avaliação otimista do ser humano, que, naturalmente bom, apenas
eventualmente teria sua natureza pervertida por causas ou razões externas, contingentes,
inesperadas; e o crime-atributo, comportamentos individuais desviantes com configurações
psicossomáticas particulares e hereditariamente adquiridas. Para este breve histórico do
36 A Criminologia Psicanalítica, ao contrário da Clínica Psicanalítica, não supunha a idéia de cura, foi
simplesmente utilizada para diagnosticar as causas dos desvios, e não foi utilizada como método para
tratamento. (RAUTER, 2003. p. 72)
40
conceito de periculosidade baseei-me na periodização proposta por OLMO (2004),
CARRARA (1998), SERPA JÚNIOR (1998) e MANITA (1997, 2001).
a. Origem
Manita afirma que a noção de periculosidade e o início da classificação da
personalidade dos criminosos remonta, a pelo menos 1838, quando o alienista Jean Etienne
Dominique Esquirol (1772-1840)37 cunhou, em seu “Des maladies mentales”, o termo
“Monomania Homicida” para designar algumas formas de loucuras, onde o único sintoma
evidente era uma desordem ética e moral, que deixava o indivíduo propenso à prática de
crimes. Com este termo, Esquirol conseguiu apreender as duas figuras mais temidas do
desvio da conduta humana à época: o louco alienado e o criminoso cruel (MANITA, 1997.
p.55).
A monomania foi concebida de duas formas: a primeira era uma espécie de premissa
falsa sobre a qual todo um edifício plenamente racional podia ser construído pelo doente,
que passava socialmente por pessoa saudável, ou, no máximo, excêntrico; a segunda era
uma perturbação mental que não se referia às desordens da inteligência ou a qualquer
delírio, mas sim aos movimentos inesperados e incontroláveis das paixões e afetos.
Em Esquirol a concepção de psiquismo compreendia as faculdades de “entendimento”
(inteligência), “vontade” e “sentimento” (afetividade). Assim, a monomania desdobrava-se
em: “monomanias raciocinantes”, quando o mal perturbava apenas a faculdade do afeto ou
do sentimento, caracterizando indivíduos que, apesar de lúcidos e inteligentes,
apresentavam distúrbios de caráter ou do senso moral: indivíduos absolutamente maldosos,
perversos, insensíveis, cruéis, refratários a qualquer admoestação ou aprendizagem do bem,
nestes o mal não só estaria constantemente presente como sempre visível; e nas
“monomanias instintivas”, via de regra, apareceriam como uma doença que se revelava em
surtos rápidos e repentinos, às vezes na fugacidade de um único gesto, com seus portadores
tendo uma vida pacata, dentro dos padrões estabelecidos, quando, repentinamente,
cometeriam algum crime ou qualquer outro ato insensato. De uma maneira geral, a
monomania manifestava-se como: cleptomania, monomania suicida, piromania, dipsomania
e monomania homicida (MANITA, 2001. p. 40). Segundo Carrara,
37 A autora considera os trabalhos de Gall, Pierre-Jean-Georges Cabanis (1757-1808-) e Rudolf Wirchow
(1821-1902), mas, segundo sua concepção, eles influenciaram de forma muito distante o desenvolvimento
final dos conceitos de periculosidade e a classificação dos criminosos.
41
“... através da monomania, a loucura deixou de ser percebida como uma
consciência rompida pelo delírio, ruptura que mantinha ainda mais enigmática
a interioridade do ser humano. Com o aparecimento da monomania, a loucura
passa a ser vista também como supressão de toda a consciência, como
exposição de todos os mecanismos e operações automáticas que regeriam os
processos mentais do homem”. (CARRARA, 1998. p.75)
Desde a sua formulação, na primeira metade do século XIX, a monomania já recebia
duras críticas. As duas principais eram: no que diz respeito à sua concepção de uma
unidade psíquica, que quando lesada em uma de suas funções, não haveria repercussão nas
outras; e contra seu princípio de classificação das doenças segundo seus sintomas. Mas,
mesmo assim, a expressão monomania continuou a ser utilizada pelos médicos durante todo
o século XIX, e não desapareceu com o surgimento de outras teorizações concorrentes.
A loucura moral começou a designar muito menos uma situação ou estado mórbido, e
muito mais uma condição mórbida particular a certos indivíduos, que os acompanharia do
nascimento à morte. A determinação da loucura, ou alienação mental, passou a exigir um
exercício comparativo entre o indivíduo sob suspeita e uma idealização estatística –
criando-se o homem médio, ou normal. Os alienistas passam então a desenhar não somente
o perfil do pensamento desse homem normal, mas também o perfil de seu comportamento,
pois, através das monomanias, o olhar do médico teve que se deslocar do nível das idéias e
das representações para o nível das ações, uma vez que somente aí poderia avaliar a
incidência de uma loucura sem palavras.
b. Surgimento da Criminologia
Neste período, começo da segunda metade do século XIX, existiam três principais
organizações que fomentariam congressos internacionais relacionados aos criminosos: uma
sobre os aspectos penitenciários, outra sobre os aspectos antropológicos dos criminosos e,
por último, sobre a normativa jurídico-penal. Desde então houve estreita relação entre as
três, embora existissem rivalidades pessoais entre alguns de seus integrantes, o intercambio
entre os congressos era intenso (OLMO, 2004. p.99). Em uma situação de
complementaridade, e perseguindo os mesmos fins, a Comissão Penitenciária
Internacional, a União Internacional de Direito Penal, e a autoproclamada Escola
Positivista Italiana, respectivamente, mobilizaram-se para procurar os meios adequados
para remediar o problema do delito. Procuravam, particularmente, resolver o problema da
42
reincidência, atentando especialmente para o estudo deste indivíduo delinqüente. Sugeriam,
por um lado, a criação de estabelecimentos especiais para os incorrigíveis, e, por outro, a
prioridade no momento da sanção à personalidade deste delinqüente. Nas palavras de Olmo
a “penalogia, o direito penal e a criminologia entrariam em estreita relação para controlar
melhor, mas a criminologia seria considerada a ‘base científica’ sobre a qual se apoiariam
a política criminal e a elaboração das leis” (OLMO, 2004. p.73).
A Criminologia surgiu, desde pelo menos a década de 1870, em um contexto europeu
e norte-americano propício, e objetivava como ciência a garantia da ordem e a estabilidade
social, contribuindo para neutralizar os sinais de desmoralização que ameaçavam a
sociedade. A internacionalização da Criminologia, a partir dos congressos, foi caracterizada
pela divulgação de normas universais, que trataremos mais à frente.
À medida que se realizavam periodicamente os diferentes congressos, observou-se
claramente a inter-relação que existia entre eles, não apenas porque se discutia uma mesma
temática – embora sob diferentes ângulos – mas também pela freqüente presença dos
mesmos especialistas nas reuniões dos três organismos. Desta inter-relação das
organizações internacionais, surgiram as normas universais, impondo-se como única opção
válida para enfrentar o problema do delito. Mas, por sua vez, se transformaram e se
adaptaram, como expressões das próprias modificações das sociedades.
Embora nascida como interação de pelo menos três campos autônomos de
conhecimento (o Direito Penal, a Penalogia, e a Antropologia Criminal), a Criminologia
transitou em muitas áreas, por estar localizada no encontro de algumas áreas de
conhecimentos que na época já estavam consolidadas, ou em vias de, como a Penalogia, o
Direito Penal, a Eugenia, a Psicologia e a Medicina (sobretudo a Medicina-Legal,
Psiquiatria, Endocrinologia). Seu intercambio internacional, foi uma forma de padronização
e divulgação do conhecimento sobre o criminoso, além de ter servido para criação e
exposição das normas universais para o tratamento e a contenção deste tarado, assegurando
assim o “progresso” e a “marcha da civilização”. Mas adverte Olmo, que:
“entretanto, este intercâmbio internacional, desde seu início, foi essencialmente
assimétrico. Os conceitos e termos básicos, assim como as formas sugeridas
para controlar o delito, foram criados e difundidos por especialistas de países
que exerciam a hegemonia mundial”.(OLMO, 2004. p.77)
43
As origens da Criminologia como ciência no continente europeu, e particularmente na
Itália, respondem não somente ao grande desenvolvimento que adquiriu nesta época a
ciência como tal, especialmente as ciências dos homens, como também às necessidades da
burguesia para enfrentar seus problemas sociais, e o problema do delito em particular. Este
fato se concretizou no preciso momento em que o capitalismo entrou em sua etapa
imperialista, e em que o Estado começou a assumir o controle de certos aspectos da vida
comum (HOBSBAWM, 1997. p.419-421). A idéia de que os delinqüentes não eram iguais
aos outros seres humanos correspondia ao mecanismo de racionalização das desigualdades
da época, nas palavras de Hobsbawm:
“Mecanismo mediante o qual uma sociedade fundamentalmente igualitária
racionalizava suas desigualdades e tentava justificar e defender aqueles
privilégios que a democracia implícita em suas instituições deveria mudar
inevitavelmente. Já que o liberalismo não podia se defender da lógica contra a
igualdade e a democracia, erigiu a bandeira ilógica das raças; seria a própria
ciência, base do liberalismo, que provaria que os homens não eram iguais”.
(HOBSBAWM, 1997. p.368)
As crises que sacudiam o capitalismo, a atividade dos sindicatos, os temores de
guerra, o aumento da pobreza e outros problemas sociais que se agravavam em toda a
Europa, exigiam uma ciência que fosse efetiva para o controle da sociedade, do progresso e
ordem industrial-urbana, com objetivo de manter a ordem. O liberalismo do século XIX
enfatizou uma concepção ímpar de liberdade, “ser livre” era trabalhar em prol da ordem
social, nas palavras de Hinkelammert, “o indivíduo que recusa a ordem social é um
indivíduo que recusa ser livre e portanto é perverso”38 (apud: OLMO, 2004. p.42).
“Muitos pensavam (...) que os problemas sociais não eram mais que resíduos do
passado a serem resolvidos. A única forma visível seria através da ciência, (...)
mas ciências, em suma, que se ocupassem do ser humano em sociedade e
contribuíssem para impedir o regresso a formas passadas de governo, ou a
revoluções que estavam em gestação”. (OLMO, 2004. p.36)
A Criminologia foi gerada em paralelo ao aparecimento das idéias evolucionistas de
Darwin e Spencer, com a filosofia de Saint-Simon e, sobretudo, com o método positivista
de Comte, entre outros, “seu lema seria ordem e progresso e seu método, o da observação
38 Hinkelammert, Franz. Ideologia del desarrollo y dialéctica de la história. Santiago: Nueva Universidad,
1970.
44
experimental” (OLMO, 2004. p.37). Em suas análises, os criminólogos consideravam os
fenômenos sociais como fenômenos naturais, seu método científico para o estudo da
sociedade foi uma alternativa que se pretendia apolítica para abordar problemas sociais
como objetos neutros, governados por leis universalmente válidas
Olmo afirma abordar o problema do delito não foi simples e nem tampouco mecânico,
por seus vínculos com o campo jurídico e policial. O Direito, por exemplo, tinha seu
próprio desenvolvimento, que determinava o que era o delito e como sancioná-lo,
entretanto, a ciência dominante se impôs. Surgiu assim a auto-proclamada “escola
positivista italiana”, pretendendo revolucionar este Direito, adotando o método da
observação experimental para estabelecer as origens do delito e do delinqüente. O método
positivo e o desenvolvimento das ciências do homem, em particular da Psiquiatria e da
Antropologia, seriam os elementos necessários para reformular o problema delituoso, em
nome da ciência. Então, seriam estudadas as causas do delito no homem delinqüente, sem
esquecer de que a finalidade principal seria neutralizá-las com as medidas legais
pertinentes.
Três acontecimentos importantes forneceram as condições para o surgimento da
ciência criminal: o Estado tomar para si a preocupação penitenciaristas; a organização
internacional do Direito Penal e; o desenvolvimento das pesquisas da Ant ropologia Física.
1. O primeiro diz respeito à iniciativa de filantropos que decidiram unir-se para
discutir publicamente o problema das prisões européias, defendendo o isolamento celular
nas prisões. Tentaram desta forma encontrar os meios adequados para resolver o crescente
problema do delito. Convocaram então, congressos europeus sobre o tema.39 Após o
último, produziu- se no plano internacional um silêncio de 15 anos sobre o assunto (OLMO,
2004. p.59). Mais tarde, com esta mesma finalidade, foram convocados congressos
internacionais que, à diferença dos três congressos penitenciários internacionais realizados
em meados do século, tiveram como motor principal o apoio e a iniciativa governamental e
não a iniciativa privada (OLMO, 2004. p.75).
No século XIX, a reincidência em práticas delituosas serviu de justificativa a uma
rápida modernização das técnicas de controle e repressão utilizadas pelos aparelhos
39 I Congresso Penitenciário, Frankfurt, 1846.
II Congresso Penitenciário, Bruxelas, 1847.
III Congresso Penitenciário, Frankfurt, 1857.
45
policiais, dando lugar ao aparecimento de uma polícia científica (CARRARA, 1998. p.64).
Esta não se restringia apenas ao mundo do crime, mas a todo tecido social, junto à
população que exigia maiores cuidados em termos de contenção, vigilância e disciplina
(CORRÊA, 2001. p.64). Os longos períodos de reclusão a que foram submetidos, e presos
nos jogos da marginalização, começavam a desenhar para o criminoso uma trajetória social
sem retorno, passando a ser percebido enquanto manifestação de uma natureza individual
anômala, de um psiquismo perturbado pela doença (CARRARA, 1998. p.64).
Não é demais lembrar, que neste período a doutrina da degeneração fez com que o
crime, em si mesmo, pudesse se tornar objeto de uma abordagem psicopatológica, o crime,
enquanto anomalia moral, fazia supor um criminoso também anômalo e doentio sem,
entretanto, dissolvê-lo completamente na figura do louco, do irresponsável. Enquanto a
monomania pareceu incorporar à figura do louco à face do perigo e do crime, a
degeneração claramente patologiza e medicaliza o crime (RAUTER, 2003. p.30).
2. O segundo, diz respeito ao desenvolvimento da Penalogia. Olmo sustenta que “não
se pode afirmar que o sistema penal de qualquer sociedade seja um fenômeno isolado e
sujeito a suas próprias leis” (OLMO, 2004. p.60). Por exemplo, a privação da liberdade
como pena, com sua finalidade de ensinamento da disciplina do trabalho, é característica do
século XIX, e particularmente da ideologia liberal. Como afirmou Foucault:
“Na posição central que ocupa, a prisão não está só, mas ligada a toda uma
série de outros dispositivos carcerários que são em aparência muito distintos –
já que estão destinados a aliviar, a curar, a socorrer –mas que tendem todos,
como ela, a exercer um poder de normalização”. (FOUCAULT, 1987. p.254)
O dever da penitenciária seria o de separar o delinqüente de todo contato com a
corrupção, como a máxima fundamental era o princípio da liberdade, privando-se dela
aquele que recusa a ser livre, incentivava-se para que o indivíduo se recuperasse e quisesse
voltar a ser livre (OLMO, 2004. p.63). A instituição teria de servir como aparelho de
transformação e, portanto, de estabelecimento de uma rotina disciplinar.
O pioneiro no trato das penitenciárias foi o Estados Unidos, onde prevaleceram dois
sistemas de trabalho como meio de isolamento produtivo: o “sistema Auburn” (trabalho em
oficinas) e o “sistema Pensilvânia” (trabalho individual em celas) (OLMO, 2004. p.64). A
prisão como lugar de trabalho se sustentou na primeira metade do século XIX. O cárcere se
converteu em observatório privilegiado da marginalidade social.
46
Por volta de 1870, houve uma reorientação da ideologia punitiva. O delito se
converteu em um problema médico-psicológico pela necessidade de curar o delinqüente, ou
em última instância isolá- lo, se incurável, para que não contaminasse os outros. O cárcere
deixava de ser um simples observatório e se converteria em um laboratório, um gabinete
científico onde, depois de atenta observação do fenômeno, se tentasse o grande
experimento da transformação do homem (FOUCAULT, 1987. p. 245). Então, “inicia-se o
sistema da ‘profilaxia criminal’ - de novo um termo médico - com seus pilares
fundamentais: a responsabilidade penal e o estado de periculosidade” (OLMO, 2004.
p.68). Outra mudança na política do controle social: já não se faria dentro dos limites do
Estado nacional, mas num contexto em que se buscassem soluções universais.
O promotor principal das mudanças na política do controle social foi o Estados
Unidos, tendo origem no congresso nacional sobre a “Disciplina das Penitenciárias e
Estabelecimentos de Reforma”, de 1870, onde foi promulgada a Declaração de Princípios,
que não se circunscreveu à sociedade americana, mas serviu de base para fomentar
mudanças internacionais. Este congresso propôs aos governos uma união internacional e
também, teve como conseqüência a organização de congressos internacionais sobre a
mesma temática. 40
A utilização do sistema penal como meio de transformação da personalidade do
delinqüente, ocupava lugar prioritário, especialmente para os norte-americanos.
Concepções sobre a delinqüência, delito, tratamento e da existência de um verdadeiro
sistema científico de justiça penal eram pontos centrais em suas reflexões. Os resultados da
pesquisa de Olmo afirmam que estes princípios surgiram independentemente da formação
da escola positivista italiana (OLMO, 2004. passim).
Começou-se por examinar o problema penitenciário e as características do homem
delinqüente, mas faltava criar a normativa jurídica correspondente, por isto foi fundada em
1888, por Franz Ritter von Liszt (1811-1886), Van Hamel e Adolfo Prins, a União
Internacional de Direito Penal, na Alemanha, com o objetivo de “coordenar as tendências
reformadoras que estavam surgindo em muitos países e dar maior autoridade às
40 I Congresso Penitenciário, Londres, 1872.
II Congresso Penitenciário, Estocolmo, 1878.
III Congresso Penitenciário, Roma, 1885. (No mesmo mês em que foi realizado este congresso, também
aconteceu o I Congresso Internacional de Antropologia Criminal)
47
proposições de mudanças na legislação penal e em sua aplicação”, segundo Von Liszt
(OLMO, 2004. p.72). Esta pregou em seu primeiro congresso, em Bruxelas, 1889, que a
pena como retribuição deveria ser substituída pela pena como defesa. No ano de 1890
ocorreu o II Congresso da União Internacional de Direito Penal, em São Petersburgo, onde
foram sintetizados e divulgados os principais pontos da União.41 Ao todo de 1889 até 1913
foram realizados pela União doze congressos internacionais. 42
Neste mesmo ano, em 1890, aconteceu o I Congresso Internacional de Patronatos de
Liberados, para dar ajuda pós-carcerária, demonstrando desta forma a preocupação com a
reincidência.
3. Finalmente, o terceiro acontecimento para o surgimento da ciência criminal, diz
respeito ao desenvolvimento da Antropologia. Para entender o desenvolvimento da
Antropologia Criminal faz-se necessário ter em mente as contribuições da teoria
desenvolvida por Morel. Na década seguinte à publicação do “Des maladies mentales”, o
médico e etnólogo James Cowles Prichard (1786-1848) reforçou a posição nosográfica de
Esquirol com seus trabalhos sobre a “Loucura Moral”. Juntas, as idéias de Prichard e
Esquirol, serviram como base para a teoria da degenerescência da espécie humana, do
também alienista Morel, publicada em 1857, e que reverberou por todo século XIX com os
seus seguidores. Até tomar a forma dada por Morel, a palavra degeneração teve um longo
percurso, como nos mostra Carrara:
“Antes da apropriação que dela fez Morel, a palavra degeneração já era de uso
corrente entre naturalistas e ‘antropologistas’ que a empregavam para
designar variações étnicas e raciais despidas de qualquer conotação
patológica. A originalidade de Morel parece ter consistido justamente em
relacionar degeneração, significando alteração do tipo antropológico ou do
biótipo do Homo sapiens, com a patologia, particularmente com a patologia
mental. A degeneração, transformada por Morel em concepção antropológica,
passou a ser definida por ele enquanto o conjunto de ‘desvios doentios do tipo
normal da humanidade, hereditariamente transmissíveis, com evolução
progressiva no sentido da decadência’”. (CARRARA, 1998. p. 82)
41 Sendo eles: apontar meios de combater o delito; priorizar o problema do estado perigoso, medidas de
seguranças e à sentença indeterminada; maior preocupação com a reincidência.
42 Localizei os seguintes:
I Congresso da União Internacional de Direito Penal, Bruxelas, 1889.
VII Congresso da União Internacional de Direito Penal, Lisboa, 1897.
VIII Congresso da União Internacional de Direito Penal, Paris, 1904.
48
Em sua doutrina, Morel expunha a crença na unicidade do ser humano enquanto
entidade a um só tempo física e moral, e na hereditariedade mórbida. No cruzamento destas
duas crenças, chegou-se à hereditariedade enquanto transmissora tanto de caracteres físicos
quanto morais (temperamento, caráter e aptidões). Estes postulados estavam mediados pela
reflexão em torno do sistema nervoso, e articulados no interior de uma mesma concepção
organicista. Morel afirmou que a hereditariedade mórbida produzia algo além de simples
predisposições, engendrava verdadeiros tipos antropológicos desviantes, cujos sistemas
vitais encontravam-se constitucionalmente mal conformados e funcionalmente alterados
(MANITA, 2001. p.41). De uma tendência simplesmente apontada nas monomanias, de
Esquirol e Prichard, de se conceber o louco mais como um tipo humano específico do que
um indivíduo afetado por uma situação doentia, foi com Morel que esta formulação se
tornou explícita e radical.
Com a classificação etiopatogênica de Morel, ampliaram-se os aspectos em que o
médico deveria atentar-se. Nas palavras de Carrara:
“Além das condições gerais de vida e moralidade de indivíduos e famílias, o
médico deveria ainda estar atento ao corpo daqueles a quem examinava, caso
quisesse diagnosticar uma degeneração nervosa. No corpo, através de
deformações anatômicas e problemas fisiológicos, inscrevia-se toda uma
história de desregramentos, de transgressões e doenças”. (CARRARA, 1998.
p. 87)
Até o impacto da classificação psiquiátrica de Morel, os alienistas, sob influência de
Pinel e Esquirol, mantinham as classificações sintomáticas e as taxonomias clássicas. Morel
embasou suas categorias nosológicas sobre base positiva, fornecida pelas descobertas da
anatomopatologia (CARRARA, 1998. p.87). O autor explicava a ausência de lesão
perceptível do sistema nervoso pela má conformação deste sistema, que dava origem a uma
espécie de “duplo” da lesão, constituindo os estigmas físicos da degeneração. Segundo
Carrara os corpos dos alienados começaram a “proferir o prolixo discurso das
deformidades, das singularidades corporais, das anomalias anatômicas hereditárias”
(CARRARA, 1998. p.88).
A partir de então, na agenda proposta pela Psiquiatria, era exigido que o médico
alienista fosse a campo e manuseasse técnicas que, a princípio, eram estranhas à sua
especialidade, dando ênfase aos estigmas anatômicos enquanto elemento diagnóstico
49
importante, fazendo com que a Psiquiatria necessitasse se tornar medicina social para ser
eficaz, pois a resolução dos problemas mentais envolvia questões da política e da moral
(fome, miséria, imoralidade e alcoolismo).
Através dos simpatizantes de Morel, e até de seus contestadores, foram desenvolvidas
as mais variadas teorias biológicas, psicológicas, sociológicas e antropológicas sobre crime,
criminalidade e criminosos, fazendo com que a idéia de periculosidade se propagasse. O
reconhecimento da existência de uma personalidade perigosa, fez com que a sociedade
européia do segundo e terceiro quarto do século XIX, não se preocupasse, exclusivamente,
com a gravidade do ato criminoso, mas sim com a incômoda e problemática natureza do
criminoso. O médico alienista, respondia a uma necessidade dos juízes, que operavam com
o pressuposto da exis tência de uma racionalidade intrínseca às ações humanas, e que
deparavam com ações criminosas sem razão aparente, que não partiam de indivíduos que se
encaixavam facilmente nos quadros clássicos da loucura, e não se apresentavam como
meros subversivos dos meios socialmente dados para a consecução de fins legítimos e
desejáveis, como riqueza, posição social ou prazeres sexuais. Estes seres fronteiriços feriam
princípios e valores básicos da natureza humana, pondo em questão a sua própria
humanidade. Nesta área de eternos conflitos de competência, os psiquiatras na realidade,
criminalizaram o louco, no sentido de incorporarem à sua figura um novo perfil marcado
pela crueldade, indisciplina, amoralidade e periculosidade (MANITA, 2001. p.42-43).
Pode-se então afirmar, que a noção de periculosidade nasceu da idéia de uma
patologia incrustada na personalidade do criminoso, tal como a “Monomania Homicida”,
atenuando, de certa forma, a responsabilidade plena dos atos cometidos e prevenindo a
sociedade da presença incômoda destes mutilados éticos e morais.
Segundo pesquisa de Rosa Del Olmo, aconteceram sete congressos de Antropologia
Criminal, entre 1885 e 1911.43 Neles, indicou-se a direção que tomou o controle da
43 I Congresso Internacional de Antropologia Criminal*, Ro ma, 1885.
II Congresso Internacional de Antropologia Criminal, Paris, 1889.
III Congresso Internacional de Antropologia Criminal, Bruxelas, 1892.
IV Congresso Internacional de Antropologia Criminal, Genebra, 1896.
V Congresso Internacional de Antropologia Criminal, Amsterdã, 1901.
VI Congresso Internacional de Antropologia Criminal, Turim, 1906.
VII Congresso Internacional de Antropologia Criminal, Colônia, 1911.
* Estes congressos foram denominados de “Congresso Internacional de Antropologia Criminal, Biologia e
Sociologia” até a quarta edição, assumindo a partir daí, a denominação acima utilizada.
50
delinqüência nesta época, controle que somente se realizaria, segundo a escola positivista,
por meio do estudo científico do indivíduo delinqüente.
A segunda metade do século XIX, foi o palco onde a Psiquiatria abarcou nos seus
quadros de alienação mental, um número crescente de comportamentos desviantes, e,
paralelo a isto, em outro campo, foi reivindicado o foro de ciência natural, positiva e
legítima, para a Antropologia Criminal. Com os discípulos de Morel, Jacques Joseph
Valentin Magnan (1835-1916) e Paul-Maurice Legrain (1860-1939), segundo Manita, a
idéia mitológica da perfeição, que para Morel estava localizada em um local original, junto
à Criação, deslocou-se para um futuro, com homens completamente adaptados em um
processo milenar de seleção natural. Degeneração, se tornou então “retrogradação”
(MANITA, 1997. p.78-79).
Os estudos morfológicos e anatômicos, na tentativa de conhecer mais profundamente
a natureza do ser humano criminoso, fizeram de Lombroso um marco ímpar na história da
noção de periculosidade. Ele pressupunha um conjunto de estigmas biológicos e
anatômicos que caracterizariam o criminoso, e revelariam nele, a reminiscência de um nível
inferior da escala do desenvolvimento humano. Surgiu então o “criminoso nato”, de
natureza diferente da do homem normal44, em oposição ao “criminoso ocasional”, sendo o
primeiro, um indivíduo instintivo cuja inclinação para o crime resultava de uma
organização própria de sua constituição orgânica. A obra deste médico, de formação em
Psiquiatria, consistiu na aplicação das técnicas da antropometria e da cranioscopia, de Paul
Pierre Broca (1824-1880) e Gall45, ao exame dos corpos dos criminosos e no tratamento
estatístico dos resultados obtidos por tais técnicas (GOULD, 1999. p.122-123). Lombroso
chegou à conclusão que alguns criminosos podiam ser considerados uma variação singular
da espécie humano, uma classe antropologicamente distinta, um Homo criminalis. Segundo
Carrara:
44 Segundo Georges Canguilhem, “uma norma se propõe como um modo possível de unificar um diverso, de
reabsorver uma diferença, de resolver uma desavença... a regra só começa a ser regra fazendo regra e essa
função de correção surge da própria infração” (CANGUILHEM, 1978. p.210). O modo de absorção ou
dissolução das diferenças e contradições nas sociedades industriais, vai ser cada vez mais a normalização
técnica, pela qual se pretende racionalizar a produção e ao mesmo tempo racionalizar a vida social e o
comportamento dos indivíduos (BAUMAM, 1999. p.37-39).
45 Os autores (CARRARA, RAUTER, OLMO) traçam amplas filiações para este pensamento de Lombroso,
que vai desde a fisiognomonia de Della Porta, até a frenologia de Gall, passando pela cranioscopia de Lavater
e pela degeneração de Morel.
51
“Tal discussão gerou, de um lado, uma moderna área de reflexão, e, de outro,
uma nova doutrina em direito penal, cuja influência sobre os códigos penais
modernos é notável. Procurando construir uma abordagem objetiva do
fenômeno da delinqüência, tal área de reflexão ficou conhecida como
criminologia...”. (CARRARA, 1998. p.101)
A matriz do pensamento da Antropologia Criminal, segundo Baratta, era sustentada
em duas bases: o monismo mecanicista, que advogava a existência para o mundo dos
homens de leis universais de causalidade mecânica, comparáveis às que eram apontadas
para os fenômenos atinentes aos demais reinos naturais e apreensíveis através do mesmo
método científico; e a perspectiva evolucionista, acreditando que a espécie humana estaria
sujeita a um processo de evolução mental (ao mesmo tempo física e psíquica) constante e
progressivo, que a conduziria a formas cada vez mais elevadas de moralidade.46 Destas
duas bases formaram-se duas assertivas. O criminoso era um tipo humano regressivo, pois
tinha um comportamento apropriado a formas humanas inferiores, que sabia-se poder
reaparecer subitamente em agrupamentos sociais onde tais formas já haviam sido
ultrapassadas. O criminoso era um doente, pois os distúrbios apresentados eram
permanentes e inatos, e o delito seria apenas efeito imediato de sua inferioridade biológica,
pois suas taras eram heranças genéticas (CARRARA, 1998. p.102).
Nos congressos de Antropologia Criminal estavam presentes: a preocupação pelo
estabelecimento das características físicas dos delinqüentes, capazes de distinguí- los dos
não-delinqüentes; e a relação entre a loucura e a delinqüência e, particularmente, entre a
degeneração (física ou moral) e a delinqüência. Também estava presente a concepção do
delinqüente como enfermo, que poderia ser curado ou contido, dando lugar a que se
promulgasse o tratamento deste delinqüente, com a ajuda da Antropologia Criminal e da
Psiquiatria. Por outro lado, surgiu também a preocupação com os chamados delitos das
multidões, sobretudo greves, e com as atividades anarquistas, tão comuns à época,
atribuídas a agitadores. Estes, por não quererem se submeter às leis que os conformavam a
uma situação de subalternidade, de acordo com sua classe social, tinham que ser indivíduos
46 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do
Direito Penal. (3ª ed.) RJ: Revan: ICC, 2002. p.38-39. Sobre esta concepção científica ver também:
WEHLING, Arno. “Capistrano de Abreu: a fase cientificista”. R. IHGB, RJ, 311: 43-91, abr. /jun.1976;
WEHLING, Arno. “Capistrano de Abreu e Sílvio Romero: um paralelo cientificista”. R. IHGB, RJ, 152
(370): 265-274, jan. /mar.1991.
52
enfermos, isto é, delinqüentes e, em casos extremos, incorrigíveis, perigosos (OLMO,
2004. p.93-94).
A ciência antropológica criminal tinha o homem delinqüente como seu objeto formal
de estudo. As limitações destes indivíduos não eram culpa dele, mas obedeciam a uma série
de causas sobre as quais o indivíduo não teria controle. Desejava-se suplantar o
individualismo pelo determinismo, estudando cientificamente o indivíduo para, através
deste estudo, justificar a ingerência em sua privacidade, em nome da sociedade e do Estado,
“para proteger o capital, conservar a ordem e não perturbar o ‘progresso’” (OLMO, 2004.
p.39).
O importante era o método científico que apregoava a ciência positiva e esta, “ao
operar sobre fatos objetivos e determinados, conectados por rígidas relações de causa e
efeito e ao produzir ‘leis’ gerais, uniformes e invariáveis, acima de toda dúvida ou
modificação voluntária, era a chave-mestra do universo e o século XIX seu senhor”
(HOBSBAW, 1997.p. 350). O estudo da delinqüência seguiria o mesmo caminho e dirigiria
a atenção para os sintomas. Predominaria uma racionalidade classificatória tal como
acontecia, por exemplo, com a doença mental (CARRARA, 1998. p.87 e 112). A noção
fundamental deste grupo era que:
“a criminalidade, o homem que comete delitos, o comportamento violento e
anti-social não são o resultado de um ato consciente e livre, de vontade
maléfica; trata-se, ao contrário, de sujeitos que tem em si mesmos uma
tendência maléfica inata, ligada a uma determinada estrutura psíquica e física,
radicalmente diferente do normal e que se manifesta mesmo em suas
características fisionômicas”. (OLMO, 2004. p.45)
Com os congressos de Antropologia Criminal ficou evidente para boa parte do mundo
científico que existiam desigualdades sociais, que se justificavam porque haviam
desigualdades humanas, seres biologicamente inferiores. Embora nestes congressos
predominasse a crença do determinismo bio-psicológico, havia uma pequena e forte
resistência (sobretudo por parte de Gabriel Tarde, Lacassagne, Manouvrier e Topinard), que
defendia o predomínio dos fatores sociais na delinqüência.
c. A entrada da Criminologia na América Latina
Definida como “a ciência do estudo do delinqüente”, no I Congresso de Antropologia
Criminal (Roma, 1885), a Criminologia não tardou muito a ser difundida na América
53
Latina. De acordo com Olmo, como a inclusão dos países latino-americanos no capitalismo
mundial foi desigual, explica-se que esta Antropologia Criminal não fosse acolhida de
modo uniforme nesses países. Adquirira, por conseguinte, características específicas em
cada país e seu desenvolvimento seria desigual.
O argentino Norberto Piñero, em 1887, se declarou partidário das proposições
positivistas formuladas no I Congresso de Roma fundando a Sociedade de Antropologia
Jurídica, a primeira do gênero na América Latina. O programa da Sociedade assinalaria “a
necessidade de completar a ciência européia com os dados da antropologia e da sociologia
Argentina e da América indígena... e além disso estudar a personalidade do delinqüente
como base para preparar a reforma das leis penais” (OLMO, 2004.p. 165). Um ano após
a Argentina, em 1888, no Brasil foi criada a Associação Antropológica de Assistência
Criminal. Fundavam-se as sociedades científicas e começava-se a publicar toda uma série
de livros, particularmente nos últimos quinze anos do século XIX, para difundir as
doutrinas da emergente Criminologia. Também, no Brasil, Clovis Bevilacqua publicaria em
1896 seu “Criminologia e direito”, e no ano seguinte, Afrânio Peixoto, seu “Epilepsia e
delito”. Os ensinamentos do positivismo criminológico também eram difundidos nos
cursos universitários.
A presença dos representantes da América Latina nos congressos internacionais não
foi uniforme, e nem muito menos simultânea, o que explica que tenham sido Argentina,
Brasil, Chile e México os primeiros a comparecerem às assembléias internacionais.
Ao mesmo tempo, desejava-se resolver o deplorável estado em que se encontravam os
presos na época colonial, buscando-se meios distintos para tanto. Por isso, a preocupação
inicial esteve dirigida para o campo penitenciário, e também em fomentar na América
Latina a criação de casas de correção e prisões similares às americanas. Misturou-se a
“ciência jurídica” européia à “técnica de tratamento” norte-americana, mas adaptando-as e
“deformando-as”47 para torná- las racionais no contexto latino-americano (OLMO, 2004.
p.171). Em decorrência destes fatos, surgiu na América Latina um paradoxo: o lugar do
47 Institucionalizando aquilo que fosse útil e descartando aquilo que não correspondesse à nossa racionalidade
histórica. O que explica em parte, que a Criminologia não tenha sofrido na América Latina as mesmas
mudanças que nos países desenvolvidos¸ e que predominasse uma forte resistência em relação às novas
concepções do problema do delito, afastadas do estudo etiológico do indivíduo delinqüente. Para nós, a
“deformação” de teorias, apontada por Olmo, com vista a adaptá-las a um novo contexto específico tem o
mesmo sentido do conceito de apropriação, de Roger Chartier.
54
cumprimento das condenações deveria ser similar ao modelo anglo-saxão, mas a justiça
local e os códigos eram reflexos da cultura jurídica européia e não da norte-americana.
Com mais um agravante, nos Estados Unidos, após o fracasso da penitenciária como lugar
de reabilitação institucional, esta se converteu, após 1860, em lugar de custódia. Mas a
América Latina como um todo importou este modelo, em desuso exatamente no período de
declínio deste, tanto na Europa como e no s Estados Unidos.
O liberalismo, o racionalismo e o positivismo foram rapidamente assimilados, e em
conseqüência as virtudes da ciência foram ressaltadas. A assimilação das ideologias
européias em sua versão latino-americana deu lugar a uma nova ideologia, ou melhor, uma
ideologia apropriada, porquanto:
“o liberalismo foi introduzido como um quadro de idéias absolutas e não como
um sistema crítico de pensamento; na prática, entrou para operar como uma
ideologia de inibições e de não fazer... Essa adoção das ideologias européias
respondia às necessidades locais e teve precisamente que ser deformada para
se fazer racional dentro do contexto latino-americano”. (OLMO, 2004. p.161)
Foi imposta uma Criminologia da Europa como a solução científica do problema do
delito. A Criminologia chega então à América Latina depois que suas classes dominantes e
ilustradas haviam assumido os ditames da ideologia liberal e a filosofia positivista como a
melhor via para alcançar a ordem e o progresso, mas sobretudo a ordem. A elite ilustrada
considerava muito necessária, não somente pelos grandes períodos de anarquia,
caudilhismo e guerras civis que caracterizaram a história do século XIX latino-americano,
mas também para o processo de implantação do capitalismo.
Todos os países adotaram os postulados fundamentais da filosofia positivista como
“remédio radical, com o qual se rompe [com] um passado que os incomoda”, nas palavras
de Asúa. Este positivismo, por certo, foi apropriado, surgindo dele uma versão latinoamericana,
ainda que cada país o acolhesse por motivos diferentes, de acordo com sua
própria história. Luis Jiménez de Asúa expõe claramente este fato quando diz:
“No México, o nascimento do positivismo foi eminentemente político... a
burguesia mexicana apropriou-se dele para criar o ideário de sua classe e
conciliá-lo com o liberalismo... [o positivismo] fez-se teoria da classe burguesa
e, com outro tom, também defende a propriedade privada e o catolicismo...Na
Colômbia torna-se católico (Escallón fala de uma Escola católico-positivista) e
no Chile se converte em ameno e discursivo. Em quase todas as partes, os
positivistas se tornam escolásticos e citam Ferri e Garofalo. Não pesquisam a
55
realidade do delinqüente, nem estudam as características do criminoso nem as
causas do delito. Somente citam o que aqueles fizeram há 50 anos”.48 (apud:
OLMO, 2004. p.164)
A vinculação do positivismo com a Criminologia foi evidente na América Latina,
visto que as mesmas pessoas, em muitas ocasiões, difundiram os postulados de ambos.
Apregoava-se que seria o instrumento mais eficaz para resolver os problemas locais, mas na
prática não foi assim, sobretudo porque esta recepção das principais correntes ideológicas
européias “se produziu através de grupos urbanos ilustrados cujo grau de coerência com o
resto do conjunto social era escasso e se fez menor ainda por sua adesão a essas
ideologias”49 (apud: OLMO, 2004. p. 164).
A rápida recepção das correntes ideológicas européias tinha sua razão de ser. As
classes dominantes latino-americanas sentiam a necessidade de romper com o passado
colonial e de encontrar alternativas para impor a ordem. Necessitavam de meios de controle
distintos dos do passado, adequados à nova ideologia liberal (OLMO, 2004. p.173). Seus
intelectuais já pensavam, enfatizando dife renças físicas e mentais entre os delinqüentes e
não-delinqüentes, na composição racial da população. Surgiu toda uma série de livros em
que se apontava o problema da raça latino-americana e das diferenças entre os seus
habitantes. Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), afirmava:
“A civilização ariana está representada no Brasil por uma fraca minoria da
raça branca a quem coube o encargo de defendê-la... contra os atos anti-sociais
das raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes no conceito dessas raças
ou sejam, ao contrário, manifestações de conflito, da luta pela existência entre
a civilização superior da raça branca e os esboços de civilização das raças
conquistadas ou dominadas”. (RODRIGUES, 1894. p.xii)
Mas se para Lombroso, crime tinha origem em uma espécie de anomalia morfológica,
para o magistrado Garofalo, que compartilhava a mesma linha das concepções genéticas e
constitucionais, a maior importância seria atribuída aos aspectos morais e psicológicos, e
não aos elementos anatômicos. Desta forma, passou a defender o ponto de vista segundo o
qual, os criminosos possuiriam uma anomalia moral e psíquica, uma espécie de lesão ética,
responsável pela prática da delinqüência. A predeterminação da personalidade do crime
caminhou então, da anatomia defeituosa à lesão ética. De qualquer forma, no último quartel
48 ASÚA, Luiz Jimenez de. “La escuela positiva”, Criminalia, México, out., 1946. p. 164.
49 ROMERO, José Luis. Latinoamérica: l ãs ciudades y las ideas. México: Siglo XXI, 1976. p.141.
56
do século XIX, nas discussões em Direito Penal, não se falava em livre arbítrio do
criminoso, e a Criminologia se firmou enquanto braço direito da justiça (BRITO, 2000.
p.38). Segundo Carrara:
“Através do crime, juristas, criminalistas, criminólogos, antropólogos
criminais, médico-legistas, psiquiatras, todos fortemente influenciados por
doutrinas positivistas ou cientificistas, discutiam uma questão política maior: os
limites ‘reais’ e necessários da liberdade individual, que, excessivamente
protegida nas sociedades liberais, era apontada como causa de agitações
sociais ou, ao menos, como empecilho à sua resolução”. (CARRARA, 1998.
p.65)
Napoleone Colajanni (1847-1921), defendendo também a predisposição psíquica do
delinqüente, sugeriu à Criminologia a formalização do conceito de periculosidade, como
sendo uma perversidade constitucional e ativa no delinqüente, bem como uma certa
quantidade de maldades que se podia esperar dele quase automaticamente. Segundo o autor,
fazendo coro com Lombroso, se o direito criminal quisesse abandonar a sua fase metafísica
para ingressar em uma fase positiva, acompanhando o sentido geral da evolução das
sociedades, teria que deixar de tratar de crimes para considerar o criminoso, classificando-o
segundo as causas que o teriam levado a delinqüir, pois somente através de tal classificação
científica poder-se-ia estabelecer uma intervenção penal adequada e eficaz. (MANITA,
2001. p.43)
A agenda proposta pelos adeptos do pensamento positivo na Criminologia, incluía
além da pena se transformar em algo análogo à tutela exercida sobre os alienados, como
nos fala Carrara (1998. p.114), a necessidade de eliminá-la, substituindo-a por um corpo de
especialistas, médicos psiquiatras, antropólogos e criminólogos, cuja principal função seria
examinar e classificar os delinqüentes, e não apenas julgar seus atos (CORRÊA, 2001.
p.182). Estes profissionais teriam que dominar técnicas de medição antropométrica - para
avaliação dos estigmas físicos / fisiológicos e psiquiátricas - para a análise do estado de
mentalidade de cada acusado ou condenado, classificando-os segundo o tipo de
criminalidade apresentada, oriundas de causas naturais, hereditárias ou doença, ou ainda de
causas sociais. Os resultados dos exames estabeleceriam, finalmente, os índices respectivos
de periculosidade e de regenerabilidade, orientando a escolha desta forma, da medida legal
a ser aplicada (CARRARA, 1998. p.118-119).
57
Com intuito de prevenção, ou proteção social, de acordo com o tipo criminoso, a
intervenção da justiça deveria ser exercida por tempo indeterminado até que se verificasse,
através de novo exame criminológico, o fim da periculosidade do delinqüente.50 Para cada
criminoso havia uma pena, visando primeiramente proteger a sociedade, através da
eliminação ou segregação, e em segundo lugar, buscando alterar ou suprimir a causa da
periculosidade demonstrada, sendo suficientemente flexível para acompanhar a evolução do
processo individual de regeneração. De acordo com Carrara, “os delinqüentes, embora não
fossem moral e individualmente responsáveis por seus crimes, eram, entretanto,
‘socialmente responsáveis’ pelo perigo que representavam para os demais cidadãos”
(CARRARA, 1998. p.113).
Foram inúmeras as classificações de criminosos produzidas por autoproclamados
adeptos e simpatizantes da escola positiva de Direito Penal. A mais amplamente aceita,
parece ter sido a de Ferri51, considerando nesta classificação as causas naturais, sociais e os
desvarios momentâneos. Crítico e admirador de Lombroso (RIBEIRO, 1957. p.46-47),
muito bem quisto pela Criminologia brasileira das décadas de 1930 a 1950, Enrico Ferri
elaborou um dos primeiros modelos integrativos do Direito, Psiquiatria e Sociologia,
valorizando como um importante fator na determinação do crime, além da predisposição
psíquica, também o meio social onde se inseria o criminoso. Este ainda continuaria objeto
de forças emancipadas de seu arbítrio e decisão. O dito “criminoso nato”, reincidente e
incorrigível por excelência, embora considerado o de menor incidência, é o ponto chave da
argumentação, na demonstração positivista da falsidade dos pressupostos do direito
clássico, e da ineficácia das reações penais que se apoiavam sobre tais pressupostos.
Criticando assim o livre arbítrio, baseado na idéia de responsabilidade individual, faz-se
uma crítica como nos mostra Baratta, ao próprio direito de punir (BARATTA, 2002. p.37).
Nas discussões em torno do crime, o objetivo não era apenas o de atacar a ordem
política e jurídica liberal, mas também de consolidar uma nova concepção do homem e de
sua relação com a sociedade, amplamente ancorada em formulações positivistas e
50 Vale a pena lembrar que havia exceções a este tratamento: menores, loucos e surdos-mudos, eram um ponto
à parte a ser discutido.
51 Sendo eles: criminosos natos, criminosos loucos, criminosos de ocasião, criminosos por paixão, criminosos
por hábito.
58
cientificistas. Segundo Carrara, as instituições liberais nasceram, entre nós, sob o fogo
cerrado de positivistas, evolucionistas e socialistas de vários matizes:
“Todos eles, de uma maneira ou de outra, denunciavam as bases ‘metafísicas’
do liberalismo e advogavam que a ‘boa lei’ não deveria pretender apoiar-se
sobre princípios abstratos, eternos e universais como queria o jurisnaturalismo,
mas sim nas necessidades objetivas de cada povo ou nação, nas
particularidades cientificamente demonstradas da realidade sobre a qual ela
pretendia legislar. Igualdade, liberdade, etc. seriam apenas palavras vazias se
não correspondessem a qualquer realidade verificável”.(CARRARA, 1998.
p.66)
Os índios e os negros seriam, para as “minorias ilustradas”52, nossos primeiros
delinqüentes. Os índios cometeriam delitos devido ao seu atraso e ignorância, em razão de
características congênitas que os impediam de se superar. O mesmo ocorria com os negros,
que, além disso, foram objetos de atenção especial – por parte, sobretudo dos médicos
legistas – por praticarem suas religiões trazidas da África, consideradas sintomas de
patologia e expressão de bruxaria fomentadora da delinqüência. A insensibilidade ao
desafio para a mudança, somente podia ser atribuída à características inatas, à deficiências
congênitas, psíquicas ou intelectuais. As idéias de Comte e Spencer serviram para ratificar
esta posição, dando- lhe um sentido científico. Eles pertenciam a uma linhagem distinta e
inferior que constituía a parte patológica de nossas sociedades, mas essa parte patológica –
para essas minorias urbanas ilustradas – estaria integrada por aqueles indivíduos que não
descendiam da raça branca. No Brasil, o médico legista Leonídio Ribeiro se preocupou com
as práticas religiosas dos negros, chegando a considerá-las como “um perigo para a
sociedade e para a saúde pública” (RIBEIRO, 1957. (I) p.231).
Desejava-se explicar os problemas sociais em função de características individuais,
daí a acolhida que tiveram na América Latina o biologismo e o psicologismo, e a grande
difusão das teorias sobre a degeneração. O delinqüente não seria mais que um degenerado,
produto de suas limitações raciais ou mentais, e muitas vezes de ambas simultaneamente,
devendo ser submetido a um estudo especial. Isto explica em parte a relação tão estreita que
existiu na América Latina entre a Criminologia e a Medicina Legal. Segundo Olmo, em
52 Olmo faz referência com este termo a pequena elite científica da América Latina, que tinha formação
universitária no período.
59
qualquer livro de Medicina Legal européia53 do período, geralmente encontramos temas
próprios desta disciplina, como por exemplo, o problema das intoxicações e dos
envenenamentos, dos traumatismos, dos abortos, do infanticídio, dos laudos, etc. Não
ocorre o mesmo quando examinamos os livros de Medicina Legal latino-americanos.
Freqüentemente, encontramos a Criminologia incorporada como um capítulo especial da
Medicina Legal, sendo esta definida como, por exemplo, “a aplicação dos conhecimentos
médicos aos problemas judiciais”54 (apud: OLMO, 2004. p.283) ou como “o conjunto de
conhecimentos médicos aplicáveis ao direito civil ou criminal e à formação de algumas
leis”55 (apud: OLMO, 2004. p.284).56
Não se pode inferir, dessas referências tão gerais ao problema da Medicina Legal em
nosso continente, se os médicos legistas incorporavam o problema do homem criminoso a
seu campo de estudo, devido ao predomínio da noção do delinqüente como um ser
patologicamente anormal, ou se, pelo contrário, a concepção do delinqüente como ser
patologicamente anormal tenha sido o motivo que levou os médicos legistas a incorporar o
tema da Criminologia em seu campo de estudo. Mas uma coisa é certa: na América Latina,
e em alguns países mais que em outros, a Criminologia e a Medicina Legal se encontraram
estreitamente vinculadas. Este é o caso do Brasil.
Os primeiros a se destacarem internacionalmente na Criminologia, e a serem
reconhecidos como especialistas na América Latina, foram os médicos – algumas vezes
legistas e outras, alienistas. Também, a pesquisa sobre os integrantes latino-americanos dos
primeiros congressos internacionais de Antropologia Criminal, revela este predomínio de
médicos, quando não diplomatas que viviam na Europa. É certo que foram os juristas, os
primeiros a começarem a difundir na universidade os ensinamentos do positivismo
criminológico, posteriormente entram em cena os médicos, e também em alguns países
mais que em outros.57
53 De acordo com a pesquisa feita por Olmo, poderia ser mencionado, por exemp lo: BALTHAZARD, V
Medicina legal. Barcelona: Salvat, 1947.
54 ROJAS, Nerio. “Delincuencia post-traumática”. Criminalia, nº 2, México, fev., 1945.
55 RISQUEZ, Francisco A. Manual de Medicina Legal. Santiago: Zig Zag, 1939. p.25.
56 Em 1913, Guimarães Peixoto publicou em Recife um livro intitulado “Ensino da criminologia médicolegal”.
Encontramos também uma série de livros que se chamam simplesmente “Criminologia”, escritos por
médicos legistas, como por exemplo os de Afrânio Peixoto e Leonídio Ribeiro.
57 Podem ser mencionados muitos médicos vinculados à Criminologia no Brasil: Raimundo Nina Rodrigues,
Flamínio Fávero, Oscar Freire, Afrânio Peixoto, Leonídio Ribeiro e Hilário Veyga de Carvalho. Surgiu
60
Os pesquisadores apoiaram-se através das revistas de divulgação científicas. Ainda
quando possam ser observadas certas variações locais, no tipo de temas que se difundiam,
em linhas gerais, predominou uma aceitação de colaborações sobre os temas mais em voga
no período, sempre e quando sejam assinados por quem represente a elite intelectual de
seus respectivos países.58
A forma de ensinar Criminologia sofreu algumas diferenciações nos diversos países.
Em algumas faculdades de Direito, esta cátedra foi criada nas primeiras décadas do século
XX, sendo substituída, em algumas, pela de Medicina Legal. Os professores geralmente
eram formados em Direito. Alguns médicos também se encarregaram de lecioná- la, no
Brasil principalmente. Muitos desses professores fizeram curso de especialização no
estrangeiro, particularmente na Itália ou na França. Os textos utilizados para o ensino da
Criminologia, eram manuais traduzidos ou textos de autores locais.59
Os manuais utilizados, se caracterizaram por oferecer escassas referências ao contexto
nacional em que foram escritos.60 Segundo Olmo, não é arriscado afirmar que na América
Latina se deu muita importância aos aspectos biológicos e psicológicos, quando se queria
examinar o problema do delito.
também uma série de revistas que combinavam as duas disciplinas, como por exemplo, a Revista de
Criminologia e Medicina Legal, criada por Flamínio Fávero, em São Paulo.
58 No Brasil, por exemplo, foi criada em 1939 a revista Neurônio (Arquivos Latino-Americanos de
Neurologia, Psiquiatria, Medicina Legal e ciências afins), sob a direção do médico H. Veyga de Carvalho, de
cujo conselho científico participavam outros latino-americanos: o médico-legista colombiano Gullermo Uribe
Cualla, os médicos argentinos Osvaldo Loudet e José Belbey, o médico cubano Israel Castellanos, o médico
equatoriano Julio Endara e o médico peruano Carlos Bambaren. Todos, como se poderá observar, figuras
destacadas em seus respectivos países, onde dirigiram revistas, escreviam livros e tinham cargos importantes
no nosso campo de interesse. Esses nomes, estavam presentes nos encontros internacionais. Em Cuba, na
Revista Policía Secreta Nacional, escreveram Leonídio Ribeiro e Flamínio Fávero. Na Argentina, na Revista
de Derecho Penal, escreveram Roberto Lyra e Nelson Hungria.
59 No que diz respeito aos manuais, temos o Manual de Biologia Criminal de Franz Exner, a Criminologia
de E. Mezger, escritos respectivamente em 1939 e 1933, e traduzidos anos depois. Talvez se possa
argumentar que esses eram os únicos textos de autores estrangeiros disponíveis em castelhano e por isto
foram utilizados, mas por que é preciso utilizar textos estrangeiros?; por que não se traduziram outros textos?;
por que foram esses textos selecionados para tradução?; precisamente foi na Espanha franquista a decisão de
traduzir os textos de criminólogos como Exner e Mezger, que não apenas são partidários do biologismo para
explicar a delinqüência mas que, além disso, apoiavam diretamente a ideologia nazista em suas obras. No
Brasil, segundo a pesquisa de Olmo, que abrangeu desde o final do XIX até a década de 1970, os principais
textos estrangeiros utilizados no ensino da Criminologia foram os de:Von Hetig, Hans. Criminologia: causas
y condiciones del delito. Atalaya, Buenos Aires, 1948; Pinatel, Jean. Tratado de derecho penal y
criminologia, Tomo III: Criminologia. Caracas, UCV, 1974; Exner, Franz. Biologia criminal em sus rasgos
fundamentales. Barcelona, Bosch, 1957; Mezger, E. Criminologia. Madri, Edit. Ver. de Derecho Privado,
Madrid, 1942 (OLMO, 2004. p.277).
60 No Brasil, segundo Olmo, que pesquisou o período de 1880 até 1960, os principais manuais nacionais
foram: Afrânio Peixoto. Criminologia. Rio de Janeiro, 1933; H. Veyga de Carvalho. Compêndio de
criminologia. São Paulo, 1947; Roberto Lyra. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 1964.
61
Com esta preocupação da Medicina Legal pela Criminologia, especificamente pelo
homem delinqüente, a delinqüência se tornou sinônimo de patologia e degeneração. Se a
ciência estava demonstrando que os homens não eram iguais, o critério para explicar a
delinqüência seria precisamente essa desigualdade, mas essa desigualdade no começo teria
que ser física.
Na América Latina, o controle social se complicou, pois foi preciso combater em
várias frentes: existia o problema do índio e sua civilização destruída com o processo de
conquista; existia o problema do negro, sua escravatura e posterior emancipação; existia,
embora em menor escala, o problema do chinês, particularmente no Panamá, Peru e Cuba,
aonde chegaram em grandes quantidades para substituir os escravos negros, a partir da
proibição do tráfico destes. Também a questão das migrações de europeus brancos, em
muitos casos operários que fugiam da justiça européia por suas idéias. A Criminologia teria
que assumir uma posição frente a esta situação. Se as causas do delito já não eram
exclusivamente raciais, tinham que ser mentais. Um indivíduo seria delinqüente por falhas
em sua personalidade porque era um “psicopata”. Delinqüente e psicopata se tornaram
sinônimos na América Latina, como veremos posteriormente, com muito mais força que na
Europa (OLMO, 2004. p.181-182).
No caso da América Latina, para as classes dominantes, a única raça capaz de obter o
progresso da sociedade seria a raça branca. As outras seriam consideradas perniciosas
porque levavam consigo elementos degenerativos. Substituir a mão-de-obra mediante
imigrações em massa, evitando negros e asiáticos, ou, no caso de não ser possível atraí- la,
esperar que um longo processo de clareamento pudesse apagar as deficiências raciais.
“... a raça negra transmitiu características de sensualidade, superstição,
ociosidade, etc. e a amarela degenerou a raça ao se misturar com elementos
nativos, produzindo tipos anêmicos, raquíticos, carcomidos pela sífilis
jogadores compulsivos, fumantes de ópio e pervertidos do sentido moral.
Somente as raças inferiores de constituição débil, raquítica e enferma, de taras
hereditárias e de vícios desenvolvidos, são as imigrações que deveriam ser
proibidas (...), já que elas contribuem para alastrar o vício e para desenvolver o
delito”. (OLMO, 2004. p.178-179)
A prática, todavia, demonstrou muito cedo que essa não era a solução para o
problema do delito latino-americano. Naqueles países onde se logrou essa migração
européia, como na Argentina e Brasil, apresentaram-se novos problemas não contemplados
62
anteriormente. Foi preciso reformular essa concepção, já que o problema não era só racial.
Esses grupos de “raças estrangeiras homogêneas”, não atendiam às expectativas das
classes dominantes.
“A raça branca também podia ser delinqüente e perturbadora. O problema
deixaria de ser [o] elemento racial para se converter na periculosidade do
indivíduo. E esse ‘estado de periculosidade’, que já havia sido mencionado pela
antropologia criminal anos atrás, se incorporaria à criminologia latinoamericana
com grande força para decidir se o indivíduo poderia ser ‘curado’
ou não, e, sobretudo, se devia ser isolado ou não. Mas primeiro seria
necessário estabelecer quem era perigoso e quem não era. Seriam tomadas
medidas voltadas diretamente para o controle sobre os imigrantes e, assim,
contrastar-se ao clima de agitação que pudesse ser fomentado por esses
indivíduos ‘degenerados’ – embora brancos – , e além disso perigosos, mesmo
porque chamavam-se a si mesmos de anarquistas e estavam fugindo da justiça
européia”. (OLMO, 2004. p.179-180)
A Criminologia na América Latina também se ocuparia de todos quanto tentassem
contra a ordem estabelecida, os chamados resistentes. Assim como sucedeu na Europa, na
época em que se celebraram os primeiros congressos de Antropologia Criminal, na
América Latina, a Criminologia se preocuparia não somente com os chamados delinqüentes
comuns, mas também com os anarquistas, qualificando-os como sujeitos anti-sociais,
perigosos e objeto de estudo da Antropologia Criminal (OLMO, 2004. p.180). Com este
novo direcionamento os primeiros presos foram na realidade presos políticos, mesmo
quando não fosse assim especificado, como foram na Europa: os opositores religiosos, os
grevistas ingleses, os agitadores, anarquistas, etc. Em suma, nesse período, seriam
qualificados como delinqüentes, não somente índios, negros e chineses, mas também
brancos revolucionários.
Desde os fins do século XIX, fomentou-se em todo o continente, utilizando os
ensinamentos da Antropologia Criminal, a criação dos serviços de identificação e
Antropometria. Na América Latina esta foi a primeira medida prática a ser adotada para
procurar resolver o problema do delito. Conhecidos em alguns países como gabinetes
antropométricos, surgiram - como se poderá depreender do exposto anteriormente -
primeiro nos países com grandes migrações, e foram obras das mesmas minorias ilustradas
que vinham se ocupando de difundir o positivismo criminológico, especialmente de
médicos legistas. A princípio, esses gabinetes eram encontrados nos quartéis de polícia, ou
63
nos principais cárceres.61 Sobre este assunto o brasileiro Leonídio Ribeiro, asseverou o
seguinte:
“Deve-se criar em todos os países da América uma organização idêntica à que
existe no FBI... Nossa legislação estabelece a identificação obrigatória de todos
os cidadãos brasileiros. Os demais países americanos estão agora sentindo as
necessidades de fechar suas fronteiras a elementos que nos chegam da Europa
contaminados de idéias perigosas e deletérias, segundo as recentes verificações
do Comitê de Defesa do Continente. É imprescindível utilizar os modernos
recursos específicos que nos oferecem a ciência médico legal se queremos
impedir que indivíduos indesejáveis continuem atravessando as fronteiras do
país com a intenção de perturbar nossa tranqüilidade e ameaçar a segurança
nacional... Chegou o momento de decretar a legislação adequada que permita
ao Estado o controle rigoroso dos numerosos indivíduos de países europeus que
pretendem entrar clandestinamente na intimidade da vida dos povos das três
Américas para exercer mais facilmente suas perigosas atividades anti-sociais
ao abrigo das leis penais”. (RIBEIRO, 1957 (II). p.404)
As palavras de Leonídio Ribeiro, citadas anteriormente, e escrita décadas antes de sua
publicação, indicam que por trás dessa preocupação com o problema do delito existia na
realidade um movimento político. É significativo, por exemplo, que o III Congresso
Científico Latino-Americano, reunido no Rio de Janeiro, em 1905, dedicasse um lugar
especial para comparar os métodos de Bertillon e Vucetich. Além disso, o brasileiro Félix
Pacheco apresentou um trabalho nesse congresso, mostrando a necessidade da criação de
três gabinetes intercontinentais (RIBEIRO, 1957 (II). p.425).
O I Congresso Brasileiro de Eugenia, reunido no Rio de janeiro em 1929, chegou a
seguinte conclusão:
“É muito perigoso nos tempos atuais, de graves acontecimentos na Europa, nos
cheguem elementos indesejáveis, não apenas por suas más condições somáticas,
mas por possíveis antecedentes de perturbação mental e de reações criminosas
ou de costumes e procedimentos inaceitáveis e perniciosos”. 62
Os temas da Eugenia e da imigração foram abordados longamente também no II
Congresso Latino-Americano de Criminologia, reunido em Santiago do Chile, em 1941.
61 Em 1893, organizou-se um serviço de identificação em Ouro Preto, e em 1894, na polícia do Rio de
Janeiro. Deve-se recordar que desde 1889 se discutia no Brasil a necessidade de se criar um serviço de
identificação. Após estes primeiros esforços, o sistema de controle de estrangeiros seria institucionalizado e
generalizado para todo cidadão. O sistema de datiloscopia de identificação obrigatória, no Brasil, existiu a
partir de 1938.
62 Citado em Atas do II Congresso Latino-Americano de Criminologia, Santiago, 1941, p.259.
64
Não se deve estranhar então que no Congresso de Criminologia de Santiago se afirme: “A
Lei Jonhson de 1924 marcou uma etapa definitiva na política mundial da imigração e teve
intensa repercussão nos países em pleno desenvolvimento, que têm diante de si o programa
de um extenso território a ocupar e povoar”.63 Seria então difundida a ideologia da Lei
Johnson, proclamada nos Estados Unidos, em 1924.
Os congressos difundiam a necessidade de criação dos gabinetes de identificação na
América Latina. Um dos resultados mais significativos em termos continentais foi o
controle total da cidadania através da ident ificação obrigatória. Ao se criarem os serviços
de identificação para todo cidadão, os gabinetes deixariam de cumprir sua função inicial
para se limitarem ao estudo e classificação dos delinqüentes reclusos nos cárceres e se
tornariam os embriões dos primeiros institutos de Criminologia da América Latina.
Estreitamente relacionados aos gabinetes de identificação, surgiram na América Latina
institutos de Criminologia, que a princípio eram considerados organismos técnicos
encarregados do exame da personalidade do delinqüente, com sede nos centros
penitenciários dos respectivos países64. Estes primeiros institutos tinham como finalidade
central o estudo do indivíduo delinqüente, seguindo os postulados da “escola positivista
italiana”, com as modificações introduzidas que enfatizava o aspecto psicopatológico do
delinqüente. Como afirmou Luis Jiménez de Asúa, da década de 1920 até a de 1940, na
América Latina podem-se distinguir três tipos de institutos de Criminologia: aqueles que se
dedicam a estudar o indivíduo delinqüente com a finalidade de fixar sua responsabilidade e
o tipo de tratamento que devia ser aplicado; aqueles que surgiram no seio das universidades
voltadas à docência e à pesquisa, como o Centro de Estudos Penais em Buenos Aires,
criado em 1923; e aqueles dedicados a problemas de cultura criminológica e penal, como a
Academia Mexicana de Ciências Penais, criada em 1941, ou as sociedades científicas que
foram surgindo em outros países, como a Sociedade Argentina de Criminologia, em 1933
(OLMO, 2004. p.187-188).
Foi tão heterogênea a concepção do que deveria ser um instituto de Criminologia na
América Latina, que há casos em que essa denominação referiu-se na realidade a uma
mistura de institutos de Medicina Legal e Criminologia. Apesar de encontrar esta aparente
63 Citado em Atas do II Congresso Latino-Americano de Criminologia, Santiago, 1941, p.262.
64 Em 1918 foi criado o Instituto Oscar Freire, em São Paulo.
65
diversidade de organismos denominados instituto de Criminologia, predominaram em
nosso continente os institutos dedicados a estudar a personalidade do delinqüente detido,
isto é, organismos do tipo penitenciário, que em outros países são chamados mais
propriamente de anexos psiquiátricos, laboratório de Antropologia Penitenciária, etc,
dependiam da direção de prisões, mas cumpriam uma função docente por estarem
estreitamente vinculados à cátedra de Direito Penal.65 Os alunos faziam trabalhos práticos
estudando os delinqüentes das penitenciárias. Não atingiu, porém, a finalidade do
tratamento recluso, como era seu objetivo teórico; isto se deveu em grande parte à
inexistência de condições físicas e ambientais que facilitassem a aplicação desse
tratamento. Com estabelecimentos lotados, sem trabalho e com todas as limitações
conhecidas dos sistemas penitenciários latino-americanos, esse estudo da personalidade
teve de se limitar em grande parte a cumprir requisitos administrativos.
Difundia-se a necessidade da Criminologia Clínica, assim como a concepção do
delinqüente como um indivíduo anormal e perigoso. O que não se esclareceu foi o
significado de psicopata. A princípio, era sinônimo de doente mental, mas posteriormente
os americanos restringiram o conceito. Todavia, se poderia dizer que predominou a visão
de que “todo delinqüente é psicopata, mas nem todo psicopata é delinqüente”, sem se
esclarecer com precisão o que se estava dizendo (RAUTER, 2003. p.48).
Em âmbito mundial, a mudança do século XIX para o XX, foi marcada por uma
acirrada disputa dentro do campo da Criminologia, entre as correntes auto- identificadas
como deterministas biológicos e dos deterministas sociais. Esta última escola foi
sintetizada em uma frase repetida por diversos autores66, que assevera que “cada sociedade
tem os criminosos que merece”, afirmando que os fatores sociais e geográficos, por si só, já
seriam suficientes para explicar a criminalidade. Por ter o seu principal foco entre os
críticos franceses, juristas e médicos, a referência a este pensamento é feita como sendo da
“escola criminológica francesa”, em oposição ao da “escola criminológica italiana”.
Identificado como pertencente à primeira destas escolas, o professor de Medicina Legal, da
65 Ver o exemplo de São Paulo: GODOY, Oscar R. de (red.) Coletânea de biotipologia. SP: Tip. do Gabinete
de Investigação/ Soc. de Medicina Legal e Criminologia de SP, 1942, onde dos 17 resultados de pesquisas
publicados, 11 foram executados neste tipo de instituição.
66 GOMES, Hélio. Medicina Legal. (vol. 1) RJ: Freitas Bastos, 1942. p. 46.; FÁVERO, Flamínio. Medicina
Legal. SP: Martins, 1938. p.394.; RIBEIRO, Leonídio. Medicina Legal e Criminologia: estudos e
observações. RJ: Livraria Avenida, 1949. 721p. p. 71.
66
Faculdade de Medicina de Lyon, Alexandre Lacassagne, afirmava desde o primeiro
congresso de Antropologia Criminal, em 1885, que a hipótese do atavismo era um exagero,
uma falsa interpretação perigosa e mística, pois para ele o fundamental era o meio social, e
em suas palavras afirmava que “o meio social é o caldo de cultura da criminalidade; o
micróbio é o criminoso, um elemento que não tem importância até o dia em que encontra
esse caldo e o faz fermentar” (apud CARRARA, 1998. p. 119). O segundo congresso, em
1889, foi marcado pela presença de críticas várias às idéias lombrosianas, como de
imperfeição no método utilizado e de tendenciosidade nas interpretações das estatísticas
produzidas a partir de dados antropométricos (OLMO, 2004. p.122).
A partir dos três congressos da década de 1880 - I Congresso Internacional de
Antropologia Criminal, Roma, 1885; II Congresso Internacional de Antropologia
Criminal, Paris, 1889; I Congresso da União Internacional de Direito Penal, 1889 - a
colaboração entre penalistas, juristas e os positivistas seria mais estreita. Nestes três
congressos confirmou-seo “tom paternalista e autoritário no qual predomina a necessidade
da disciplina e a obediência como elementos decisivos para a possível regeneração do
delinqüente” (OLMO, 2004. p.87).
O balanço das resoluções dos primeiros congressos penitenciários, assim como dos de
Direito Penal e de Antropologia Criminal, permitiu a Olmo verificar mudanças progressivas
na forma de enfrentar o delito. Segundo esta autora, esses congressos tematizavam sobre:
estado perigoso, sentença indeterminada, liberdade condicional, medidas de segurança,
individualização da pena e tratamento individual do delinqüente, oposição às penas curtas,
utilização da pena de multa e sistema de liberdade vigiada (probation), para alguns casos,
como alternativas à prisão (OLMO, 2004. p.107).
Mas, mesmo considerando as críticas e oposições aos pensamentos de Lombroso,
Garofalo e Ferri, no final do século XIX e início do XX, a figura do criminoso nato e
constitucional dominou os estudos de Criminologia, progressivamente substituindo a
predominância da constituição biológica (constituições genéticas e hereditárias) em favor
de uma natureza moral (nascer degenerado ou normal), psicológica (as maneiras da pessoa
reagir psicologicamente à vida seriam inatas, absolutas e invariáveis) e até social
(reconhecendo circunstâncias sociais que empurravam invariavelmente a pessoa para o
crime). De 1890 a 1920, os estigmas anatomofisiológicos indicadores da criminalidade nata
67
foram perdendo seu valor diagnóstico, frente à valorização crescente dos chamados
estigmas psicológicos, como o orgulho e a insensibilidade moral. Concluindo assim a
inversão, do perverso constitucional para o sociopata ou psicopata (RAUTER, 2003. p.35-
36).
De qualquer forma, o século XX foi herdeiro de uma concepção onde os criminosos
eram encarados como vítimas de alguma circunstância (interna ou externa), que eximia a
responsabilidade plena por seu ato, como se, por sua constituição, fosse ela biológica,
moral, ou psicológica, ou ainda pelas adversidades sociais e culturais, ou, simplesmente
pelo modismo67, não lhe restasse outra opção senão o crime.
Na América Latina, nesta primeira etapa, predominou o que Olmo definiu como
“ideologia da diferença” (OLMO, 2004. p.78), sobre a qual se baseou a definição de
anormalidade originária que determinou a estrutura da personalidade dos indivíduos.
Atentando a situação do continente americano, os Estados Unidos atribuiu-se a função de
poder de polícia internacional. Com a função de segurança do hemisfério, cunhou o
vocábulo “pan-americanismo”. Com este termo, criado a partir da I Conferência
Internacional Americana, reunida em Washington em 1889, a “Doutrina Monroe” se
diluiria, embora continuasse sendo o determinante ideológico. Essas conferências
continuaram a realizar-se até a criação da Organização dos Estados Americanos.68
O I Congresso Científico Pan-Americano, incluiu em sua agenda o problema do
delito para debater o tema dos menores delinqüentes, das lesões corporais, recomendando
levar em conta a temibilidade (isto é, a periculosidade) do sujeito para sua classificação, e
falando da necessidade de reformar, quando fosse necessária, a legislação penal dos países.
O tema do delito voltou a ser discutido no III Congresso Científico Pan-Americano, Lima,
1924. Em outras reuniões continentais também se discutiu o problema do delito; por
exemplo, as conferências pan-americanas de Eugenia, os congressos médico latinoamericanos
que até 1930 foram sete, e os congressos internacionais femininos, para
mencionar apenas alguns. Outro exemplo foi a Conferência Internacional-Sul Americana
67 Os meios de comunicação foram vistos por alguns pesquisadores do período como sendo influenciador
direto das más condutas, sobretudo a imprensa escrita, o cinema e rádio. Ver por exemplo: FERREIRA,
Otacílio. “A sugestão e o contágio criminal pelo cinema e pela imprensa – reprodução gráfica do crime –
influência da imitação”. In: Revista de Direito Penal, RJ, nº 25, I, 291-308, jan. 1939.
68 A 2ª Conferência se reuniria no México, em 1902; a 3ª no Rio de Janeiro em 1906; a 4ª em Buenos Aires
em 1910; a 5ª em Santiago em 1923; a 6ª em Havana em 1928; a 7ª em Montevidéu em 1933; a 8ª em Lima
em 1938, e a 9ª em Bogotá em 1948, quando nasce a OEA.
68
de Polícia, Buenos Aires, 1920, que se dedicou especificamente ao tema do delito, com a
“finalidade de acordar procedimentos que sirvam para a defesa social e como um meio de
estreitar ainda mais os vínculos entre as respectivas polícias” (OLMO, 2004. p.111).
O I Congresso Latino-Americano de Criminologia69, em julho de 1938, Buenos
Aires70, convocado para o mesmo ano do Congresso Internacional, foi realizado três meses
antes, com a finalidade de discutir em nível continental os mesmos temas que haviam sido
programados para o Congresso Internacional de Roma, já anteriormente definidos em
Paris, “porque considerava-se que eram os pilares mais importantes da nova orientação
criminológica” (apud: OLMO, 2004. p.199).71 Todavia, atribuiu-se em Buenos Aires maior
ênfase no problema da periculosidade, porque era necessário então difundi-la na América
Latina, como explicação para ao problema do delito. Participaram dele mais de 600
delegados latino-americanos72 (OLMO, 2004. p. 198-200).
Um dos pontos centrais da discussão foi o problema do estado perigoso e a
necessidade de se estabelecer o índice médico-psicológico para esclarecer e explicar os
índices legais. Já estava difundindo a ideologia do delinqüente como anormal, que seria
reforçada em congressos posteriores. Da mesma forma, estava-se preparando o caminho
para se propor a necessidade do estabelecimento das medidas de segurança.
69 O número total de participantes dos dois primeiros congressos latino-americanos de Criminologia, foi de
730 no de 1938 e no de 1941 um total 222 delegados. Provavelmente esta queda no número de participantes
está relacionada com o fato deste último ter sido realizado durante a Segunda Guerra Mundial, participando
apenas catorze países.
70 Até este período já haviam sido realizados em âmbito nacional o I Congresso Penitenciário Nacional, na
Argentina, em 1914; a I Conferência para Organizar o Patronato de Liberados, em 1922, também na
Argentina; o I Congresso Criminológico e Penitenciário, em 1923, e o I Congresso Penitenciário de 1932,
ambos no México; a I Conferência Penal e Penitenciária Brasileira de 1930, e a I Conferência de
Criminologia, em 1936, no Brasil (OLMO, 2004. p. 197-198).
71 ENDARA, Julio. “I Congresso latino-Americano de Criminologia” . In: Archivos de Criminologia,
Neuropsiquiatria e Disciplinas Conexas, vol. II nº 3, julho-setembro de 1938, p. 265.
72 Deve ser destacado que tal como a Federação Internacional de Advogados criada, 1940, o I Congresso
Indigenista Interamericano, realizado no México neste mesmo ano, discutiram o tema da legislação especial
repressiva para delinqüentes da raça indígena. Neste congresso aprovaram-se resoluções sobre: a reeducação
dos indígenas, a formação do juiz e a inclusão da cátedra de Medicina Legal no pensum das escolas de
Direito, a periculosidade e a necessidade dos índices médico-psicológicos, a prescrição da analogia, dos
delitos contra os direitos intelectuais, os registros de delinqüentes e a estatística criminal, as doenças venéreas,
a identificação datiloscópica, a psicopatia, a necessidade de uniformizar as denominações existentes em
matéria penal, o número de antecedentes judiciais, a difusão de obras de Criminologia, a arquitetura
penitenciária, a criação da União Americana de Criminologia, a adoção no âmbito continental da “História de
la clínica criminológica” de Osvaldo Loudet e a criação de uma oficina internacional de polícia na América
Latina.
69
Em 1934, Novelli, di Túlio e Alfredo Rocco (autor do código Penal de Mussolini),
fundaram em Roma a Sociedade de Antropologia e Psicologia Criminal, no mesmo ano foi
fundada, em Paris, a Federação Internacional de Criminologia. Os congressos de
Antropologia Criminal não tornaram a se realizar até que a Sociedade Internacional de
Criminologia73, em 1938, promoveu o I Congresso de Criminologia, em Roma.74
A concentração de esforços, na procura de índices capazes de identificar
características de riscos ou fatores desencadeantes do crime, fez da Criminologia Clínica,
um ramo científico alicerçado, na década de 1940, nos conceitos indissociáveis de
periculosidade e de personalidade criminosa.75
No plano internacional, quatro organizações não-governamentais fundamentaram as
discussões criminológicas na década de 1940: a Sociedade Internacional de Criminologia,
fundada em 1937, a Sociedade Internacional de Defesa Social76, fundada em 1945, a
Associação Internacional de Direito Penal77, e a Fundação Internacional Penal e
Penintenciária78.
73 A proposta de criação desta sociedade foi feita pelos italianos no Congresso Internacional de Medicina
Legal, Lille, França 1934, em resposta ao Congresso Biológico Criminal de Hamburgo, de 1933.
74 I Congresso Internacional de Criminologia, Roma, 1938.
II Congresso Internacional de Criminologia, Paris, 1950.
III Congresso Internacional de Criminologia, Londres, 1955.
75 Embora não desenvolvam este assunto RAUTER (2003), OLMO (2004) e SOARES (2003), este último não
de forma direta, fizeram esta constatação.
76 I Congresso de Defesa Social, San Remo, 1947.
II Congresso de Defesa Social, Liège, 1949.
77 I Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, Bruxelas, 1926.*
II Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, Bucareste, 1929.
III Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, Palermo, 1932.
IV Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, Paris, 1937.
V Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, Genebra, 1947.
*congresso realizado, segundo Olmo, com bases análogas às da União.
Esta associação foi criada depois da Primeira Guerra Mundial para continuar o trabalho da União
Internacional do Direito Penal. A Associação criou a Revista Internacional de Direito Penal; promoveu
conferencias (Varsóvia, 1927; Roma, 1928; Bruxelas, 1930), criou um Instituto; criou uma Junta Internacional
para Unificação do Direito Penal; tinha como objetivo internacionalizar “normas universais” para combater o
problema do delito.
78 I Congresso Penal e Penitenciário Internacional, 1875.
II Congresso Penal e Penitenciário Internacional, 1880.
III Congresso Penal e Penitenciário Internacional, 1885.
IV Congresso Penal e Penitenciário Internacional, São Petersburgo, 1890.
V Congresso Penal e Penitenciário Internacional, Paris, 1895.
VI Congresso Penal e Penitenciário Internacional, 1900.
VII Congresso Penal e Penitenciário Internacional, Budapeste, 1905.
VIII Congresso Penal e Penitenciário Internacional, Washington, 1910.*
IX Congresso Penal e Penitenciário Internacional, Londres, 1925.**
70
Após a interrupção dada pela Segunda Guerra Mundial, voltaram a se reunir os
congressos internacionais. A exigência do pós-guerra foi a defesa social e o indivíduo
delinqüente. Em 1947, voltam a entrar em cena as organizações internacionais preocupadas,
como sempre, em manter a ordem social, mas agora com uma perspectiva distinta, em
conseqüência da nova ordem mundial do pós-guerra.
Neste período de pós guerra, a organização que mais estabeleceu vínculos com o
Brasil foi a Sociedade Internacional de Defesa Social, dirigida por Filippo Gramática. Esta
sociedade tinha um programa de estudo da personalidade do delinqüente e da adequação
das medidas educativo-curativas em substituição à pena. Seu lema era: “já não uma pena
para cada delito, mas uma medida para cada pessoa” (OLMO, 2004. p.118). Em 1948
estabeleceu-se como uma seção de Defesa Social das Nações Unidas, tendo como objeto a
prevenção do delito e o tratamento dos delinqüentes. De acordo com Olmo, o Movimento
de Defesa Social se enraizou entre 1945 e 1949. Em 1949, quando do II Congresso, em
Liège, criou-se a Sociedade Internacional de Defesa Social e promoveu-se uma nova
organização do Instituto de Defesa Social, que já contava com representação de 26 países –
Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Cuba, México e Uruguai, entre os Latino-
Americanos. O conselho de Direção era encabeçado por Filippo Gramática, que seria, por
sua vez, presidente do Comitê Executivo.79
Era o momento para se falar, também na América Latina, em termos de “defesa
social”, conceito que se incorporou à linguagem criminológica de maneira direta com o
pós-guerra. Foi a partir deste congresso que se evidenciou a participação direta dos Estados
Unidos nas reuniões criminológicas, e seus esforços em coordenar uma política continental,
o que foi facilitado pela acolhida que receberam por parte dos especialistas latino-
X Congresso Penal e Penitenciário Internacional, Praga, 1930
XI Congresso Penal e Penitenciário Internacional, Berlim, 1935
XII Congresso Penal e Penitenciário Internacional, Haia, 1950. [Quando a ONU absorveu as atividades
desta organização.]
*Último antes da Primeira Guerra Mundial; segundo Olmo: “A Primeira Guerra Mundial interrompeu a
organização periódica dos congressos internacionais” (2004. p.109).
**Consagrou definitivamente o princípio da individualização da pena no Direito Penal, destacando a
personalidade do delinqüente (Olmo, 2004. p.112).
79 Segundo OLMO (2004. p. 120-121), foram incluídos nesse conselho dois latino-amerticanos: José Augustín
Martinez, então ministro da Justiça de Cuba, e Jesús Maria Pérez Machado, diretor geral do Ministério da
Justiça da Venezuela. Etinenne de Greef, Brock Chrisholm, Thorsten Sellin e os latino-americanos Roberto
Lyra (do Rio de Janeiro), Carlos Fontan Balestra (de Buenos Aires) e Carlos Salvagno Campos (de
Montevidéu) foram nomeados para o Conselho Honorário.
71
americanos. Este fato pode ser constatado mais claramente nos acordos, resoluções e
recomendações do congresso.
Foram celebrados quatro congressos latino-americanos de Criminologia, entre 1938 e
1947, em que se destacaram as recomendações para fomentar a colaboração continental em
todos os aspectos do controle do delito – sempre incorporando os Estados Unidos com sua
tão exaltada assistência e eficácia técnica (OLMO, 2004. p.217).
A tendência predominante na década de 1940 foi a de dirigir a atenção para o
indivíduo delinqüente, mais especialmente para sua mente e sua conduta, por considerá-lo
uma pessoa anormal. Então, a solução para o problema delitivo, foi procurada no próprio
indivíduo, com a recomendação de impor-lhe – se possível – a sentença indeterminada, ou
senão uma medida de segurança. Daí a insistência em observá-lo, em fazer seu exame
médico-psicológico e social e, conseqüentemente, definir o tratamento para ressocializá-lo.
Desenvolveu-se toda uma concepção na qual o fenômeno delitivo por si mesmo era o
núcleo da problemática, por cima da sociedade que o produzia e reproduzia (OLMO, 2004.
p.132).
A preocupação em estabelecer normas universais no tratamento do delinqüente se
fez mais evidente após 1945, quando se buscou fornecer instrumentos para a colaboração
entre os diferentes Estados democráticos. Criou-se, com esta finalidade, dois organismos: a
Sociedade Internacional de Defesa Social, que sustentou como princípios fundamentais à
prevenção do delito e o tratamento do delinqüente, e a Seção de Defesa Social das Nações
Unidas, que absorveu as atividades da Comissão Penal e Penitenciária, encarregada até
então da realização dos congressos penitenciários internacionais.
Esse novo Movimento de Defesa Social, mundializado com estes dois organismos,
se encarregou de difundir o conceito de estado perigoso como critério de profilaxia
criminal. Determinando o tipo de tratamento a ser imposto ao delinqüente. Este conceito foi
fundamental, porque a solução do problema do delito estava inculcada no próprio indivíduo
delinqüente. Segundo Hobsbawm, a ascensão capitalista, pós Segunda Guerra, difundiu um
modelo de sociedade ideal, exportável para o resto do mundo; assim, qualquer falha que
surgisse em seu interior devia ser explicada por falhas no indivíduo e conseqüentemente
corrigidas nesse mesmo indivíduo (HOBSBAWM, 1998. p.253-282).
72
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o panorama criminológico se transformou. A
América Latina não ficou excluída desta situação. O importante então seria a nova doutrina
da defesa social, cujo fim é proteger a sociedade contra os delinqüentes, mas ao mesmo
tempo proteger o indivíduo do perigo de cair ou recair na delinqüência.
Mas, pouco a pouco, a contribuição norte-americana seria direcionada para um
aspecto particular: o controle direto e eficaz do delito. Os Estados Unidos, com sua tradição
pragmática, se encarregariam do técnico, do prático; isto é, de organizar os corpos policiais
do hemisfério. A justiça, todavia, ainda continuaria seguindo os cânones europeus.80
Em 1947, os brasileiros convocariam um congresso, respaldado por Osvaldo Loudet,
em nome da Sociedade Argentina de Criminologia, que denominariam I Conferência Pan-
Americana de Criminologia81. Seu secretário geral foi o médico-legista Leonídio Ribeiro, a
quem a Sociedade Argentina de Criminologia encomendou a direção e organização dos
trabalhos preliminares da conferência.82 Leonídio Ribeiro e Osvaldo Loudet – ambos
médicos- legistas – promoveram esta reunião, considerada uma no va etapa, diferente de
tudo já realizado antes,83 como afirmou Benigno di Tullio – que participou da conferência –
“sempre sob a influência do movimento criminológico internacional que há mais de dez
anos apóia e representa especialmente a Sociedade Internacional de Criminologia”.84 A
conferência foi patrocinada pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (a
seção da brasileira da Unesco) e financiada pela Companhia de Seguros Sul América, da
qual Ribeiro era um dos altos executivos no Brasil.85
Foram proferidas cinco conferências e apresentadas quinze comunicações, onde se
concluiu que o delinqüente é um psicopata, ou atua em estado psicopatológico; portanto, é
80 É importante destacar a presença de especialistas norte-americanos na América Latina no início da década
de 50, para estudar o estado de nossas prisões e propor recomendações, como por exemplo, Frank Loveland e
Negley K. Teeters, este último autor de “Penalogía sulamericana em 1951”.
81 Deve ser mencionada a realização, em Santiago do Chile, em 1944, do I Congresso Pan-Americano de
Criminalística, por seus vínculos com o desenvolvimento da Criminologia na América Latina. Participaram
delegados da Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Colômbia, México, Paraguai, Peru, República Dominicana,
Uruguai e Venezuela. Sua temática foi fundamentalmente de tipo policial, mas fazia referência específica aos
Institutos de Criminologia. Além disso, participaram como relatores alguns especialistas que estiveram nos
congressos de Criminologia.
82 Participaram da conferência delegados oficiais de doze países.
83 Este objetivo pode ser visto até mesmo no nome do encontro que deveria ter sido o III Congresso Latino-
Americano de Criminologia.
84 Veja Benigno di Tullio. “Primeira Conferencia Panamericana de Criminologia y el desarrollo de la
criminologia em America Latina”, In: Leonídio Ribeiro. Criminologia. Rio de Janeiro, 1957.
85 Entre os temas oficiais do Congresso estava a “Imigração e criminalidade” coordenada por Roberto Lyra.
73
preciso o exame da personalidade no processo penal, realizado por psiquiatras que fariam o
diagnóstico e o prognóstico estimando a personalidade do delinqüente (OLMO, 2004.
p.211-212). Pode-se dizer que a característica comum das conclusões foi a de promover o
exame da personalidade do indivíduo delinqüente mediante a cooperação internaciona l e o
exame técnico: “o delinqüente é um psicopata que precisa ser estudado detidamente para
que se determine seu grau de periculosidade e o tipo de sanção que se lhe deve aplicar:
pena ou medida de segurança” (OLMO, 2004. p.212). Osvaldo Loudet, em seu discurso
inaugural na conferência do Rio afirmou que: “A fórmula de nossa profilaxia imigratória
deve ser esta: nem taras físicas, nem taras mentais, nem taras morais”.86
Segundo Bernaldo de Quirós:
“A julgar pelos assuntos tratados nestes quatro Congressos [Havana, Buenos
Aires, Santiago e Rio de Janeiro] a América entende a criminologia de um modo
distinto da Europa. Esta, em sentido estrito; a América, em sentido mais amplo,
como verdadeira enciclopédia de todas as ciências formadas ao redor do delito
e da pena, como Direito Penal o Penitenciário e o Processo Penal inclusive”. 87
(apud: OLMO, 2004. p.215)
Nestes congressos, os temas eram similares e sempre estavam presentes certos pontos
essenciais. Os delegados, além do mais, eram freqüentemente os mesmos. A conferência do
Rio de Janeiro, em 1947, esteve muito influenciada pela Sociedade Internacional de
Criminologia, ao contar com a presença do secretário geral Benigno di Tullio88, por isto
não se deve estranhar que nos temas das reuniões latino-americanas se falasse da
individualização da pena, do tratamento penitenciário, do estado perigoso, das medidas de
segurança, etc.89 Segundo Olmo, não era difícil incluir estes temas na agenda das reuniões
latino-americanas, porque seus organizadores eram membros das sociedades internacionais
e assíduos participantes de seus congressos. Na América Latina como na Europa, os
mesmos especialistas pertenciam a todas as sociedades internacionais; assim os vemos
86 Anais da Conferência Pan-Americana de Criminologia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948. p.29.
87 QUIRÓS, Constancio Bernaldo de. Criminología (2ª ed.). Puebla: José M’ Cajica, S.A, 1957. p.24.
88 Segundo apreciação de Olmo sobre Benigno di Tullio, a análise detalhada de sua obra define-o como um
modernizador das teorias do criminoso nato de Lombroso, mas ele também foi, em um dado momento, um
defensor do fascismo e, especificamente, da ideologia penal de Mussolini se lembrarmos do I Congresso
Internacional de Criminologia (Roma, 1938) (OLMO, 2004. p.279).
89 Temos de recordar a Doutrina de Truman, e seu tratado de assistência recíproca assinado na conferência do
Rio de Janeiro desse mesmo ano, e mais especificamente a criação, na Conferência Interamericana de
Bogotá, da Organização dos Estados Americanos, em 1948, cuja Carta foi considerada como o “instrumento
de base da solidariedade continental”.
74
participar regularmente de seus diferentes congressos. A autora observou que, por exemplo,
se analisarmos as primeiras listas de membros latino-americanos da Associação
Internacional de Direito Penal, veremos que muitos nomes coincidem com o dos membros
da Sociedade Internacional de Criminologia e da Sociedade Internacional de Defesa
Social. Esses mesmos latino-americanos, por sua vez, criaram, em seus respectivos países,
seções nacionais dessas sociedades, especialmente para difundir os temas discutidos nos
congressos internacionais.
O interesse das organizações internacionais pela América Latina se incrementou com
o pós-guerra, quando encontramos duas organizações – recém-criadas – que exerciam
simultaneamente grande influência: a Sociedade Internacional de Defesa Social das Nações
Unidas e Sociedade Internacional de Criminologia. É certo que muitas tentativas de
organização continental nunca puderam ser praticadas, mas foram propostas, aceitas e
aclamadas pelos representantes latino-americanos das ciências penais. É importante
ressaltar o caráter predominantemente político do congresso de Havana, onde se propôs
toda uma série instituições de controle continental do delito.90 Por outro lado, a reunião do
Rio de Janeiro aparece orientada no sentido da Antropologia Criminal italiana, com a
presença ativa de Benigno di Tullio.91
Fechando a década de 1940, o II Congresso Internacional de Criminologia se reuniu
em Paris, 1950, com a presença de numerosos delegados de 46 países. O tema central do
encontro foi “o estudo das causas, terapêutica e prevenção do delito no contexto das
ciências do homem”, enfatizando a busca de uma definição de Criminologia por meio da
determinação de um método.92
Participaram os mais destacados representantes da Criminologia da época. O
congresso foi presidido pelo professor Bonnedieu de Vabres.93 No que se refere à América
Latina, o penalista cubano José Agustín Martinez foi designado vice-presidente da
90 Este fato não é surpreendente se nos aprofundarmos na história de Cuba e na influência norte-americana em
todos os âmbitos de vida daquele país até 1959.
91 Deve-se acrescentar que Di Tullio, ao finalizar a conferência, ministrou um curso de Criminologia em São
Paulo, durante três semanas, para 400 participantes.
92As sessões se dividiram nos seguintes temas: 1° biocriminogênese; 2° psicocriminogênese; 3°
sociocriminogênese; 4° criminogênese; 5° o estado perigoso (OLMO, 2004. p. 122).
93 O mesmo que em 1924 foi um dos principais promotores da criação da Associação Internacional de Direito
Penal.
75
Assembléia Plenária para a Seção de Biocriminogênese; também apresentaram trabalhos no
congresso, delegados da Argentina, Brasil, México, Uruguai e Vene zuela.94
Chama atenção a numerosa participação de latino-americanos na reunião de Paris. No
XII Congresso Penal e Penintenciário, reunido naquele mesmo ano, somente havia
representação da Argentina, e do II Congresso de Defesa Social (Liège, 1949) participaram
apenas seis latino-americanos. Por outro lado, o de Criminologia contou com a presença de
mais de 1200 delegados, dos quais 96 eram brasileiros e 51 argentinos. Curiosamente, a
França, país sede, tinha somente 118 delegados (OLMO, 2004.p. 123).
O meu recorte termina justamente na década onde ascendem cinco novas sociedades
não governamentais de importância internacional na pesquisa sobre o delinqüente na
década de 1950: a Associação Internacional de Direito Penal, a Fundação Internacional
Penal e Penitenciária, a Sociedade Internacional de Criminologia e a Sociedade
Internacional de Defesa Social, além da ONU. Estas exerceram uma verdadeira liderança
científica, a elas se filiaram mais claramente as minorias ilustradas da América Latina, no
início da década de 1950 (OLMO, 2004. p.150).
Em suma, no estudo do delito, a atenção esteve voltada fundamentalmente para a
conduta delituosa. O objeto da Criminologia era o indivíduo delinqüente, sobretudo o
delinqüente que estava na prisão, porque se considerou que a delinqüência é o resultado de
alguma falha – biológica ou social - deste indivíduo. Na maioria dos casos concebeu-se o
delinqüente como um psicopata, que precisava ser estudado detalhadamente para
determinar seu grau de periculosidade, e o tipo de sanção que se deveria aplicar a ele seria a
medida de segurança. Predominou as concepções da sociedade dividida em normais (os
que cumprem a lei) e os outros, os anormais porque não acatam as normas da sociedade e
particularmente a lei, o que faz decorrer o conceito do delinqüente como anormal. Em
nenhum momento se pôs em discussão a sociedade nem a forma pela qual ela cria e aplica a
lei.
94 Pelo Brasil apresentaram trabalhos: José F. Capelli (“Classificação dos delinqüentes”); Enrique R. Aftalión
(“Periculosidade e existencialismo”); Elso Arrundi e A. de Oliveira Pereira (“ O psicodiagnóstico miocinético
nos delinqüentes”) (OLMO, 2004. p.123).
76
Capítulo 3: As noções de periculosidade e classificação dos criminosos na
“Revista de Direito Penal” e “Revista Brasileira de
Criminologia”.
Na década de 1940 a Criminologia já havia assegurado para si o status de principal
ciência no auxílio ao Direito Penal. Desde a década anterior, no interior dos debates
criminológicos, o conceito de periculosidade se manteve indissociável ao de personalidade
criminosa, e ambos foram fundamentais para o desenvolvimento da Criminologia Clínica95.
Este campo de pesquisa criminológico concentrou seus esforços na procura de índices
capazes de identificar características e fatores desencadeantes de risco na personalidade
criminosa. Nas disputas travadas na década de 1930, dentro do campo do Direito Penal, que
por sua vez levaram à construção do Código Penal de 1940, a Criminologia Clínica
garantiu para si a exclusividade na avaliação da periculosidade do sujeito e, ainda, em ser a
interlocutora privilegiada no diálogo com juristas em uma eventual argüição do potencial
de socialização de um criminoso (RAUTER, 2003. p.40).96
Afora os próprios membros da Criminologia97 divulgando suas concepções, e os
trabalhos que se propõem a expor a história da Criminologia, ou parte dela,98 são poucos os
estudos que investigam historicamente as noções de periculosidade e a classificação dos
criminosos99. Portanto, este é o tema do presente capítulo que tem por objetivo analisar
estes dois conceitos nos artigos da Revista de Direito Penal e da Revista Brasileira de
Criminologia, que circularam na década de 1940. Duas considerações fazem-se necessárias
para o entendimento deste capítulo: uma sobre o determinismo biológico na Criminologia e
a outra sobre a Criminologia.
95 Ramo da Criminologia que buscava comprovar e aperfeiçoar as teorias criminológicas através de pesquisas
em presídios, delegacias, gabinetes de identificação ou antropométricos. No Brasil, este ramo esteve
diretamente associado a clínica médica.
96 Estes criminólogos, muitas vezes, eram psiquiatras.
97 Sobretudo médicos e/ ou advogados que dedicam partes de suas obras a um apanhado histórico da
Criminologia, como por exemplo: PEIXOTO, 1936; CARVALHO, 1953; RIBEIRO, 1949; RIBEIRO, 1957.
98 Entre outros: SOARES, 1986; DONNICI, 1990; ALVAREZ, 2002; BRITO, 2000.
99 RAUTER, op. cit.; OLMO, op. cit.; BALLONE, 2002; MANITA, 2001; MANITA, 1997.
77
O determinismo biológico na Criminologia como crença que um único fator poderia
irreversivelmente levar o sujeito ao crime100, não existiu desta forma simplista e direta. Até
os radicais opositores de Lombroso – exemplo dado pelos autores da época como sendo o
mais determinista neste ponto -, e seus, admiradores, reconheciam que ele considerava em
suas análises outros fatores que não só o biológico. A crítica era dirigida ao pouco espaço
deixado para os outros elementos que não biológicos, e não para a ausência deles. Este tipo
de determinismo era mostrado como fruto de processos complexos inter-relacionados,
congregando vários fatores, onde o peso maior e, quiçá, irreversível e incontrolável era
dado ao bioló gico (glândulas, conformação cerebral, interações físico-químicas congênitas
e ou hereditárias). Não encontrei um só autor que pregasse a unicausalidade no
determinismo e mesmo este termo era evitado, em favor de predisposição. A predisposição,
nos autores pesquisados, era sinônimo de pluricausalidade, onde os mais radicais
menosprezavam alguns fatores em detrimento de outros.
Não deve haver determinismos. Esta máxima foi saudada no ano de 1940 por
Francisco Campos desta forma:
“A autonomia da vontade humana é um postulado de ordem prática, ao qual é
indiferente a interminável e insolúvel controvérsia metafísica entre o
determinismo e o livre arbítrio. Do ponto de vista ético-social, a autonomia da
vontade humana é um a priori em relação à experiência moral, como o
princípio de causalidade em relação à experiência física. Sem o postulado da
responsabilidade moral, o direito penal deixaria de ser uma disciplina de
caráter ético para tornar-se mero instrumento de utilitarismo social ou de
prepotência do Estado. Rejeitado o pressuposto da vontade livre, o código
penal seria uma congérie de ilogismos. (...) Ao direito penal, como às demais
disciplinas práticas, não interessa a questão, que transcende à experiência
humana, de saber se a vontade é absolutamente livre.” (CAMPOS, 1941. p.07)
De forma literal todos afirmavam a crença na existência desta predisposição inata ou
adquirida nos criminosos, variando explicitamente os fatores preponderantes e o grau de
liberdade dado ao indivíduo - total, parcial (relativo), nenhum. E deste debate surgiram
grupos. A Criminologia enquanto uma instituição uníssona, coerente, uma espécie
100 Há diferença de alcance desta definição de determinismo biológico posta em discussão pela historiografia
do assunto (BRITO, 2000; RAUTER, 2003; ALVAREZ, 2002), com a que afirma que o determinismo
biológico sustenta que as normas comportamentais, as diferenças sociais e econômicas existente entre os
grupos humanos (raça, classe e sexo) derivam de distinções herdadas e inatas, sendo a sociedade um reflexo
exato da biologia (GOULD, 1999. p. 4).
78
autônoma com posicionamento frente as questões candente há época, ou , ao contrário,
como um campo caótico com idéias contraditórias e auto-destrutivas sem coerência alguma,
jamais existiu. A ciência criminológica era um conjunto de grupos dinâmicos em constante
disputa e tal como qualquer outro fenômeno social, estes grupos estavam disponíveis a
novos rearranjos conforme o teor da agenda em disputa.
O Código Penal de 1940
Em 27 de setembro de 1937, Getúlio Vargas (1882-1954), com apoio do general Góis
Monteiro (1889-1956), então Ministro da Guerra, resolveu romper com a ordem
constitucional, sob fundamento de que, assim procedendo, se poria fim à ameaça
comunista, que mesmo após a chamada Intentona Comunista, de 1935, ainda se fazia
presente com o chamado Plano Cohen. Assim feito, a 10 de novembro de 1937, era
outorgada uma Carta Constitucional, a Polaca, chamada assim, por ter adotado como
modelo a Constituição da Polônia. De acordo com Hélio Silva, a constituição brasileira de
1937:
“corresponde à tendência fascizante da época, quando se encontram no auge os
regimes de Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, repercutindo intensamente
em Portugal (Salazar), na Espanha (Franco), na Romênia (Antonescu), na
Hungria (Horthy) e na Polônia (Pilsudzki). Deste modo, a Constituição de 1937
rompeu, no Brasil, com a tradição liberal imperial de 1824 e liberal
republicana de 1891 e 1934”. (SILVA, s/d. p. 90)
De acordo com este mesmo autor, o melhor instrumento para valer à nova ordem foi
indubitavelmente o Direito Penal, que se normatizava ao gosto do opressor (SILVA, s/d. p.
90). Sob ordens do presidente Getúlio Vargas o Projeto do Código Penal foi encomendado
ao jurista paulista Alcântara Machado, que o entregou pronto em 1938.
Neste mesmo ano de 1938, em Roma, então sede da Sociedade Internacional de
Criminologia, deu-se o I Congresso Internacional de Criminologia.101 O congresso contou
com 1.299 participantes de 40 países, com 190 comunicações, com os seguintes temas: a) a
etiologia e diagnóstico da delinqüência de menores e a influência dos resultados dessas
101 Na introdução de sua ata constam da seguinte forma as razões da escolha da cidade como sede: “1º por
sua tradição com a Escola Antropológica; 2º pela polêmica entre Escola Clássica e Escola Positivista dentro
da Itália e as repercussões internacionais dessa polêmica; 3º pela situação especial de nosso país ter
reconhecido a importância do problema penal com o fato único na história a encontrar solução no Programa
do Partido (de Mussolini); e 4º pela publicação e atuação de um novo Código Penal no qual o principio da
individualização encontra total reconhecimento”. In: Atti Del Congresso Internazionale di Criminologia.
(apud: OLMO, 2004. pp.116-117).
79
investigações sobre os sistemas jurídicos; b) estudo da personalidade do delinqüente; c) o
papel do juiz na luta contra a delinqüência e a sua preparação criminológica. Neste
encontro foi discutida a organização do tratamento preventivo do delito nos países ali
representados. Foi enviada a este encontro uma numerosa delegação da América Latina,
com representantes de 14 países, entre os quais as figuras mais destacadas do Direito Penal
e da Medicina Legal. O Brasil foi representado pelos diplomatas Quartim A. de Souza e
Jorge Letour, além dos juristas e médicos, J. Soares de Mello, Mário Bulhões Pedreira,
Tannier de Abreu, Burle de Figueiredo, Augusto de Oliveira Goulart, Flamínio Fávero,
Levi Carneiro, Roberto Lyra, Alcântara Machado, Carlos A. Pacheco e Silva, Afrânio
Peixoto, Leonídio Ribeiro e Hilário Veyga de Carvalho (OLMO, 2004. p.117).
Sob o clima deste Congresso, em dia com as discussões mais avançadas na ciência
criminológica mundial, entre os anos de 1938 e 1940, o Projeto do Código Penal, com 390
artigos, foi submetido à revisão de uma comissão. Sob a presidência do Ministro da Justiça
Francisco Campos, em suas palavras, “o trabalho da revisão do projeto Alcântara
Machado durou justamente dois anos. (...) Da revisão resultou um novo projeto”
(CAMPOS, 1941. p.39). Mas quanto ao primeiro, continua o Ministro, “este constituiu uma
etapa útil e necessária à construção do projeto definitivo” (CAMPOS, 1941. p.40).
Participaram desta revisão o Ministro A. J. da Costa e Silva, Dr. Vieira Braga, Dr. Nelson
Hungria, Dr. Roberto Lyra e Dr. Narcélio de Queiroz, além do Dr. Abgar Renault, “que
prestou serviços na redação final do projeto” (CAMPOS, 1941. p.40). O Código foi
recebido como mais um marco na história nacional que a posteridade saudaria, e se
rejubilaria, como obra do visionário presidente Vargas: “o governo Vargas que tem sido um
governo de unificação nacional, à obra de unidade política e cultural do Brasil”
(CAMPOS, 1941. p.40).
O Código foi baixado com o Decreto 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e entrou em
vigor em 1º de janeiro de 1942, acompanhado de uma “Exposição de Motivos”, escrita pelo
Ministro. 102
102 Caberia um estudo aprofundado sobre as disputas que antecederam, envolveram e sucederam o Código,
pois, não há nenhum estudo sobre este assunto de forma aprofundada, e ao fazer esta pesquisa fui deparando
com combates fortes sobre vários pontos nele presente. Estas disputas iam desde a necessidade de filiar o
Código de forma mais clara a uma determinada corrente de pensamento, até a atribuição de ingratidões sobre
o trabalho inicial do Código, passando por disputas pessoais e institucionais.
80
Considerado eclético, pelo próprio autor, Francisco Campos, o Código não deixava
nada a dever a outros, no que diz respeito às inovações jurídico-científicas e no que diz
respeito aos sólidos princípios clássicos. Nas palavras do Ministro:
“Coincidindo com quase totalidade das codificações modernas, o projeto não
reza em cartilhas ortodoxas, nem assume compromissos irretratáveis ou
incondicionais com qualquer das escolas ou das correntes doutrinárias que se
disputam o acerto na solução dos problemas penais. Ao invés de adotar uma
política extremada em matéria penal, inclina-se para uma política de transação
ou de conciliação. Nele, os postulados clássicos fazem causa comum com os
princípios da Escola Positiva”. (CAMPOS, 1941. p.06)
O Código foi traduzido para o francês e espanhol, sendo, por toda década de 1940,
criticado, positiva e negativamente, em periódicos, congressos e encontros, não só de
Criminologia e Direito Penal, mas também de Medicina Legal, Psiquiatria e até Sífilis. O
Novo Código foi, em suma, objeto privilegiado de análises do período, não apenas por ser
uma novidade no Brasil não vista desde 1890, mas, principalmente, por ter sido guiado
pelas idéias da sentença indeterminada, das medidas de seguranças (postas em prática pela
primeira vez no Código italiano, chamado “Código Rocco”), e pela primeira vez em prática
fora da Europa (OLMO, 2004. p.118).
Cabe aqui uma observação, segundo Rauter (2003) o Código Penal de 1940 foi
conseqüência de um intenso debate da década de 1930 entre os profissionais interessados
na temática criminal, principalmente: juristas, criminólogos e psiquiatras. Dentro deste
debate uma determinada orientação sobre crime foi adotada para confecção do Código. Em
toda a década de 1940, houve críticas positivas e negativas a esta opção, servindo o Código
como referência central nas discussões sobre criminalidade. Este fato me levou a utilizá-lo
em minha pesquisa, muitas vezes confrontando-o com os artigos e temas da Revista.
A Revista de Direito Penal
As discussões trazidas pelo Código de 1940 foram transcritas nas páginas da Revista
de Direito Penal e na Revista Brasileira de Criminologia por toda a década de 1940. A
primeira Revista103, criada em 1933, manteve sua denominação até 1947, quando foi
103 A Sociedade Barsileira de Criminologia teve como órgãos de divulgação oficial: 1) o Boletim da
Sociedade Brasileira de Criminologia (1931-1932); 2) Revista de Direito Penal (1933-1946); 3) Revista
Brasileira de Criminologia (1947-1953); 4) Revista Brasileira de Criminologia, Direito Penal e Medicina
Legal (1959-1970). Em paralelo a este periódico multi-denominado, foi publicado, em 1935, o Boletim do
81
substituída por Revista Brasileira de Criminologia, que por sua vez durou até 1953 com
esta denominação.104 Esta revista era o órgão oficial de divulgação da Sociedade Brasileira
de Criminologia105, fundada no Rio de Janeiro, em 19 de maio de 1931, por um grupo de
juristas, entre os quais figuravam Roberto Lyra, Nelson Hungria e Alcântara Machado. Esta
Sociedade, uma das mais longas Sociedades do gênero (OLMO, 2004. p. 187-188),
considerada “a mais alta e representativa associação da espécie no Brasil”106, foi
composta por advogados, médicos, policiais e políticos, que ao freqüentarem e
contribuírem com este campo cultural-científico recebiam o título de criminólogos.
A periodicidade da Revista variou entre mensal, trimestral e semestral. Em suas
páginas, profissionais das áreas de Psicologia, Psiquiatria, Biologia e Medicina, ou ainda,
juristas, policiais e políticos, contribuíram em discussões sobre Biotipologia,
Antropometria e Endocrinologia, na primeira metade da década. Na segunda metade da
década, quando o primeiro grupo de profissionais começaram sensivelmente a se ausentar
das páginas da Revista, mantiveram-se as temáticas iniciais de discussão. A partir de 1947,
textos originais de biólogos, médicos ou psiquiatras não se fizeram mais presentes, salvo as
exceções de raras e peque nas notas, a revista tomou um cunho mais claramente jurídico.
Estas notas, muitas vezes ditas em obras já há muito publicadas, vinham à publicação pôr
seleção de Roberto Lyra para elucidar pontos no momento em debate, voltarei mais à frente
neste aspecto. Creio eu que, para tentar suprir o vazio deixado pelos profissionais ligados à
Medicina, a Revista optou por reedições de artigos, teses e livros que compõem os maiores
e aprofundados escritos do período (como por exemplo, os textos de: Teixeira Brandão,
Departamento Universitário da Sociedade Brasileira de Criminologia, e, em 1970, a “revista-livro” Sociologia
Criminal, além do semestrário Criminologia - Brasil.
104 Fui levado a acreditar que entre 1944 e 1946 a Revista não teve publicações, embora, provavelmente,
pudesse estar havendo os encontros da Sociedade Brasileira de Criminologia, a qual ela era o órgão oficial de
divulgação, pois nas diversas bibliotecas pesquisadas (Faculdade de Direito e Medicina da UERJ, UFF,
UFRJ, UNIRIO; BN, biblioteca do STJ, AIB, ANM, CMF-UFF) não encontrei referências a estes respectivos
volumes. Mas também não encontrei, nem mesmo no último volume de 1943, ou primeiro de 1947, qualquer
nota explicativa.
105 Que teve por fim declarado em sua fundação: a) o ensino de pós-graduação e para a formação de
criminólogos; b) a pesquisa científica e humanística; c) a divulgação cultural; d) a assistência técnica; e)
entendimentos com organizações públicas ou privadas; f) premiar, reconhecer e realizar os “trabalhos ou
serviços referentes à prevenção e à repressão da criminalidade”; g) criar e atualizar o “registro dos
criminólogos brasileiros”, de acordo com o histórico feito por Roberto Lyra. In: LYRA, Roberto.
“Apresentação”. Revista Brasileira de Criminologia, Direito Penal e Medicina Legal. RJ, ano I, vol.2, p. 4-
10, jul.-dez., 1970.
106 De acordo com matéria, não assinada, em homenagem ao então presidente da S. B. C., Roberto Lyra, esta
frase consta no: Diário do Congresso Nacional, seção II, 4-5, 1954, p. 860.
82
1918; Pedro Lessa, 1907; Ruy Barbosa, 1905, 1907; Tobias Barreto, 1886; Juliano Moreira;
Clóvis Beviláqua; e Afrânio Peixoto), além de traduções (como os textos de Enrico Ferri e
Negley K. Teeters) e os números especiais, que eram compostos por obras ou trechos
selecionados de um só autor (como os de Roberto Lyra, Ruy Barbosa e Silvio Romero).
Entre os anos de 1947 e 1950, Roberto Lyra acumulou a presidência da Revista e da
Sociedade, além de ganhar uma seção sobre seus atos, escritos e correspondências. Nesta
seção, voltada para correspondências, podemos acompanhar o seu intenso contato
internacional, contando com cartas recebidas e enviadas para Benigno Di Tullio (da Società
Internazionale di Criminologia, e, também, do Instituto di Antropologia Criminale della
Universitá di Roma), Pierre Bouzat (da Associação Internacional de Direito Penal), J.
Pinatel (da Société Internationale de Criminologie) e Filippo Gramattica (do Conselho
Internacional da Sociedade Internacional de Defesa Social) - nesta última destaca-se o
convite a Roberto Lyra para participar do seleto conselho honorário da Sociedade. Os
artigos publicados neste período assumem um formato menor do que os do período,
anterior, com a conseqüente superficialidade no trato dos assuntos. Uma outra novidade do
período é a presença de biografias e homenagens a criminólogos, que, segundo o conselho
editorial teriam se destacado por contribuições ao campo da Criminologia no decorrer de
sua história, figuram lá: Lombroso, Ferri, Tarde, Florian, Silvio Romero, Ruy Barbosa,
Bernardo Pereira Vasconcelos, Magalhães Drumond e Birkmeyer.
A Revista foi um campo onde diversos pesquisadores travaram disputas intelectuais,
políticas, científicas e jurídicas. As temáticas destas disputas foram variadas, desde
tentativas de impor conceitos técnicos filiados a alguma corrente de pensamento como
sendo a forma mais adequada de tratar o criminoso e o crime, até a formação de identidade
de grupos a partir de memórias e homenagens póstumas. No entanto, no decorrer da década
de 1940 havia um consenso: o criminoso era portador de uma “predisposição” orgânica,
mas, aí também residia intensos debates. Se havia consenso na “predisposição”, não havia
em como ela se dava: era congênita (conatural)?, era hereditária (tanto os caracteres físicos
como, e principalmente, os morais aos descendentes)?, qual a influência do meio geosocial?,
como se dava?, qual o espaço do livre-arbítrio?
Os anos de 1940, foram palco das disputas sobre a possibilidade de diálogo entre o
Direito Penal e outras disciplinas ou saberes (Sociologia, Biotipologia, Psiquiatria), mas,
83
independente desta disputa, havia no interior da Revista uma aceitação unânime da
evidência da influência orgânica sobre o crime, advindo desta assertiva uma outra
concorrência: como se dá, e qual é a intensidade desta influência?
Diálogo aberto com disciplinas auxiliares: dois pontos de vista
Tratarei agora de uma das disputas que foram travadas no interior da Revista, muitas
vezes ultrapassando-a, entre dois importantes juristas, sobre os limites do Direito Penal
brasileiro. Este meu recorte tem o propósito de primeiro, ilustrar uma das diversas disputas
travadas na Revista, com objetivo de mostrar que havia concorrência nas idéias e nos
projetos de intervenção social e; segundo, de ilustrar que desta concorrência dois grupos
distintos se formaram na década de 1930: de um lado juristas fechados ao diálogo com
outras disciplinas, e de outro criminólogos à favor de um diálogo amplo para a
compreensão do criminoso.Este último terá uma subdivisão que será tratada mais a frente.
Além de juristas, Roberto de Lyra Tavares (1902-1982) e Nelson Hungria Hoffbauer
(1891-1969)107 foram magistrados e professores e participaram na reforma da legislação
penal brasileira de 1940. Sobre esta reforma, de acordo com nota na Revista de Direito
Penal:
“A comissão revisora foi escolhida a dedo, como se diz comumente. A larga
visão do juiz Nelson Hungria se completa com a argúcia jurídica do dr. Roberto
Lyra, e ambos encontram firmeza nas ponderações do não menos ilustre
magistrado que é o dr. Narcelio de Queiroz. Moços, inteligentes, cultos na sua
especialidade, tudo farão para re-elaborar um bom Código, a altura das
necessidades nossas”.108
Hungria foi ministro, desembargador e juiz. Lyra foi promotor público, juiz e
professor. Exerceram atividade de jornalista. Tiveram uma relação próxima com a polícia:
Hungria chegou a ser delegado de polícia, na década de 1920, Lyra foi professor da Escola
de Polícia, estas atividade explicam, em parte, a preocupação de ambos com a aplicação do
pensamento jurídico-penal com a prática policial. A dupla apresentou importante produção
teórica, que antecedeu e ultrapassou os limites da década de 1940, e que envolveu livros,
artigos e palestras (SERRA, 1996. p.260). Dentro das estratégia s possíveis no campo do
Direito Penal, as de ambos podem ser caracterizadas pelo que Bourdieu classifica como
107 Para escrita deste trecho da dissertação utilizei-me das pesquisas, principalmente de: SERRA, 1996;
SERRA, 1997; além de: ARAÚJO JÚNIOR, 1980; ARAÚJO JÚNIOR, 1979; ALEGRIA, 1984.
108 “Código Penal Brasileiro”. Revista de Direito Penal. RJ, vol. XV, ano VII, fasc. II e III, pp.161-162, mai.-
jun., 1939. p.162.
84
“estratégia de sucessão”, aquela que tem como objetivo “ao término de uma carreira
previsível, os lucros prometidos aos que realizam o ideal oficial da excelência científica
pelo preço de inovações circunscritas aos limites autorizados” (BOURDIEU,1983. p. 138).
Mas as coincidências param aí.
Há divergências teóricas, políticas e estilística (SERRA, 1996. p.259). Considerando,
como em qualquer biografia, a existência de impasses, ambigüidades e contradições (LEVI,
1996), mostrarei como ambos utilizaram de artifícios políticos e capitanearam grupos
dentro da Sociedade Brasileira de Criminologia, com discursos pró ou contra a
medicalização do Direito Penal.
Hungria mantinha a sua preocupação voltada para a norma (SERRA, 1996. p.260),
era, como ele próprio se intitulava, um “penalista”, “inscrevendo-se na ‘escola técnicojurídica’”.
109 Lyra era um admirador confesso da Sociologia, e se intitulava “criminólogo”.
Este último, se dizia socialista e humanista, em uma combinação seletiva de teorias –
positivismo, racionalismo e cristianismo – de acordo com Costa (1962), seu socialismo era
de caráter sentimental que não se vinculava com nenhum sistema filosófico.
Minha intenção nesta parte do trabalho é mais “estranhar”110 as categorias por eles
auto-atribuídas, do que aceitá- las como absolutas. Tentarei mostrar em que consiste ser um
“penalista” ou um “criminólogo” para ambos, na década de 1940. Em seguida, pontuarei
outros tópicos discordante entre estas figuras, além de mapear - aceitações, negações e
contribuições - dos grupos que circundaram em torno de cada um e compuseram este
“campo científico”.
Nelson Hungria fez uma crítica enfática à Sociologia, à Antropolo gia, à Biologia e à
Psicanálise, para defender assim o Direito penal “puro”, ou seja, isolado de qualquer outra
disciplina. Para Hungria, a grande inovação do Código Penal de 1940 diz respeito a
classificação dos criminosos. O Código tem como traço mais marcante justamente a
ausência “de adotar qualquer classificação de criminosos, [pois] (...) na atualidade
[qualquer classificação de criminosos], sob feição científica, é prematura. As que
109 HUNGRIA, Nelson. “Deformação do Direito Penal”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano II, nº 5,
III, p.38-55, out.-dez., 1948. p. 41.
110 MATTA, Roberto da. “O oficio de etnólogo, ou como ter ‘anthropological blues’”. In.: NUNES, Edson de
Oliveira (org.). A aventura sociológica: objetividade, paixão, improviso e método na pesquisa social. RJ:
Zahar. 1989. pp23-35. p.28.
85
conhecemos são generalizações, sínteses sem o apoio da realidade cambiante e movediça”
(apud. SERRA, 1996. p.260).111
Hungria faz uma crítica contundente à Antropologia Criminal, nas figuras de Ferri e
Lombroso. Para ele, esta disciplina “não nos [levou] a colher o mecanismo do crime”, pelo
contrário, somente analisaram alguns correlativos, isto é, os “fornecidos pela anatomia
normal, pela patologia, pela morfologia constitucional, pelo estudo do ambiente social.
Mas 80% dos casos ficaram por explicar” (apud. SERRA, 1996. p.261).112 Para o autor, as
doutrinas antropológicas ou bio-psicológicas precisam rever os seus postulados posto que
partiram de “premissas falsas e não encontram firme ponto de apoio” (apud. SERRA,
1996. p.260).113 Parece-me que o desejo de Hungria para que o Direito Penal fique isolado
destas disciplinas, encontra um respaldo teórico na sua crítica ao determinismo biopsicológico.
Neste termos, Hungria sustenta seu Direito Penal puro: “vá que os
antropólogos e sociólogos continuem a formular hipóteses e conjecturas sobre a gênese da
delinqüência, mas, antes de lograrem a compreensão real de suas teorias, deixem em paz o
Direito Penal legislado, que não pode fazer obra com ciências improvisadas ou semiciências”
(apud. SERRA, 1996. p.261).114
O pano de fundo da concepção teórica de Hungria na sua crítica ao patologismo, ao
determinismo bio-psicológico, ao lombrosianismo, é a sua luta para que o Direito Penal
“fique em paz”, isto é, isolado (apud. SERRA, 1996. p.260).
Hungria deixa claro que “o autêntico Direito Penal” só pelo jurista deve ser estudado:
não é o tema próprio do sociólogo. Enquanto este visa “penetrar a essência dos fenômenos
sociais, aquele cuida de analisar e sistematizar os critérios fundamentais fixados, explícita
ou implicitamente, no complexo das leis” (apud. SERRA, 1996. p.262).115 Segundo
Hungria, não há Direito Penal “vagando fora das leis, toda ciência jurídica exige o método
lógico formal”, Hungria defende ser o Direito Penal um saber “técnico”, destacando assim
111 HUNGRIA, Nélson. “A propósito do Novo Código Penal”. Revista A época, RJ, vol VI, ano 8, nº, pp. 16-
32, 1942. p. 18.
112 HUNGRIA, Idem. 1942. p. 19.
113 HUNGRIA, Idem. 1942. p. 22.
114 HUNGRIA, Idem. 1942. p. 21.
115 HUNGRIA, Nelson. Questões Jurídico-Penais. RJ: Livraria Jacintho, 1940. p. 51.
86
“a superior atividade sistematizadora do Direito Penal” (apud. SERRA, 1996. p.262).116
Trata-se da estrutura punitiva baseada no livre arbítrio.
O questionamento, e até certo ponto, repúdio ao determinismo biológico orientou em
grande medida a reflexão de Hungria acerca do Direito Penal e sua posição em relação ao
isolamento deste. É no determinismo biológico que o autor localiza a Criminologia.
Hungria concebe o Direito Penal como disciplina jurídica da reação social contra o crime e
a Criminologia como o estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar-lhe a
“etiologia e tentar sua debelação por meios retificativos ou curativos e preventivos ou
profiláticos”.117 Expõe a divergência da seguinte forma, o Direito Penal lida com “fatos
juridicamente tipificados como crimes, enquanto a Criminologia entende com os
pressupostos naturalísticos do crime, seja ele considerado como fenômeno individual ou
como fenômeno de massa” (apud. SERRA, 1996. p.262).118
No entanto, para Roberto Lyra, a Criminologia necessariamente tem que estar
relacionada à Sociologia, pois seus fins são científicos, diferente do Direito Penal que são
normativos. A Criminologia deve orientar tanto a política criminal como a política social, e
ela está dividida em três partes: Sociologia Criminal, Antropologia Criminal e Política
Criminal (apud. SERRA, 1996. p.264).119 Lyra ressalta em seus escritos a importância do
Direito Penal ampliar o seu enfoque e aproximar-se de outros campos.
Em 1940, o autor sublinhou que à luz das conquistas sociológicas, biológicas e
filosóficas do seu tempo, o Direito Penal
“evoluirá sempre, enquanto mantiver a sua emancipação das normas abstratas,
dos esquemas lógicos, das deduções dialéticas, estudando, no criminoso, o
homem, com um único fim – a defesa social, corrigindo e readaptando, não pelo
indivíduo, mas pela coletividade e só abandonando qualquer conclusão anterior
diante de melhores observações e experiências”. (apud. SERRA, 1996.
p.260)120
Lyra é um crítico enfático da abordagem normativa do Direito Penal, e postula que é
na Sociologia, na Biologia, na Antropologia e na Psiquiatria que o Direito Penal tem lugar
116 HUNGRIA, Nelson. “Deformação do Direito Penal”. (op.cit), 1948. p. 48.
117 HUNGRIA, Nelson. “Direito Penal e Criminología”. Revista Brasilera de Criminología, RJ,vol. 36, ano
10, p 115-127. abr-jun, 1943.p 118.
118 HUNGRIA, Nelson. “Direito Penal e Criminología”. op. cit. 1943. p. 119
119 LYRA, Roberto. Criminologia. RJ, Forense, 1964. p.21.
120 LYRA, Roberto. “Escola Penal Brasileira”. Revista Forense, RJ, vol. VIII, ano 4, nº4, p.32-40,jul-set.,
1940.p. 33.
87
“certo e sabido”: “o Direito para os juristas... Sim, mas com os pés na Sociologia e os
braços abertos para tudo e para todos” (apud. SERRA, 1996. p.265).121 A Sociologia,
segundo o autor, “arrancou o Direito Penal do cárcere em que se sacrificaram a sua
liberdade, a sua saúde, a sua honra, se não a sua vida”, acrescentando que ele “estiolavase,
atrofiava-se, asfixiava-se, esterilizava-se na solidão ou em companhias senis e, quando
saía em livramento condicional, era para vagabundar como boêmio, tendo por teto o céu e
o chão por leito, os olhos nas estrelas e os ouvidos nos rumos incontigentes” (apud.
SERRA, 1996. p.265).122 Para Lyra ninguém precisava conhecer mais a Criminologia do
que o jurista, pois é ele “quem processa e julga, quem prende e quem solta, quem defende e
acusa os criminosos, quem elabora, aplica, interpreta e ensina a lei penal” (apud. SERRA,
1996. p.260).123
Há de acordo com as discordâncias expostas acima uma oposição entre a postura
defendida por Lyra e Hungria. A divergênc ia entre os autores não era quanto a eficiência
dos critérios biomédicos de avaliar um criminoso, embora Hungria tenha suas dúvidas
quanto os resultados gerais de algumas pesquisas neste sentido, mas sim quanto ao diálogo
aberto com disciplinas auxiliares. As categorias penalista e criminólogo abrigavam sentidos
antagônicos quanto ao projeto para o Direito Penal, se na década de 1930 o primeiro
conseguiu grupo uma ampla aceitação entre os juristas, o que levou à, por exemplo,
predominância deste sobre aqueles no Código Penal – excluindo, em parte, a participação
dos psiquiatras -, na década de 1940, na Revista, o segundo teve uma ampla aceitação. O
Direito Penal puro, isolado, defendido por Hungria, cuidaria de fatos por ser um saber
técnico, só cabendo aos juristas o seu trato. A normativa jurídica quase é posta em oposição
a Criminologia, que seria um estudo experimental, apenas hipóteses e conjecturas,
considerando que a Criminologia contribuiu pouco para o entendimento do crime e do
criminoso deveria continuar afastado dela. Se esta perspectiva desconstruiu a base do
projeto Alcântara Machado, que três vezes protestou contra isto, entre 1939 e 1941, na
Revista, não conseguiu ampla aceitação na década seguinte.
121 LYRA, Roberto. “Método jurídico e Direito Penal”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano 9, out. /
dez., 1949. p. 29.
122 LYRA, Roberto. “Método jurídico e Direito Penal”. op. cit. 1946. p. 30.
123 LYRA, Roberto. “Criminologia e Direito”. Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano 9, nº 37, p.16-23,
jul-dez., 1955. p. 16.
88
Lyra, que na década de 1940 teve um papel de destaque na Revista, angariando
adeptos as suas concepções, condicionou a evolução do Direito Penal ao diálogo com
outras disciplinas. Embora pregasse a ampliação do enfoque do Direito Penal com a
Sociologia, reconhecia e incentivava o papel da Antropologia Criminal e suas pesquisas
científicas. Durante a sua presidência da Revista e na Sociedade fez, e recebeu, convites à
palestras de profissionais e Associações de Psiquiatras, Endocrinologistas, Biotipologia,
entre outras, e são justamente estes que claramente discutem os conceitos de periculosidade
e classificação dos criminosos. Este grupo pode ser dividido em três, o primeiro são aqueles
que tem a crença na preponderância dos fatores biológicos na busca dos índices capazes de
avaliar a periculosidade dos criminosos, podendo então classificá-los. Este grupo é
identificado com a Criminologia Clínica e tem a presença maciça de psiquiatras,
endocrinólogos, psicólogos, penitênciaristas e neurologistas. O segundo grupo crê na
preponderância dos fatores sociais, é capitaneado por Lyra na Revista, e tem a Sociologia,
em suas diversas concepções, como matriz do bom julgamento do criminoso, esta corrente,
na segunda metade da década foi a que mais visibilidade teve, mas em parte, por
transformar-se na terceira. Esta última, acredita na paridade de força entre os fatores
biológico e social, por sintetizar os dois primeiros passa da pouca visibilidade da primeira
metade da década para o centro das atenções na segunda metade, graças, em parte, à
ascensão do movimento de Defesa Social, como já dito no capítulo anterior.
O conceito de periculosidade e a classificação dos criminosos
O século XIX e o início do XX produziram uma grande quantidade e variedade de
classificações dos criminosos. Na década de 1940, os autores estavam interessados em
organizá- las, atribuindo- lhes valores e utilidades, não se furtando em opinar pelas melhores
ou propor uma alternativa conciliatória (CARVALHO, 1941. p. 64). Parece-me que é
uníssona a crença de que “o crime é essencialmente manifestação do criminoso”
(CARVALHO, 1941. p. 64), e todas as reflexões sobre estas classificações, ou são
explicitamente simpáticas à função positiva da Criminologia, ou pelo menos guardam uma
reverência meritória a estes princípios científicos.124
124 Na década de 1940 não encontrei um só artigo que criticasse a idéia de uma influência, ou predisposição,
genética ou constitucional para o crime. O que diferiu foi a confiança na porcentagem maior ou menor desta
influência. Com o argumento de que são múltiplos os fatores que influenciam no crime a gradação foi maior
ou menor dos bio ou psico fatores de acordo com o autor, mas sempre estavam presentes.
89
Na Exposição dos Motivos do Código de 1940, Francisco Campos explicita a
inspiração nos princípios consagrados pela Escola Italiana, afirma ele que o Código
brasileiro “seguindo o exemplo do código italiano não distingue entre causa e condição [do
crime]: tudo quanto contribui, in concreto, para o resultado, é causa” (CAMPOS, 1941.
p.10). E como veremos mais à frente a inspiração não parou aí, além da causa do crime, o
tratamento do delinqüente, a necessidade de estudo de sua constituição, as medidas de
segurança, entre outros temas, foram objetos de ponderação com clara influência do Código
italiano.
Periculosidade
A concentração de esforços na procura de índices capazes de identificar
características de riscos ou fatores desencadeantes do crime, na década de 1940, baseou-se
nos conceitos indissociáveis de periculosidade e de personalidade criminosa.
Definida no Código como sendo a “probabilidade de vir ou tornar o agente a
praticar fato previsto como crime” (CAMPOS, 1941. p.17-18), a periculosidade, como já
dito, pressupunha uma anormalidade incrustada no indivíduo perigoso. Interessado no
assunto, Lyra buscou na fonte de inspiração do Código brasileiro a definição de
periculosidade e traduziu, em 1949, a definição dada por Rocco no Código Italiano, de
1930, de periculosidade: “indivíduo perigoso é o que tem em si, por enfermidade ou por
defeito, por hábito ou por outra razão, a aptidão, a idoneidade de ser causa de ações
delituosas”.125 Também no ano de 1949, foi publicada a concepção de periculosidade de
uma figura central na Revista, Heitor Pereira Carrilho (1890-1954). De forma exemplar ele
define as causas dela, sintetizando diretamente o que até então ficou fragmentado em seus
numerosos artigos na Revista: a periculosidade é fruto de uma desarrumação e expansão
incontrolada dos instintos dos indivíduos. 126 Não havendo dúvidas de sua existência, o que
diferia eram as nuances de sua definição. As referências internacionais para estas definições
eram: Ottolenghi, Ferri, Gimenez de Asúa, Garofalo e Grispigni; nacionalmente aparecem:
Heitor Carrilho, Leonídio Ribeiro, Roberto Lyra e Henrique Roxo. A periculosidade, que
segundo os autores é de interesse de juristas e médicos, requer, segundo Lyra citando
125 LYRA, Roberto. “Periculosidade”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano III, n°9, out/dez, 1949.
p.98.
126 CARRILHO, Heitor. “Periculosidade”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano III, n° 9, out.
/dez.,1949. p.96-97.
90
Ottolenghi, “indagações baseadas em dados de fato que permitam diagnóstico seguro”
havendo “duas formas de periculosidade: a potencial e a atual em relação à duração, a
permanente e a temporária”.127
Uma outra proposta de divisão da periculosidade foi traduzida da obra de Ferri: “há
periculosidade criminal e periculosidade social. A primeira é a dos indivíduos que já
delinqüiram, também chamada post-delictum ou post-factum, e a segunda é a dos que
ainda não realizaram crimes, sendo capazes de cometê-los, por isso mesmo, também
denominados ante-delictum ou ante-factum”’.128 O criminólogo espanhol exilado no Chile,
Gimenez de Asúa, dividiu em 1949, a periculosidade da seguinte forma: “há periculosidade
nula, mínima e máxima. A periculosidade é maior ou menor, segundo a quantidade,
qualidade, intensidade, e persistência no tempo das causas psíquicas”129.
Lyra também traduziu a “temibilidade”, de Garofalo como sendo “a perversidade
constante e ativa do delinqüente e a quantidade de mal previsto que se deve temer da parte
do mesmo”, e a periculosidade a “mui relevante probabilidade de uma pessoa converter-se
em autor de um delito”.130 Este conceito, na década de 1930, deu aval de entrada do
psiquiatra no tribunal, e conseqüentes disputas entre estes e juristas. Assim expressa Lyra:
“não seria juridicamente correto conceder ao psiquiatra a faculdade de se
manifestar sobre a periculosidade do réu enfermo, competindo àquele, no
entanto, o pronunciamento sobre o cabimento da pena, sobre a previsível
conduta do examinado e as possíveis variações de sua saúde nos institutos de
pena ou de cura, indicando a espécie de tratamento aconselhável”.131
Como já explorado por diversos autores,132 a entrada de médicos nos tribunais gerou
diversos atritos, em vários momentos, mas em todos fica clara a preocupação com a questão
conseqüente da responsabilidade ou não do réu, quando alguma disfunção é encontrada
neste. Assim se manifestou Henrique Roxo:
“Falta de responsabilidade, completa e absoluta, terá sim, aquele que,
epilético, praticar um crime, dominado por um impulso, em completo estado de
inconsciência. Aí, então, não poderá haver noção do que se esteja fazendo, e
127 LYRA, Roberto. “Periculosidade”. op. cit. p. 98.
128 FERRI, Enrico. “Periculosidade”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano I, n° 2, jul. /set., 1947. p.
45-48.
129 ASÚA, Gimenez de. “Periculosidade”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano III, n° 8, jul. /set.,
1949. p.51.
130 LYRA, Roberto. “Periculosidade”. op. cit. p.98.
131 LYRA, Roberto. “Periculosidade”. op. cit. p.98.
132 CARRARA (1998), CORREA (2001), RAUTER (2003), OLMO (2004).
91
capacidade para refrear uma reação violenta. Só é verdadeiramente
irresponsável, portanto, quem não tiver a menor noção do que esteja
fazendo”.133
Grispigni, professor da Universidade de Roma, fez uma interessante crítica que
sintetizou a diversidade na concepção da periculosidade. Analisando o pensamento de
Wilhelm Saver, em seu livro “Kriminalsoziologie”, de 1933, Grispigni postulou que a
periculosidade foi criação da Escola Positiva Italiana, e quando libertada dos pressupostos
filosóficos originais e confinada nos limites da ciência, poderia ser acolhida por todos, por
que não estaria em contradição com qualquer filosofia ou crença, diz o autor:
“Sauer é espiritualista e partidário do livre arbítrio, o que não impediu de
reconhecer a influência das disposições hereditárias e do ambiente sobre a
vontade, e elaborar minuciosa tipologia dos criminosos, de admitir a
previsibilidade das ações humanas e de acolher o conceito da periculosidade.
Na forma em que ele sintetiza seu ponto de vista, toda volição é feito da
disposição (ANLAGE), do ambiente, enfim, do livre arbítrio. O autor aceita que
o escopo superior de toda ciência é elaborar leis-uniformidades
(GESETZMASSIGKEITEN), porque todo conhecimento científico é conhecido
em forma de lei. E salienta: ‘A vontade livre do agente é a prova de que, nas
ciências sociais, não pode haver leis exatas como as ciências da natureza ’. O
conhecimento, que se obtem por meio da sociologia criminal, é conhecimento
de probabilidade”.134
Segundo o autor, aquela conclusão de Sauer é suficiente para fundar um Direito
Criminal repressivo e preventivo, baseado na periculosidade. Tal possibilidade para ele é
confirmada por Berttiol que, não obstante intransigente sustentador da pena-retribuição, não
teve receio de defender a unificação da pena e medida de segurança em relação aos semiimputáveis,
declarando não haver dificuldade em reconhecer em tal provimento unificado o
caráter de sanção criminal.
“Tal admissão parece-nos representar uma brecha no sistema retributivo.
Através dela pode se chegar a todos os acordos, certamente mais graves, que
são necessários para realizar uma legislação que represente efetiva superação
dos endereços em conflito”.135
133 ROXO, Henrique. “Jurisprudência: irresponsabilidade e justiça penal”. Revista Brasileira de Criminologia.
RJ, ano II, n° 5, out. /dez., 1948. p.111-117
134 GRISPIGNI, Filippo. “Escola positiva e espiritualismo”. Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano III,
jan. / mar., 1949. pp. 11-12.
135 GRISPIGNI, op. cit. p. 12.
92
E conclui o autor explicitando a base do conceito de periculosidade: a probabilidade,
onde há espaço para trânsito de qualquer outra teoria além da positiva, até mesmo para o
livre arbítrio:
“O conceito de periculosidade não é de clareza, mas somente de probabilidade,
e, portanto, na margem de incerteza, os espiritualistas podem inserir o livre
arbítrio a qual não devem renunciar para continuarem fiéis às suas convicções
filosóficas e religiosas”.136
Tema de discussão na Revista, desde a década de 1930, a periculosidade além de
diversas divisões e definições recebeu também diversas causas. A Psiquiatria dominou este
terreno, mas houve também espaço a outras teorias como as oriundas da Endocrinologia e
Psicologia. Sobre esta última, em 1950, diz Antonio Austregésilo:
“A psicologia do crime está ligada à psicologia dos criminosos. A
personalidade psicopatológica e as situações sociais conduzem amiúde ao
delito. O mal vive latente na alma do criminoso e a oportunidade faz
desencadeá-lo”.137
E referindo-se a situação do juiz, caso fosse julgar sem um apoio de profissionais
médico-psicológicos, diz ser “muito difícil julgar a perversidade e a inconsciência”138. Em
nota na Revista foi divulgado que Osvaldo Loudet, em trabalho que havia recentemente
publicado na “Revista de Psiquiatria e Criminologia”, de Buenos Aires, com título de
“Índices médicos-psicológicos e legais da perigosidade”, considerava a existência de um
estado perigoso de origem endógena, e de um outro, exógena e de um terceiro de origem
complexa – endógena-exógena.
“Correndo parelhas com a questão da perigosidade, que é uma questão
verdadeiramente de prognóstico criminal, oferece-se, em paralelo, o problema
da reincidência que, como muito bem sabido, é, dependente das razões que
levaram o indivíduo ao crime, razões tais que outras não são além dos já
reprisados fatores básicos a que nos vimos referindo”.139
Nesta nota a divisão dos fatores da periculosidade ficou resumido em: endógenos e
exógenos. E a contribuição inovadora atribuída a de O. Loudet foi justamente um terceiro
136 GRISPIGNI, op. cit. p.12.
137 AUSTREGÉSILO, Antonio. “Psicologia e Criminologia”. Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano IV,
jan. / mar., 1950. pp.34-39. p. 34.
138 AUSTREGÉSILO, op.cit. p. 36
139 LOUDET, Osvaldo. “Índices médicos-psicológicos e legais da perigosidade”. Apud: Revista Brasileira de
Criminologia, RJ, ano III, abr. / jun., 1948. p.233.
93
fator endógeno-exógeno. Na prática, a década de 1940, foi o momento onde os psiquiatras
reafirmaram o seu domínio sobre o tema da periculosidade (RAUTER, 2003. p. 58). A
partir de então, coube à Psiquiatria dizer sobre a existência e cessação, ou não, da
periculosidade dos indivíduos, assim receitua Carrilho sobre dar aval de cessação da
periculosidade a um indivíduo:
“A perícia negativa da periculosidade terá que considerar: a) o
desaparecimento dos sintomas mentais integrantes da doença ou estado
psíquico de que era o indivíduo portador; b) as disposições éticas e a exata
compreensão dos valores morais, presentemente revelados pelos candidatos ao
levantamento das medidas de segurança, no que possam eles informar sobre as
tendências atuais desses indivíduos; c) o estudo comparativo e compreensivo da
interdependência dos fatores acima mencionados”.140
Para estabelecer o seu domínio sobre o tema, além de mostrar a cientificidade de sua
argumentação, contar com o empirismo da observação e se organizar em congressos,
revistas e encontros, os médicos psiquiatras tiveram que manter uma relação muito íntima
com os ritos, cânones e conhecimentos jurídicos, fazendo referências a expoentes jurídicos
simpáticos à causa médica para validar, e angariar adeptos, às suas teorias, como mostra
esse trecho abaixo destacado:
“Os motivos e circunstâncias do crime são realmente preciosos elementos para
se avaliar a personalidade e periculosidade dos indiciados. Eles entram, pois,
na elucidação do valor sintomático do delito. Numa síntese feliz, disse Nelson
Hungria: ‘Motivos são os antecedentes psíquicos da ação, a força propulsora
da vontade atuante’. Por sua vez, escreveu com justeza, Roberto Lira: ‘quanto
mais um crime se harmoniza com a personalidade de seu autor, tanto maior a
periculosidade. Por isso, deve considerar-se o fenômeno psicológico em sua
realidade, procurando a natureza dos motivos, seu caráter moral, sua
constância’. Os motivos são, de fato, a nosso ver, um teste revelador da
personalidade dos réus. Neles encontram os juízes forte elementos para
apreciação da índole boa ou má dos transviados das normas sociais. O ódio, a
vingança, a inveja, o ciúme, a ambição, a avidez, as perversões instintivas neles
se revelam, muitas vezes, como se fosse uma fotografia da personalidade moral.
Os motivos atestam freqüentemente o grau da evolução dos instintos e nos dirão
se estes permaneceram em fase embrionária ou sofreram a influência benéfica
da educação, dos bons exemplos, da disciplina moral e das normas corretivas.
Os motivos permitem aquilatar dos sentimentos egoístas e dos sentimentos
altruístas. Dão-nos uma noção mais ou menos exata da inferioridade afetiva
140 CARRILHO. “Periculosidade”. op. cit. p. 101-104.
94
dos que lesaram as normas da convivência. Os motivos são destarte, a
revelação das qualidades primárias da personalidade”.141
Nestas discussões sobre as causas, divisões, definições, ou mesmo existência e
cessação da periculosidade, havia referência direta a existência ou não de uma
personalidade criminosa tal qual definia Lombroso. Para atacar, defender e delimitar os
termos do debate a matriz lombrosiana, ou de sua Escola, da periculosidade era sempre
referida.
A crítica a Lombroso
A década de 1940, como já mostrado nas apreciações de Olmo, no capítulo anterior,
foi marcada internacionalmente por uma continuidade na crítica à Escola Positivista e
algumas de suas conclusões e métodos que levaram a um exagerado biologismo. No Brasil
houve também uma crítica ferrenha a Escola Positivista, mais específicamente à figura de
Lombroso.142 Vale lembrar que desqualificar a figura de Lombroso, era uma tentativa de
desmoralizar seus postulados. Esta crítica tomou sortido formato, ilustrarei com dois. O
primeiro diz respeito à busca de precursores da crítica aos excessos de Lombroso.
Exemplarmente Evaristo de Morais, buscou em Tobias Barreto a primeira crítica ao
lombrosianismo.
Segundo Morais, Lombroso demonstrava as relações que unem, e, em parte,
identificam o criminoso com o louco moral e o epilético. Seu livro de 1876, foi tratado por
Tobias Barreto como “italianamente escrito e germanicamente pensado”.143 Evaristo trata
Tobias como um autor de bom senso, que menosprezava os excessos e reconhece as
contribuições, de seu analisado, diz Evaristo:
“Não admita (na sua própria expressão) ‘que, em nome desta ou daquela
ciência, se levantassem hipóteses, se não de todo gratuitas, ao menos
atualmente impossíveis de verificar, e, como tais, incapazes de nutrir um
141 CARRILHO, op.cit. p.104.
142 A crítica a Escola Italiana ou ao lombrosianismo, como foi chamado, predominou na década de 1930 e foi
unânime na Revista de Direito Penal da década de 1940, mas ela já havia sido sentida desde ao “II Congresso
de Antropologia Criminal, Biologia e Sociologia” realizado em Paris, em 1889. Esta crítica foi feita, por parte
de Gabriel Tarde, desde seu artigo de 1886, por Paul Fauconnet, Lacassague, Manouvrier e Topinard – na
ocasião denominados de Escola Francesa de Sociologia -, que reclamavam o predomínio dos fatores sociais
na delinqüência. Criticavam não só Lombroso, em especial seu livro “L’uomo delinqüente”, de 1876, como os
ensaios de Garofallo, na Revista Napolitana de Filosofia, de 1878, e Ferri, em seu livro “Defensa Social”,
também de 1878, de acordo com: OLMO, 2004. p.88-89.
143 MORAIS, Evaristo de, “Tobias Barreto: primeiro crítico de Cesar Lombroso no Brasil”. Revista de Direito
Penal, RJ, vol. XXV, fas. II e III, ano VII, pp.140-147, mai. / jun., 1939. p. 143.
95
espírito pouco afeito a se deixar iludir por frases retumbantes’. Fazia,
entretanto, justiça a Lombroso, quando asseverava que ele não estava de
perfeito acordo com os ‘patólogos do crime’. Para ele, o delito e a loucura são
fenômenos semelhantes, porém não são idênticos. Mas isto é quase tudo que se
lhe pode dar para louvor. Na ciência do grande italiano, (...) há um pouco de
arte, poderia dizer de artifício, que, aliás, não é feito para impressionar
agradavelmente. O livro se distingue por um luxo de detalhes que vai além de
toda medida, e que, não raro, em vez de esclarecer, obscurece as questões”.144
Morais atribuiu a percepção de Tobias Barreto a constatação de que o trabalho de
Lombroso tem um aspecto dual: de um lado há ciência e do outro arte (leia-se, imaginação
não comprovada), nas palavras de Tobias Barreto:
“Em toda sua obra, transparece este dualismo interessante da mentalidade de
Lombroso, o poeta e o homem de ciência. As pesquisas feitas por Lombroso,
paralelamente, nas prisões e nos asilos, mostrando-lhe cada dia, as afinidades
freqüentes e íntimas que existem entre a epilepsia, a psicose, a degenerescência
e a criminalidade, conduziram, naturalmente, seu temperamento de artista a
exageros e a generalizações aventurosas. Aparece, a todo instante, o dualismo
do poeta e do sábio, sem que daí derive antagonismo e contradição nos seus
escritos”.145
Como já dito, embora houvesse uma crítica à figura e às idéias de Lombroso, esta
crítica foi estendida a todos os seus seguidores. Muitas vezes a integridade científica destes
seguidores foram postas à prova. Neste exemplo, a eles é atribuída uma mistificação, nas
palavras de Evaristo de Morais:
“Deve existir, neles, por força da imaginação, um impulso da mesma natureza
do que gera as religiões; o impulso da fé. Tal é o significado dessas palavras de
Vervaeck: ‘Lombroso foi, antes de tudo, iniciador chefe de escola, cujo
entusiasmo comunicativo e irradiante de idéias determinava a convicção e
congregava discípulos’. Se é certo que ele se enganava, por vezes, na
apreciação e no alcance dos fatos, não é menos certo que a ele devemos o
magnífico movimento de idéias e de pesquisas, cujos resultados fecundos vamos
colhendo, na ordem penitenciária, jurídica e social”.146
O Tobias Barreto biografado pelo jurista Evaristo de Morais, fez pelo menos duas
críticas e uma defesa a Lombroso. A primeira diz respeito ao excesso dos determinismos.
Segundo o autor:
144 MORAIS, op.cit. p. 143.
145 MORAIS, op.cit. p. 144.
146 MORAIS, op.cit. p.145.
96
“Afigurava-se a Tobias que o CRIMINOSO-NATO, segundo a criação
Lombrosiana, era corrigível. E argumentava: ‘Que há de mais fatalmente
determinado do que o curso dos rios? E, todavia, pode-se desviá-lo. O Direito,
‘máxime’ o Direito Penal, é uma arte de mudar o rumo das índoles e o curso
dos caracteres, que a educação não pode amoldar; não no sentido da velha
teoria da emenda, com intuito de fazer penitentes e preparar almas para o céu,
mas no sentido da moderna seleção darwnica, no sentido de adaptar o homem à
sociedade, de reformar o homem pelo homem, que é, afinal, o alvo de toda a
política humana’”.147
A segunda e conseqüente crítica diz respeito ao biologismo a que se estava tornando o
trato do delinqüente. Diz Morais que Tobias Barreto “atacava de frente [...] aquilo a que se
chamava hiperbolismo científico dos médicos, quando invadem alheios domínios”.148 Estes
dois pontos se encontram na defesa pelo Direito Penal, caberia a Criminologia auxiliar o
Direito e não tentar substituí- lo.
“Houve, de fato, uma época, principiada no apogeu da antiga Antropologia
Criminal, em que quase se propunha o desaparecimento do Direito Penal, e a
sua substituição pela nova e barulhenta ciência, estabelecendo-se a
predominância dos conceitos médicos sobre crimes e criminosos com a
finalidade de influir decisivamente, sem competição possível, nas decisões
judiciárias. Esta fase de incursão TOTALITÁRIA (para usar uma expressão
d’agora) passou, felizmente. Estabeleceu-se a compreensão recíproca;
delimitaram-se as esferas das duas atividades”.149
Mas como já afirmado, a crítica ao lombrosianismo não foi uma crítica às suas bases
biológicas, mas a seus excessos.
“A escola criminológica que ele fundou, com a eficiente e imediata colaboração
de Ferri e Garofalo, floresceu e frutificou. Através de críticas (umas fundadas,
outras tendenciosas), de duros desmentidos, de resistências tenazes, e, também,
na compensação, mercê de achegas e contribuições mais ou menos valiosas,
persistiram a orientação e o método adotados inicialmente por César
Lombroso”. 150
Mostrando-se ciente do quadro internacional das discussões criminológicas, conclui
para seu público de criminólogos, mostrando que dos erros iniciais nasceram às superações:
“Assim é que hoje temos, oriundos da ‘VELHA ANTROPOLOGIA CRIMINAL’:
a ‘Nova Antropologia Criminal’, sob a orientação de Ottolenghi, discípulo
147 MORAIS, op.cit. p. 145.
148 MORAIS, op.cit. p. 145.
149 MORAIS, op.cit. p. 146.
150 MORAIS, op.cit p. 146.
97
direto de Lombroso, e Benigno di Túllio, ambos da Universidade de Roma; a
‘BIOLOGIA CRIMINAL’, de Lenz; a ‘Biotipologia Criminal’, dos nossos
patrícios Waldemar Berardinelli, Leonídio Ribeiro e João de Mendonça”.151
Outro autor que também criticou Lombroso e sua teoria foi Lemos, tendo como base
as concepções de Gall. Diz o autor:
“Que importa, na realidade, para o reconhecimento objetivo de uma
constituição organicamente criminosa, o fato de ter uma pessoa o nariz longo
ou retorcido, a falta de barba, ou a cabeleira vasta, as maçãs do rosto salientes,
o prognatismo maior dos maxilares, o olhar estrábico, os seios frontais
fugidios, quando o que cumpre examinar são as qualidades intrínsecas do
cérebro, no seu conjunto, pois que o cérebro é o aparelho onde tem sede, e onde
se formam os nossos sentimentos, pensamentos e ato?”152
Lemos questiona se da doutrina de Lombroso alguma parte poderia ser salva ou se ela
deveria ser integralmente abandonada, como pretendiam seus antagonistas. E afirma não ir
até esse ponto, pois:
“afastem-se dela todos os absolutismos, a metafísica do seu atavismo, a
negação quase completa da responsabilidade, o tipo antropológico do
criminoso nato por ele dado, e ainda ficará alguma coisa que, aliás, não lhe
pertence de origem, pois que antes dele, e mesmo de Despine, já Gall tinha
trazido esta questão ao exame da ciência, isto é, que há criaturas
organicamente defeituosas do cérebro, nascida com um grande
desenvolvimento dos órgão egoístas, e com atrofiados órgão altruístas, pois
para explicar o fato basta a consideração das condições embriologênicas que
agiram sobre os progenitores antes e durante o desenvolvimento fetal”.153
Outro formato que a crítica à Lombroso tomou, e que foi conseqüência e ao mesmo
tempo causa de sua vulgarização foi a de anedotas, na coluna “ânimus jocande” da Revista,
figuraram algumas destas piadas que formaram, informaram e conformaram a opinião
pública. Lombroso é risível. Toda a crítica baseou-se no biologismo, na falta de rigor
científico de seu método e nas conclusões nem sempre verificáveis, como pode-se ver na
anedota escrita em 1947:
“Lombroso pedira a Gorun, chefe de polícia de Paris, que lhe mandasse
qualquer documento útil à sua obra e recebeu uma coleção de retrato de
mulheres delinqüentes. Quando saiu o livro, Lombroso mandou um exemplar a
151 MORAIS, op.cit p. 147.
152 LEMOS, Jefferson. “A escola de Antropologia criminal e a pena de morte a luz da ciência social”. Revista
de Direito Penal, RJ. , vol XXIV, fas. I, jan; ano VII, 1947. p. 47.
153 LEMOS, op. cit. p.50.
98
Gorum. O cientista tinha dedicado a cada fotografia a análise especial,
assinalando estigmas do delinqüente passional, ou do delinqüente sob
influência alcoólica, etc. Quando o chefe de polícia começou a folhear o livro
fez uma descoberta! Enganara-se. As fotografias, que enviara, não eram de
mulheres delinqüentes, mas de candidatas à licença para o comércio...”. 154
A forte influência, ou pelo menos divulgação, das teorias biodeterministas pode ser
deduzida pelas inúmeras críticas recebidas, que coincidiam sobre pontos que até os
admiridores consideravam frágeis. Mas a dinâmica atualização dos conceitos, como por
exemplo, o de periculosidade (de dados anatômicos no início do século XX, até as teorias
psicanalíticas, psiquiatras e endocrinológicas na década de 1930 e 1940), e sua adaptação as
novas realidades, garantiram as suas sobrevivências.
Reedição de discursos
Os criminólogos da década de 1940 não hesitaram em reeditar discursos
criminológicos utilizados no século e décadas anteriores. A divisão em correntes e
doutrinas, baseadas em matrizes teóricas distintas, torna inócua uma análise que
pretendesse seguir cronologicamente o desenvolvimento conceitual do campo. O discurso
da Criminologia lançou mão de conceitos elaborados em épocas anteriores, tornando-os
operativos para a análise contemporânea.
Por exemplo, o jurista Jefferson Lemos155, defendendo a necessidade da pena de
morte aos criminosos incorrigíveis, buscou a base de seus argumentos em Gall, precursor
do positivismo criminológico, segundo o autor, e Comte, também segundo ele, pai da
verdadeira Ciência Social. Começa Lemos o seu artigo, asseverando a existência de leis
naturais regendo as atitudes humanas assim como os fenômenos da natureza:
“Comecemos por assentar, como verdade indiscutível, que os fenômenos
sociais, isto é, os da coletividade humana, e os fenômenos morais ou individuais
são submetidos a leis naturais, como todos os outros fenômenos da
natureza”.156
Leis estas assentadas nas leis da ordem e do progresso:
“tão intimamente ligadas, que só podemos conceber o progresso como o
desenvolvimento da ordem, e a ordem (ordem natural e não artificial), como a
condição precípua do progresso. Enfim, a lei fundamental da sociologia que
154 “Ânimus Jocande”. Revista Brasileira de Criminologia, ano I, n°1, set. /dez., 1947. p.142-143.
155 LEMOS, op. cit. p.50.
156 Lemos, op. cit. p.42.
99
combina a estática e a dinâmica consiste em que o progresso é o
desenvolvimento da ordem e não resulta de uma mudança qualquer, segundo os
caprichos de quem quer que seja”.157
Estas leis naturais seriam forças ocultas, cujo império todos sentem, mas nem todos
conhecem e que revelaram a Comte a sociocracia como única solução social.
“Três são os elementos da organização social, em harmonia com os três
elementos constituintes da nossa organização cerebral – o sentimento, a
inteligência e a atividade. Cada um deles segue uma lei distinta de evolução,
posto que os três termos de cada uma sejam respectivamente correlatos. A lei
da evolução intelectual termina nas concepções verdadeiramente racionais,
científicas ou positivas; a do sentimento termina no predomínio da fraternidade
universal; a da atividade, que foi, a princípio, militar conquistadora e depois,
militar defensiva, termina no regime industrial, e, portanto pacífico. Não é
difícil compreender que o sentimento da fraternidade universal e o regime
industrial são, fundamentalmente antagônicos à guerra, e também que só a
ciência, estendida a todos os fenômenos, não só do mundo como também do
homem, é que deverá constituir esse corpo de doutrina universal, capaz de
unificar as opiniões em toda a terra, a que se referiu lord Churchill, no seu
recente discurso irradiado ao povo americano”.158
A crença da ciência como solução à miséria humana e como única base incontestável
norteou todo o seu pensamento. A sociocracia para o autor é um sistema que deveria ser
considerado, sobretudo como tendo por fim fundar especialmente uma moral pública e
mesmo privada, diretamente independente das crenças sobrenaturais, portanto um regime
social científico. É em Gall que o autor encontra a verdadeira base científica contra o crime.
O cérebro para Gall é o lócus síntese de todas as atitudes do ser humano e por isto deve ser
o ponto de atenção principal.
Segundo o autor, a descoberta feita por Gall da existência no cérebro de órgãos que
nos impulsionam para o bem (órgão altruístas), e que nos impulsionam para o mal (órgãos
egoístas), constituem o que havia de fundamental a ser descoberto nos fenômenos cerebrais
e esta descoberta coloca o seu autor como um dos maiores biologistas depois de Bichat, e
como verdadeiro fundador da fisiologia do cérebro; descoberta que Augusto Comte
considerou como maior dos tempos modernos:
“superior mesmo à do duplo movimento da terra, pois que, se esta constituiu a
grande alavanca que derrocou a teologia e metafísica das ciências do homem,
157 LEMOS, op. cit. p.43
158 LEMOS, op. cit. p. 45.
100
dando ao conhecimento desde a base científica necessária para que o
Aristóteles dos tempos modernos levantasse sobre ele com todo o edifício da
sociologia da moral positivas. Apesar, porém, do grande valor da sua obra,
Gall não pôde dar-lhe o completo acabamento, porque lhe faltava a inspiração
sociológica que lhe era necessária e um uso mais largo do método subjetivo que
era aqui constituído pela dedução transcendente”.159
O cérebro então é mapeado para um estudo rigoroso dos desajustamentos humanos.
Cada sentimento ou função corresponde rigorosamente a uma localização:
“É nas camadas mais superficiais do córtex cerebral que tem sede os
fenômenos do sentimento, da inteligência e do caráter; as camadas inferiores e
interiores são afetas à sua associação, e a sua ligação com os fenômenos da
nutrição, sensibilidade e do movimento mediante as fibrilas nervosas da
substância branca, e mediante os núcleos intermediários de substância
cinzenta”.160
Segundo esta teoria, todos os nossos pensamentos e atos acham-se subordinados aos
sentimentos, de onde vem impulso geral. É dos sentimentos que partem os desejos, os
pendores, as emoções e afetividades de levar-nos logo à ação; a inteligência intervem para
examinar a conveniência ou não, na execução do ato. Agimos pois, sempre por afeição, mas
pensamos antes de agir. O sentimento está, assim, na origem de tudo. Se ele é por demais
intenso, a ponto de conduzir à ação antes da inteligência poder intervir, nasce o impulso
que pode, assim ser inteiramente cego, como sucede em muitas ocorrências patológicas, de
que a epilepsia nos é um exemplo.
Examinadas as funções cerebrais por esse modo, “único verdadeiramente real”, todas
as questões relativas aos estados normal e patológico, a classificação dos indivíduo s em
bons, medíocres, maus e criminosos, as questões relativas à educação, à diferença cerebral
entre os dois sexos, às diferentes idades, às diferentes raças, etc., recebem uma nova luz. “A
natureza humana deixa de ser essa incógnita [...] para tornar-se um livro aberto que nos
importará o regime de viver as claras, porque a quem conhece a doutrina científica do
cérebro, este se apresenta como um quadro vivo fácil de ser interpretado”.161 A teoria
defendida por Lemos tem como base critérios comparativos. O autor busca não ser taxativo
em suas observações, por mais que nas camadas superficiais estejam a sede dos fenômenos
do sentimento, da inteligência e do caráter, ele afirma que não quer isso dizer que nas
159 LEMOS, op. cit. p.51.
160 LEMOS, op. cit. p.51.
161 LEMOS, op. cit. p.51.
101
regiões profundas do cerebelo não possam ser encontradas sedes de outras funções,
principalmente de associação, mesmo de natureza motora e sensacional.
“Comparai a cabeça da criança normal e a do adulto também normal; a do
homem e a da mulher na qual este instinto é normalmente fraco; a do homem
moralizado com a do libertino ou com as dos criminosos violadores –
encontrareis sempre nos primeiros, a nuca mais exígua, achatada, estreita, a
distância entre os apofizes matoides menores e tudo isso oposto nos segundos. A
observação não falhará nunca. A educação, as conveniências sociais, o caráter,
os bons sentimentos, podem deter os extravios mais arrebatados das naturezas
sensuais; mas si a tais indivíduos faltar tudo isso, facilmente serão arrebatados
ao crime. E esse instinto é exigente que até naturezas boas podem ser
conduzidas a cometer grandes deslizes”.162
Segundo Lemos, Gall demonstrou que é o crânio que se amolda ao cérebro, e não o
cérebro ao crânio. No interior deste crânio toda a arrumação das funções tem um sentido.
Diz o autor que desde que Aristóteles demonstrou que nada existe na inteligência que não
venha pelos sentimentos, ficou evidenciado que os órgãos intelectuais devem ficar perto
dos sentidos que mais diretamente lhes servem, que são a visão e a audição. Seria
incontestável que este órgão intelectual teria por sede a região anterior do cérebro, a região
frontal. Ora, sendo os sentimentos as funções mais essenciais do cérebro, e inconfundíveis
com os fenômenos intelectuais, não podem deixar de ter sedes distintas, porque não existem
funções sem órgãos.163
O conjunto das treze funções do cérebro, com as cinco faculdades intelectuais,
constituem as suas dezoito funções elementares, cujo conjunto teria a denominação vulgar
de alma. Todo este esquema biogeográfico do cérebro encontra seu correspondente em
outra ciência: a Antropometria, que faz a correlação entre a divisão cerebral e o fenótipo.
Por isto, segundo o autor, é fácil reconhecer os indivíduos perigosamente violentos.
Uma vez que os órgãos mais eminentes se encontram na linha mediana, e mais ainda para a
metade anterior da cabeça do que para a parte posterior, e certo que uma abóbada bem
desenvolvida é um sinal favorável, enquanto que uma largura maior da metade inferior,
principalmente se coincide com uma exigüidade marcada da abóbada e da fronte, é uma
forma para temer. Segundo Lemos, os fatores exógenos como o meio social, a educação e a
162 LEMOS, op. cit. p.52.
163 Ver anexo 3 com as respectivas localizações.
102
ocasião devem ser considerados, mas diz o autor: “não é a ocasião que faz o ladrão, mas a
ocasião mostra quem é ladrão”.164 Estando aí a idéia de um criminoso constitucional.
Quanto a caracterização dos criminosos, diz o autor, que é necessário considerar a
questão com o devido relativismo e não pretender resolvê-la de um modo absoluto,
decidindo se uma pessoa é boa ou má com tendência ou não ao crime, pela conformação do
cérebro, revelada exteriormente pela conformação do crânio.
“Só nos casos muito acentuados esse exame é decisivo; mas, em todos eles um
guia muito útil na aplicação do sistema judiciário na prática comum da vida
cotidiana, no trato com os homens. Além da forma geral exterior, é preciso
ainda considerar a estrutura interior que é de grande complexidade: o
desdobramento das circunvoluções, a espessura maior ou menor da substância
cinzenta do córtex, sede dos órgão da alma; a maior ou menor integridade e
perfeição dos elementos cerebrais que a constituem, e ainda uma maior ou
menor facilidade da circulação do sangue. Todos esses dados estáticos escapam
a uma observação direta e só podem ser revelados indiretamente, mediante a
apreciação dinâmica da integridade das funções, de que resulta o seu
sintonismo ou estado de unidade que só a conduta do individuo no meio social é
capaz de evidenciar”.165
Este é o tênue espaço que separa o determinismo da presdiposição. O indivíduo que
tem a conformação cerebral “x” e cometeu o crime se justifica pela conformação, mas o
que tem a mesma conformação cerebral e não cometeu (ainda) o crime, a resposta está na
conformação da estrutura interna.
O autor faz oposição às teorias concorrentes a sua, mostrando os embaraços criados
por elas. Diz ser evidente que o problema apresentado por Lombroso com deficiência
científica havia sido já posto, e mesmo resolvido positivamente, em grande parte por Gall.
E que o maior erro de Lombroso consistiu no seu inconcebível atavismo.
“Chega a ponto de buscar a origem dos atos criminosos do homem nos
fenômenos puramente biológicos dos vegetais chamados carnívoros, cuja as
brácteas tem a propriedade de atrair, pelos odores e outras vantagens, os
insetos que são logo encerrados em seus tentáculos e digeridos. Ora a noção
de crime é essencialmente de natureza social e moral, tanto que ele é mesmo
definido como uma insurreição ou contravenção das leis da sociabilidade e
da moralidade, exigindo portanto a lucidez mental ou a responsabilidade de
164 LEMOS, op. cit. p.59.
165 LEMOS, op. cit. p.64.
103
quem o pratica. [Lombroso] Incontestavelmente baseou-se em outra doutrina
errônea, a de Darwin, que pretende demonstrar que as espécies superiores
provem sempre das espécies imediatamente inferiores”.166
Sua crítica não resume-se a Lombroso e a Darwin. O autor considera inferior ainda
mais à teoria de Lombroso a da:
“escola a que poderia chamar moderníssima, endo-criminológica que tenta
explicar a natureza dos criminosos pelo simples jogo dos hormônios. O
arrastamento ao crime estaria apenas dependente do desvio funcional desta ou
daquela glândula endócrina. (...) Seria, pois, sempre mais justo explicar neste o
corpo pelo cérebro e não o cérebro pelo corpo. Ninguém ousaria eliminar a
influência excitante ou deprimente das funções nutritivas gerais do organismo,
e, portanto, também do cérebro, derivada destas glândulas, mas daí o fazer-se
do cérebro, um escravo delas, ao ponto de condicionar sempre o ato criminoso
ao seu mau funcionamento, vai uma grande distância. Seria retirar ao
criminoso toda a responsabilidade”.167
Freud também foi alvo de sua crítica, e de forma irônica, Lemos indica a brecha onde
a Criminologia deveria se resguardar:
“Por sua vez, a escola freudiana se contenta com o explicar toda a natureza
humoral do homem pela sua libido, os traumatismos do inconsciente e
conseqüentes recalques, e tudo imagina resolver ingenuamente com a
psicanálise. É sempre o erro do especialismo científico extremado com suas
generalizações viciosas. Não estaríamos longe de ver criada uma escola
criminalista das vitaminas e do cálcio, que pretendesse reeducar os criminosos
pelos raios ultra-violetas.”168
O grande pano de fundo de seus argumentos foi a discussão da liberdade do
indivíduo. Esta liberdade-condicionada seria o melhor resumo de sua concepção. Nas
palavras do autor:
“A noção mais larga e filosófica da Liberdade consiste, para todos os seres, em
seguir as leis naturais a que estão sujeitos. Assim, uma pedra atirada no
espaço, só tem uma liberdade, a de cair; um ácido posto em contacto com uma
base só tem a liberdade de formar um sal. Assim, também, o homem, não
podendo, pelas condições contingentes à sua existência, deixar de fazer parte
da Humanidade, só lhes resta uma liberdade, a de obedecer às suas leis. Só
somos livres, de fato, quando temos capacidade, efetiva, intelectual e ativa, de
nos colocarmos dentro das leis sociais e morais que nos dominam. Quem
atentar contra estas leis, em grau incompatível com a existência social, é que,
166 LEMOS, op. cit. p.66.
167 LEMOS, op. cit. p.66.
168 LEMOS, op. cit. p.63. [grifos do autor]
104
por si mesmo, se privou dessa liberdade e se condenou. A ação social contra
tais indivíduos não faz mais, pois, do que reconhecer e ultimar uma situação de
fato, seqüestrando-o e mesmo eliminando-o. Tal é a noção positiva de
liberdade, que nos vem mostrar que a repressão ao crime, mesmo com a pena
de morte, não é só uma necessidade, mas ainda um dever social” 169
A discussão sobre o grau de liberdade dos indivíduos e a formação de sua
personalidade é parte integrante da compreensão da periculosidade e ambas informam os
critérios para a classificação dos criminosos.170
Individualização das penas
Na década de 1940, as idéias defendidas por Prins e Vervaeck foram aceitas e
divulgadas por muitos criminólogos e a referência à obra de ambos abundou. Tanto o grupo
tendente para a ênfase biologicista , acima representada por Lemos, como o de ênfase mais
social, afirmaram com base nestes autores que não há interesse em se ter uma pena para
cada delito, mas uma medida para cada pessoa. A individualização das penas foi ponto
comum para um tratamento mais eficaz na luta contra a reincidência e, de forma científica,
tratar os criminosos por taras hereditárias ou congênitas. A disputa por penas
individualizadas durou toda a década de 1930, como nos mostrou Rauter, e o Código de
1940, reconhecendo o criminoso como um anômolo bio-psicológico diz:
“Para corrigir a anomalia foram instituídas, ao lado das penas, que têm
finalidade repressiva e intimidante, as medidas de segurança. Estas, embora
aplicáveis em regra post delictum, são essencialmente preventivas, destinadas à
segregação, vigilância, reeducação e tratamento dos indivíduos perigosos,
ainda que moralmente irresponsáveis.. (...) [O juiz] graduará a quantidade da
pena de acordo com a personalidade e antecedentes do criminoso, os motivos
determinantes, as circunstâncias e as conseqüências do crime. Em suma,
individualizará a pena, adotando a quantidade que lhe pareça mais adequada
ao caso concreto”. (CAMPOS, 1941. p.07)
A pena individualizada seria sinônimo de uma atenção maior a personalidade
desviante. As medidas de segurança conseqüentes desta individualização consistiam em um
estado de observação onde o portador de periculosidade era deixado e submetido a
tratamento (psicológico, psiquiátrico, clínico médico e, tiveram intenções de fazer
169 LEMOS, op. cit. p.63
170 Outros exemplos de reedição de discurso poderiam ser dados: PANDOVANNI, Fulvio. “Atualidade de
Beccacari”. Revista Brasileira de Criminologia, ano III, nº 9, out. / dez., 1949. p.35-39; “Prostituição”.
Revista de Direito Penal, RJ, vol. XIX, fasc. I, ano XI, pp. 102-103, mai. / jun.., 1942.Neste último texto (uma
nota não assinada), é defendida a idéia lombrosiana que a prostituição é, nas mulheres, o que o delito é nos
homens, porque as prostitutas têm os mesmos caracteres físicos e morais do delinqüente.
105
intervenções cirúrgicas). Mas, o suporte real e objetivo deste grupo, fracassado na tentativa
de pôr no Código Penal era a classificação dos criminosos em tipos rígidos.
Os textos expostos na Revista eram, como já dito, palestras ministradas aos
criminólogos na SBC. Um tema que cortou transversalmente todo o período de 1940 foi a
biologia humana e sua correlação com o crime. Em um destes textos, Genésio Silva 171
afirma a superioridade das condições dos pólos em relação ao resto do globo. Afirma o
autor, que os seres humanos aclimaram bem nas diversas áreas terrestres até naquelas de
altitude considerável, tomando formas durante numerosas gerações. De acordo com a
natureza das ocupações, dos ofícios, o corpo se desenvolvia desta ou daquela forma.
“Caracteres todos que sem dúvida se transmitem”.172 Mas se
“examinarmos a parte mental, iremos ver que as faculdades se desenvolvem
consideravelmente sobre a influência dos serviços que as põem em ação. Há,
apenas, necessidade de ajuntar que a superioridade a esse modo adquirida se
transmite por herança. O que é verdade, assim para o homem, que para os
animais domésticos”.“A civilização parece por em efeito, no homem, ações
modificadoras análogas às que a domesticação imprime aos animais”.173
Este é o ponto onde a ciência deve, pelos fatos, abrir mão da idéia metafísica de
liberdade e reconhecer as determinações. Afirma: “a) – que as condições do meio
modificam a organização, assim dos vegetais, como dos animais; b) – que a desmudança é
tanto mais profunda, quanto a ação das mesmas condições se houve de produzir em um
número mais considerável de sucessivas gerações”.174
Desta forma, o conceito do transformismo adaptativo, onde o meio condiciona a
forma, a cada modificação na ambiência, responde, igual, um movimento novo na matéria
organizada. Como afirma Todorov (1998), o racialismo preestabelece a continuidade entre
o físico e moral. E toda a teoria defendida por Silva, versa sobre a possibilidade do homem
viver fora de sua ambiência natural, como tudo indicava na época, nas regiões mais perto
dos pólos. “Sua forma e seu caráter, entretanto, - a forma e o caráter da nova modalidade
171 SILVA, Genésio. “Da Forma Humana”. Revista de Direito Penal, RJ, vol. XXV, fas. I, ano VII, pp. 59 –
78, mai. / jun., 1943.
172 SILVA, op. cit. p. 72.
173 SILVA, op. cit. p. 72
174 SILVA, op. cit. p. 72
106
orgânica, - não independem, não poderiam independer, é muito claro, da particular
capacidade de reação de cada um”.175
Cabia à higiene, cujo objeto é regularizar as reações do animal com a ambiência, a
providência do remédio coerente com as verdades da ciência. A forma então deveria ser
vista como um mapa que ensina aonde vai se chegar, “porque ensina, curiosa, uma nova
leitura dos destinos...”.176
“A lição reveladora da forma não sobe, agora, a tanto grau, o que ambiciona,
mas inigualavelmente aponta um fito muito alto e acessível, e racional, nisto de
aperceber o clínico de mais um recurso, e valiosíssimo, na luta contra o mal,
pelo bem de cada um”.177
Se aforma demonstra o carater do indivíduo (tese defendida também pela
biotipologia), deve-se conhecer o meio científico de estudá- la.
Classificação dos delinqüentes
Com uma outra concepção sobre o papel do meio no indivíduo, foi encomendado em
especial para a Revista, em 1949, um texto do italiano Alfredo Nicefor178, onde este
resumisse seu curso ministrado na Universidade de Roma, que também fora publicado em
seu manual. O autor divide sua análise do criminoso da seguinte forma: o homem interno, o
homem externo, a delinqüência latente, mesologia; dinâmica, e a classificação do
delinqüente. A base de seu pensamento é o método estatístico, utilizado na coleta e
elaboração das medidas somáticas e psíquicas do homem delinqüente e seu confronto com
as do não-delinqüente, do alienado e outras sub-categorias humanas. Método estatístico
para estabelecer os confrontos entre os delinqüentes e os não-delinqüentes
“que a constitucionalística de hoje e a moderna cacterologia procuravam levar
à conclusões seguras seguindo de perto as modificações que a massa da
criminalidade sofre passando de um a outro ponto geográfico, de uma outra
época, de classe a classe social etc”.179
Do estudo conjugado do homem delinqüente e do ambiente, emergiria
automaticamente o capítulo da etiologia do delito em que se revela o mecanismo do
175 SILVA, op. cit. p. 74.
176 SILVA, op. cit. p. 78.
177 SILVA, op. cit. p. 78.
178 NICEFOR, Alfredo. “O que é Criminologia”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, vol. XXVI, fas. I,
ano II, pp. 99 – 125, jul. / ago., 1949.
179 NICEFOR, op. cit. p. 103.
107
fenômeno criminoso, derivante da combinação dos caracteres individuais (homem) com os
ambientais. E deste exame etiológico derivaria, a seu turno, necessária e quase
simultaneamente, o capítulo consagrado à classificação dos delinqüentes, a classificação
que se faria não tanto na base do ato externo (crime), mas na base da pesquisa dos fatores
individuais e ambientais. O autor define como essencial o exame dos caracteres somáticos e
da morfologia, que define o tipo morfológico (por ex., brevilíneo, longilíneo, normolíneo)
nos vários grupos humanos, na comparação entre os delinqüente e não delinqüentes e
também no paralelo entre as várias sub-categorias de delinqüentes. A base de sua teoria é a
Endocrinologia que, “como todos sabem (e com grande descontentamento de muitos)
encontrou novas justificativas em presença de anomalias e disfunções numerosas no
material humano inferior dos cárceres”.180 Quanto ao seu método de pesquisa afirma o
autor que:
“De nossa parte, temos ocasião de fazer notar que nas pesquisas concernentes
‘a determinação do grau de “excepcionalidade” a mais ou menos
(anormalidade) de um dado indivíduo’, em cada um de seus caracteres
somáticos, sugerimos e adotamos o método que batizamos de perfil gráfico.
Este método, muito superior aos precedentes (que se contentavam de simples
comparações de médias aritméticas) permite a verdadeira perícia somática de
um indivíduo e de um delinqüente. O perfil gráfico auxilia a comparação entre
delinqüentes e não-delinqüentes (homicidas e ladrões, por exemplo) e conduz
rapidamente a determinação do tipo morfológico do indivíduo, pois revela, de
pronto, embora em aproximação, se o tipo estudado e ‘perfilado’ é longilíneo.
Inútil dizer que esse nosso perfil nada tem de comum com outros pretensos
perfis que, na realidade, de perfil só têm o nome, faltando-lhes o agrupamento
de indivíduos constituindo a base de comparação com aquele que é
‘perfilado’”.181
Nicefor afirmou que os constitucionalistas correram os cárceres em estudos
comparativos – procuravam entre homicidas, por exemplo, se a percentagem de brevilíneos
é maior do que nos ladrões ou se no local da população das prisões (quando de ser
compartilhada com a que vivia solta), a proporção deste ou daquele tipo se mantém ou não
igual àquela que se encontra entre os homens ‘normais’. A normalidade estatística garante
ao indivíduo o gozo de sua liberdade, e o inverso é também verdadeiro. Os ditos tipos
fisionômicos podem ser entendidos pelas: paradas de desenvolvimento de natureza
180 NICEFOR, op. cit. p. 106.
181 NICEFOR, op. cit. p. 106.
108
puramente patológica; ou sinais de miséria física, provenientes de condições adversas de
ambiente, ou ainda, por resíduos de caracteres primitivos introduzidos por cruzamentos
longínquos com populações africanas ou mongólicas.
Fazendo referência à Escola Antropológica, o autor afirma que nos testes mentais os
seus resultados encontrados não contradizem muito às teorias antigas. Uma das conclusões
possíveis seria que a pobreza se justificaria pela aptidão de ser pobre. Assim expressa o
autor:
“A este respeito é fácil fazer – ou pensar fazer – ironia mostrando que para
certos testes, ou reativos, algumas categorias de indivíduos não delinqüentes
nem reclusos (apenas pertencentes às classes inferiores da sociedade, ou
adaptados a formas inferiores e pobres de atividade social) dão os mesmos
resultados dos presos. Ao contrário, objetos de ironia seriam os que,
ingenuamente, retiram conclusão de tais confrontos, pois se esquecem ou
ignoram que taras de inferioridade somática e psíquica são encontradas
também nos indivíduos que, fora dos presídios, caem nas mais baixas camadas
econômicas profissionais; que taras psíquicas e somáticas (sobretudo
psíquicas) se encontram nos malfeitores que viverão sempre em liberdade e
acatados e que, finalmente, taras somáticas e psíquicas se encontram nos
indivíduos que, graças a um fenômeno automático de simbiose social aplicam a
sua conduta em atividades legítimas ou facilmente legitimáveis, ainda que
estranha a preferência da maioria dos homens”.182
Propõe a adoção da classificação em conformistas e não-conformistas, subdividindo
estes últimos em três subcategorias: a) não conformistas por nítidos motivos egoísticos e
anti-sociais; b) por motivos banais e c) por motivos ideais e altruísticos.
“... a primeira subdivisão nos é dada pelo fato do indivíduo em sociedade ser
conformista (com respeito à tradição, ao costume, ao sistema normativo, etc.)
ou não-conformista. Os conformistas o serão com inteira e inerte passividade
(de natureza congênita), quase como se fossem homens máquinas, ou ainda a
custa de lutas íntimas, de repressões interiores e sofrimentos contínuos:
semelhantes à máquinas se vistos superficialmente, mas possuindo sua alma
interior”.183
Mas também diz ser necessária a classificação proposta pela Antropologia Italiana e
ratificada pela Psicologia, que classifica em: a) indivíduos nos quais as tendências do Eu
inferior e profundo são equilibradas pelas do Eu superior; b) indivíduos nos quais o Eu
inferior consegue se expandir sob a máscara e as roupagens de legitimidade e até de
182 NICEFOR, op. cit. p.107-108.
183 NICEFOR, op. cit. p. 114.
109
sublimação; c) indivíduos nos quais o Eu inferior aparece, libera-se mais ou menos
diretamente. Esta classificação, com base na psicologia, assim considera o Eu:
“As pesquisas sobre a estrutura íntima do Eu, realizadas, há muito, pela Escola
Italiana de Criminologia e nestes últimos anos intensificadas pelos próprios
italianos, vêm enriquecer o tributo que os estudos psicológicos levam ao exame
do delinqüente. Uma criminologia moderna não poderá deixar de retomar e
concluir o tema. Não é absolutamente concepção estrangeira a idéia de um Eu
composto, por assim dizer, de um subsolo psíquico e primitivo e depois de
camadas sempre mais elevadas até chegar ao que os nossos italianos há mais
de meio século chamaram de formações neozóicas da psique, ou estratificações
superiores, ou Eu superior. Os instintos profundos, egoísticos e anti-sociais
procurando subir e se expandirem chocam-se com as estratificações superiores
(assim ensinou sempre a Escola Italiana) que se estiverem bem organizadas,
funcionam como freios inibidores ou desviadores. Daí toda uma complexa
teoria que se pode crismar de puramente italiana e da qual já tratamos em
outro lugar, que ensina: a) os instintos profundos podem se transformar,
através das estratificações superiores, irrompendo de maneira legítima e,
mesmo, louvável; b) a transformação não se opera, ainda que tentada. Então o
Eu procura um mecanismo qualquer engenhoso de autoconsolação, em que
possa encontrar repouso e calma, embora aparentes; c) ou ainda, resultando vã
qualquer transformação ou autoconsolação – nem ao menos tentada – os
instintos profundos aparecem diretamente no violento e definido gesto antisocial”.
184
Depois do homem, examinado em sua constituição somática, interna e externa, e em
sua psicologia, é necessário estudar o ambiente, a mesologia, ou ciência do meio, entendido
como tal, tanto o telúrico e cósmico, como o social e também intelectual e moral.
Perguntando quais as possíveis influências do clima, com a sua temperatura, as suas
variações atmosféricas e os demais fenômenos climatéricos e meteorológicos no
delinqüente, assim se expressa o autor:
“Acaso não será verdadeira a influência que a natureza do solo e do subsolo
exerce sobre o gênero e a quantidade da produção agrícola, sobre a densidade
da população, sobre a riqueza, sobre o padrão de vida, sobre os usos e
costumes e assim passando de categoria em categoria de fenômenos – sobre a
criminalidade?”185
O ambiente social faz referência também ao tema da miséria e do delito porque para
fenômenos complexos como os da conduta humana na sociedade não há causas únicas, e
184 NICEFOR, op. cit. p 109.
185 NICEFOR, op. cit. p 112.
110
“sim um complexo de causas e concausas: é necessário passá-las em revista,
uma a uma, e em seguida (tarefa mais difícil), pesá-las indicando-lhes o valor e
o grau de influência. No mesmo parágrafo aparecerá o estudo sucinto das
possíveis relações existentes entre o exercício ou ‘clima’ da profissão e a forma
de criminalidade: profissão e delito, correlação tão destacada pelas nossas
estatísticas criminais; juntamente com o da idade; a civilização”.186
Em todas as pesquisas, não pode esquecer – a medida, a cifra, o índice numérico, a
elaboração estatística que formarão o núcleo de estudos, que se:
“despirão de toda subjetividade e de toda fraseologia vã. Que influências
exercem tais variações horizontais e verticais nos tipos de civilizações e tais
transformações de civilização no tempo, tanto em relação à massa total dos
delitos, como em suas formas e espécies em particular?”187
Neste ponto o autor questiona: o que é o homem normal? Responde em seguida, que
eram necessários explicitar critérios objetivos para firmar a normalidade de um caráter
somático ou psíquico e critérios objetivos para determinar se um dado indivíduo, em que se
encontram os requisitos de normalidade ou de excepcionalidade, deve ser classificado como
normal, para-normal a mais ou menos, excepcional a mais ou menos. Para tudo isto, é
indicado o método do perfil gráfico: comparação das médias aritméticas (como por
exemplo, sensibilidade média ou estatura média dos ladrões, comparadas com as dos
normais ou dos homicidas), empíricos de análise das variações de um fenômeno (condições
econômicas, por exemplo, de ano a ano, ou de região a região; e a consideração do erro
provável). Este método garante a cientificidade da pesquisa:
“Entre os vários modos de apresentar o mecanismo da causalidade (ou das
correlações) preferimos o que indica a conduta do homem – e, portanto também
o gesto criminoso – como a resultante de um paralelogramo de forças, em que
os fatores biológicos, individuais, congênitos representam um dos lados e os
fatores ambientais o outro. De uma parte o homem com os seus instintos,
sentimentos, inteligência, a sua vontade – tão diversos de homem para homem –
e de outra, o ambiente com as suas expressões cósmicas, econômicas,
profissionais, culturais, morais. Será útil chamar atenção, como sempre
fizemos, para a circunstância de que varia de indivíduo para indivíduo, de
lugar em lugar, de época em época, a proporção em que atuam essas diferentes
forças”.188
186 NICEFOR, op. cit. p. 113.
187 NICEFOR, op. cit. p. 114.
188 NICEFOR, op. cit. p. 117.
111
Conhecido o homem em seu arcabouço físico e psíquico e identificado o mecanismo
da conduta criminosa, apresenta-se necessária e automaticamente a classificação dos
delinqüentes tendo por base, não o ato criminoso em si, mas o mecanismo gerador do ato.
“O ato criminoso em si é documentação viva da personalidade do delinqüente: aliás,
mesmo no alvorecer dos estudos, salientou-as perpetrado e preparado constituía um dos
sintomas para a reconstituição da personalidade”.189 Finaliza o autor com a prevenção da
criminalidade, que seria feita por: 1) medidas tendentes a diminuir as taras degenerativas;
2) medidas tendentes a transformar o ambiente geográfico; 3) medidas econômicofinanceiras
ou análogas; e 4) medidas de assistência.
Ainda tematizando sobre a biologia humana e a classificação dos criminosos, Eugênio
Machado defende a correlação existente entre a Endocrinologia e a Antropologia Criminal.
As ciências biológicas são “as mais profundas e positivas e que, mais de perto,
interessam o homem”190, de acordo com Eugenio Machado. Este interesse por elas tem
relação com a formação constitucional dos indivíduos e pela ligação desta constituição com
as atitudes deste. Este autor compartilha da idéia de que para cada atributo do corpo existe
um determinado substrato: “Inteligência, vontade, memória, personalidade, são meras
abstrações, sem significação alguma, si não atendermos ao seu subtratum fisiológico ou
mental - o sistema nervoso”.191
Baseado na “escola de psicologia objetiva” e na “endocrinologia constitucionalista”
o autor tenta traçar o elo entre a psique e o soma.
“O ilustre professor Waldemar Berrardinelli diz: ‘Problema importante, mas
ao mesmo tempo, difícil e muitas vezes, de resolução impossível é o da
determinação do papel da constituição individual: ou, outras palavras,
distinguir o que, num determinado indivíduo, é “genotípico” e o que é
“fenotípico”’. Existe um laço indissolúvel - diz Lugaro - entre caráter e
constituição. O professor Rocha Vaz preceitua: ‘O moderno problema da
“constituição” - a biologia da individualidade - encontra no estudo das
increções o elo de reunião da “morfologia”, do “temperamento” e do
“psiquismo” e a consolidação, em base ciêntífica, do conceito unitário da
personalidade humana’. Coube a Pende - o eminente endocrinologista italiano -
a glória de haver estudado os delineamentos da escola endocrinológica
constitucionalista. Em Pende temos como marco assinalador, as
189 NICEFOR, op. cit. p. 120.
190 MACHADO, Eugenio S. “As modernas idéias em Biologia, a Endocrinologia e a Antropologia Criminal”
Revista de Direito Penal, RJ, vol. 28, fasc II, p. 211-233, 1940. p. 213.
191 MACHADO, op. cit. p. 213.
112
endocrinopatias: depois, foi aos tipos sub-endocrinopáticos e, em suma, chegou
há ‘constituição endócrina’. Seus estudos vieram mostrar, de maneira
convincente, a existência dos laços que vinculam a morfologia, a
individualidade dínamo-humoral e a individualidade psíquica”.192
Segundo o autor, a “pirâmide de Pende” dá uma idéia perfeita do paralelogramo de
forças, cuja diagonal é representada pelo biótipo humano e, portanto, assentando neste
teórico sua base científica, afirmou que: da fórmula endócrina individual decorre a
personalidade psíquica do indivíduo. O autor afirma que para Viola, a Antropometria
constitui o substratum da teoria ou doutrina das constituições, e os tipos conseqüentes são
frutos das interações hormonais. Assim é feita a relação entre a periculosidade, com base na
Endocrinologia, e a classificação dos criminosos, com base na Antropometria e
classificação de Viola.
“Nada é permanente, imutável, quer no mundo físico, quer no mundo moral”, com
esta máxima o autor saúda as influências externas ao organismo, se opondo a Escola
Italiana. Assim, se o indivíduo desenvolve, notadamente, os pulmões, sob o influxo da ação
da atmosfera, pela vida em região escampa, livre, em um ambiente adjuvante, montanha ou
ar, é obvio que prevaleça o tipo respiratório. Ao contrário, se o indivíduo desenvolve seus
músculos, por viver e agir em um meio de atividade física, teremos o tipo muscular, etc. A
Escola Italiana, ao contrário, admite como fatores determinantes do tipo biológico os
fatores endógenos. Nega, portanto, a influência predominante do fator mesológico. À face
dessa Escola, o biótipo é determinado pela maior ou menor influência das atividades
anabólicas e catabólicas. A Escola Endocrinológica Italiana, diga-se de passagem, vê nas
increções (secreções internas) uma função de regulação metabólica. Conclui então o autor,
que não é portanto, a Escola Italiana aberta à considerações amplas. Mas reconhece a
contribuição desta Escola e reproduz seu raciocínio: “As endocrinopatias dão à fácies (sic)
aspectos especiais. Que orientam, desde logo, a determinação da glândula alterada. A
caracterização ou determinação do tipo nasce da preponderância de uma delas”.
Para o autor, a morfologia e a constituição individuais são definidas pelas glândulas
endócrinas, sintetizando assim duas formas simultâneas de determinação do tipo do
indivíduo. De acordo com seu raciocínio no campo das increções a Endocrinologia
confirma, fortalece e amplia os princípios da Escola de Antropologia Criminal.
192 MACHADO, op. cit. p. 230.
113
Machado afirma, que a extirpação da tireóide é um meio capaz de modificar a
impetuosidade dos indivíduos de constituição hipertireoidéa, bem como dos indivíduos de
constituição iminente. Seria evidente a influência que o aparelho endócrino exerce sobre a
vida psíquica, sendo também óbvio que os distúrbios deste se façam sentir sobre o
psiquismo, alterando-o. Entre as glândulas endócrinas e o sistema nervoso existem relações
tão íntimas, afirma o autor, que com justa razão pode-se dizer que quase todas as funções
somáticas e vegetativas e até o próprio psiquismo estão compreendidos na zona de ação das
referidas relações.
“Nos criminosos, nos débeis mentais e nas prostitutas, encontra-se caracteres
morfológicos semelhantes aos descritos nas constituições endocrinopatas.
Bem semelhantes são os traços fisionômicos de assassinos congênitos com os
dos indivíduos hipertuitários ou acromegaloides, etc. Certos criminosos de
tipo impulsivo, epileptaide, têm traços fisionômicos dos hipertireoideos, etc.
Anomalias de forma, de desenvolvimento e de distribuição dos pelos, no rosto
e no corpo, encontram-se neles, como nos estados de hipertireoidéa, de
hipertuitarismo e de hipersuprarenalismo”.193
Somente estudando a constituição endócrina de cada delinqüente, que para o autor é
sinônimo de substratum da personalidade psíquica de cada indivíduo, pode o profissional
dizer, com firmeza, à sociedade, como pode e deve punir o criminoso. Neste ponto o autor
abre espaço para uma flexibilização:
“Sejamos, pois, cautelosos, parcos, em nossas conclusões; não tentamos
esclarecer, explicar ou demonstrar o fenômeno complexo do crime, servindonos
unicamente do fator endócrino, ou melhormente, dos elementos fornecidos
pela endocrinologia. Seria extremamente ingênuo - diz Ruiz Funes – falar de
criminosos tireóideos, hipofinários, suprarenais, tímicos ou genitais. Em
verdade, o fator antropológico, isolado, não explica o crime, bem como, desse
modo, o fator social, também, não o explica. O crime - que só existe onde vive o
homem – é o resultado de causas várias genotípicas e fenotipicas, que agem
como forças componentes; são os parâmetros do crime. Si o homem não é
pedra, pode ser corrigido ou modificando. Os fenômenos fisiológicos aparecem,
sempre, idênticos e conformes a uma lei universal; surgem num certo número
de condições rigorosamente determinadas”.194
Mas é enfático em definir os termos de seu relativismo, onde leis absolutas regem tudo.
“Sob o ponto de vista psicológico, o determinismo não é menos ex ato e
verdadeiro. No mundo moral, como no mundo físico, tudo está sujeito a leis
193 MACHADO, op. cit. p. 16.
194 MACHADO, op. cit. p. 23-24.
114
invariáveis; há um perfeito entrosamento entre os fenômenos. O homem – diz
Debier – pensa e age, não espontaneamente, mas conforme o sangue que tem
nas veias, isto é conforme a sua herança. Devemos ampliar o conceito, dizendo;
o homem pensa e age de acordo com o seu sistema neuro-endocrino. A herança
ou meio interno, segundo Hamon, determina o caráter do homem, em seu
temperamento; o meio cósmico, o individual e social agem sobre o caráter, o
temperamento e modificam-nos. Produto destes meios, o homem não pode ser
livre e todos os seus atos são determinados, diz ainda Hanon”.195
Afirma que não se contesta a transmissibilidade por herança dos caracteres físicos,
intelectuais e morais. Há transmissão das taras e qualidades morais e intelectuais. Neste
momento ele justifica onde quer chegar com sua teoria.
“Que futuro está reservado a um pais polimorficamente desgenético, sem
profilaxia social, em que o álcool é gênero de primeira necessidade, e onde
cada habitante - como já disse alguém - é uma cultura ambulante de
‘Treponema pallidus’? Faz-se a profilaxia das moléstia mentais, evitando-se
que imbecis, idiotas, epiléticos, etc., tenham descendência”.196
A liberdade humana, para Machado, citando Espinosa, consiste simplesmente em que
os indivíduos têm consciência da sua vontade e não das causas que a determinam. O
conhecimento mediano da constituição do temperamento de um indivíduo e das
circunstâncias em que, ordinariamente, ele se acha, é o quanto nos basta para julgarmos da
orientação do mesmo. O indivíduo de constituição hipertireoidéa, por exemplo, não
possuiria a energia moral de constituição hipersuprarenálica. Ora, os motivos não são
livres, conseqüentemente, os atos também não o são. Nossa vontade - diz, citando Leibnitz
- é semelhante a uma balança, que se inclina, necessariamente, para o lado em que o peso é
maior. Cita Jimenez de Asúa: “o determinismo não nega a vontade, como o fatalismo; o
que não admite é a livre resolução e eleição, que se acham motivadas de um modo forçoso,
pelas representações”. Em uma defesa intransigente do determinismo:
“O nosso domínio sobre nós mesmos é insignificante. Um ato livre sem motivo,
seria uma flagrante exceção ao princípio da causalidade, uma rutura,
‘unbouleversement’ do determinismo universal. Releva notar, ainda que não
basta que um ato tenha a sua causa; é mister, indispensável, que tenha uma
razão que explique a ação dessa causa”.197
195 MACHADO, op. cit. p. 28.
196 MACHADO, op. cit. p. 30.
197 MACHADO, op. cit. p. 32.
115
De tudo quanto foi dito, Machado conclui que “o crime não é uma entidade abstrata,
o produto exclusivo da vontade do criminoso, como a resultante de fatores de natureza
várias, assim como em mecânica, a força resultante é a conseqüência das forças
componentes”.198
Enquanto o grupo associado a Criminologia Clínica se esforçava na busca por
classificações, certos autores desaprovam a classificação rígida dos tipos delinqüentes e
sublinham a individualidade da personalidade humana. Este grupo foi representado pelo
exposto no Código Penal, onde do projeto inicial de Alcântara Machado, foi retirado a
classificação proposta. Segundo Francisco Campos:
“Para a individualização da pena, não se faz mister uma prévia catalogação,
mais ou menos teórica, de espécies de criminosos (...) [por isto] o projeto não
faz classificação especial de criminosos. Na sua sistemática, apenas distingue,
para diverso tratamento penal, entre o criminoso primário e o criminoso
reincidente (genérico ou específico). O projeto Alcântara dividia os
delinqüentes em quatro categorias: ocasionais, por tendência, reincidentes e
habituais. Ora, para a identificação dos ‘tipos’ das duas primeiras categorias,
não há seguros critérios objetivos. (...) O réu terá de ser apreciado através de
todos os fatores, endógenos e exógenos de sua individualidade moral e da
maior ou menor intensidade de sua mens rea ou da sua maior ou menor
desatenção à disciplina social. Ao juiz incubirá investigar, tanto quanto
possível, os elementos que possam contribuir para o exato conhecimento do
caráter ou índole do réu –o que importa dizer que serão pesquisados o seu
curriculum vitae, as suas condições de vida individual, familiar e social, a sua
conduta contemporânea ou subseqüente ao crime, a sua maior ou menor
periculosidade (probabilidade de vir ou tornar o agente a praticar fato previsto
como crime)”. (CAMPOS, 1941. p.17-18)
A função das classificações era distinguir os homens, e esta distinção teórica deveria
ser resultado de uma pesquisa da realidade apreendida. A realidade é a conseqüência de
inúmeros fatores dinâmicos, por isto a classificação deveria obedecer aos critérios desta
dinâmica para ser aceita. As classificações foram várias199 e assim se expressou Nicefor:
“Caracterologia: aludimos, assim falando, às classificações do gênero das que
distinguem os homens, por exemplo, em homens do tipo erótico, ou narcisico ou
coacto; ou em homens introvertidos e extrovertidos, uns e outros subclassificáveis
em sensitivos, intuitivos, sentimentais, meditativos. Ou, ainda,
aludimos às várias subcategorias que vão dos amorfos aos apáticos, passando
198 MACHADO, op. cit. p. 32.
199 Veja no anexo 4 a súmula proposta, em 1941, por Veiga de Carvalho para enquadrar os criminosos em
suas respectivas classificações. A classificação proposta por Carvalho foi a que mais simpatia e aprovação
conseguiu na década de 1940, nas páginas da Revista. CARVALHO, op.cit. p.85-86.
116
pelos nervosos, os sanguíneos, etc., bem como aos tipos de inteligência e
sensibilidade objetiva, de um lado e aos tipos de inteligência e sensibilidade
subjetiva, de outro. Das classificações em moda, hoje em dia, de ciclotímicos
(Sancho Pança) e esquisotímicos (D. Quixote) já não se serviram, em seus
estudos, entre as várias categorias de delinqüentes, alguns dos modernos
psiquiatras e criminalistas?”200
As disputas foram travadas para o reconhecimento destas categorias como
cientificamente válidas. Um outro exemplo da disputa da época, pode ser dado entre os
auto-proclamados adeptos da Escola Italiana e os contrários. Ambos concordavam da
necessidade de uma classificação, mas os termos, como já dito, eram disputados. Como nos
mostra Lessa:
“Os que não aceitam (e são inúmeros) as classificações de delinqüentes feitas
por sectários da escola positiva italiana, não negam, (pois, debalde negariam a
existência de classe de criminosos incorrigíveis), como já dissemos. A Prins,
por exemplo, que repele a classificação da escola antropológica, por a julgar
‘trop absolute’, entende que a classe de delinqüentes defeituosos, ou anormais,
que é preciso sujeitar a regime especial, de preservação, consistente em colocálos
na impossibilidade de perpetrarem qualquer crime. Realmente, a
observação nos mostra que há delinqüentes que não se corrigem nunca, fato
incontestável. Daí a conclusão de que a emenda é fim acidental da pena,
conforme já vimos em Florian: Deve-se procurar corrigir o delinqüente,
quando possível. A consecução deste fim da pena depende especialmente dos
regimes das prisões, da espécie de trabalho, e de educação moral e intelectual,
ministradas aos condenados”.201
Neste caso a disputa estava centrada na existência ou não de cura para os criminosos,
e três possibilidades eram postas: não há cura; há cura e; os criminosos são incuráveis mas
podem ser contidos (reeducados ou tratados). Se a Escola italiana defendia a primeira
opção, Lessa é a favor da última, mas ambos concordavam na necessidade de uma
classificação. A classificação dos delinqüentes era considerada útil por facilitar a aplicação
da pena e medidas acessórias, preveria a reincidência e a consecução do crime. O trabalho
que compete à classificação seria distribuir os indivíduos em gr upos distintos, de acordo
com caracteres comuns e caracteres diferenciais. O fim almejado é a correção, quando
possível, do criminoso. Silvio Marone em artigo voltado diretamente para a classificação
dos criminosos, chega às seguintes conclusões quando ana lisa uma série destas
200 NICEFOR, op, cit. p.108.
201 LESSA. op. cit. p.66.
117
classificações, entre elas a proposta por Veiga de Carvalho: “1º) É útil classificar os
criminosos; 2º) uma classificação de criminosos necessita obedecer às regras gerais de
classificar: ser clara, simples e completa; 3º) a nomenclatura proposta por Veiga de
Carvalho permite uma classificação deste tipo; 4º) é a melhor classificação proposta para
os criminosos.”202
Diz o autor, que o exame, contudo, do crime em si nunca é suficiente para estabelecer
uma classificação de criminosos, a não ser quando essa classificação aceite como base, as
espécies de crimes. O que vai a favor da “Exposição dos Motivos”, do Código de 1940, que
diz que “o que importa, principalmente, é o crime em função do seu autor. Adquire
culminante relevo o motivo, o ‘porque’ do crime”. (CAMPOS, 1941. p. 17-18)
Para Marone o estudo, pois, do crime deve ser acompanhado do estudo cuidadoso
do indivíduo que o praticou. E esse estudo, deve ser feito por médicos das várias
especialidades e por psicólogos, e orientado no sentido de se verificar quais as perturbações
orgânicas e psíquicas de que o delinqüente é portador. Os exames somático e psíquico
permitiriam, também, classificar os criminosos como indivíduos sãos ou doentes, e, estes,
em tantas espécies quanto os tipos mórbidos. Neste caso, ao invés do Código das Leis
Penais, seriam nos tratados de Patologia que se encontraria a taxonomia dos delinqüentes.
Dentro deste critério, dois fatores desencadeariam o crime: elementos inerentes ao
criminoso (elementos biológicos, representados por perturbações somáticas ou psíquicas;
isto é, estruturais, funcionais ou intelectuais) ou; por elementos inerentes ao meio em que o
indivíduo se desenvolveu e vive (elementos mesológicos, representados pela defeituosa
organização do meio, em que evoluiu a personalidade do delinqüente); então, neste caso, é
o crime um ato coordenado como meio, servindo o indivíduo de manifestação sintomática
desse meio, que possibilitou o aparecimento do ato criminoso. Noutras eventualidades, a
associação de ambos estes fatores genéticos. Nas palavras de Nicefor há:
“De qualquer modo, que convir que todas as classificações posteriores não se
afastam muito das antigas da Escola Italiana ou se inspiram, evidentemente em
seus conceitos fundamentais: instintivos, loucos, ocasionais, habituais,
profissionais, políticos (Havelock Ellis), ou: deficientes mentais, psicopatas,
profissionais, ocasionais, evolutivos (M. Parmelee). Em última análise,
chegamos, a cada passo, à velha distinção: delinqüentes endógenos, nos quais
202 MARONE, Silvio. “Considerações em torno da classificação dos criminosos”. Revista de Direito Penal,
RJ, nº 31, fas. I, 1943.
118
prevalecem os fatores individuais bio-patológicos, quaisquer que sejam, e
delinqüentes exógenos, nos quais o impulso é dado pelos fatores ambientais”.203
No que concorda Marone,
“Duma forma geral, não tem essas classificações apresentado sensível variação
nos seus pontos básicos e essenciais. Ainda quando variem as denominações, os
grupos e suas subdivisões, substancialmente têm sido encarados criminosos de
gênese puramente biológica, intrínseca, chegando-se mesmo à abstração do
‘criminosos natos’ de Lombroso, criminosos de gênese puramente mesológica,
extrínseca, e, entre esses grupos extremados, criminosos de gênese mista.
Poderão assumir outra terminologia, mas não terão outra estrutura, enquanto
outros fatores não sejam conhecidos além dos já repisadamente apontados:
mesológicos e biológicos. Assim, devem ser claras, completas, abrangendo todo
o definido e só definido, simples e até oferecendo a possibilidade de certa
previsão; em nosso caso, esta referir-se-ia à perigosidade do delinqüente, sua
reincidência, etc”.204
Aparecido o sintoma (índice legal) é obrigatório, desde que cientificamente encarado
o problema da ação anti-social, proceder-se à avaliação dos índices médico-psicológico e
social, pondo ao serviço dessa avaliação toda soma de conhecimentos que sejam requeridos
para sua aferição. Entre eles, lá estaria o exame médico completo; desde a anamnese até a
última prova de laboratório e o exame psicológico ou psiquiátrico também exaustivamente
levado à cabo.
Mas, o que foi definido como critério rígido variou de autor a autor. A classificação
dos criminosos continuou ainda o ponto máximo na luta contra a criminalidade205, tendo
por base o que se concebia como periculosidade. Em paralelo a esta busca por definições,
outras mais gerais se mantiveram, como por exemplo, a “loucura moral”. Em 1950,
Leonídeo Ribeiro a ela referiu-se como uma:
“expressão utilizada (...) para classificar os indivíduos de constituição
perversa, isto é, aqueles que se apresentam atacados de perversão mórbida dos
sentimentos naturais e das disposições morais, sem desordens aparentes da
inteligência, da percepção e do raciocínio. Regis definiu, com quatro palavras,
as alterações da personalidades de tais doentes: amoralidade, inafetividade,
impulsividade e inadaptabilidade. Dupre narrou a odisséia desses tipos de
perversos constitucionais cuja vida termina sempre por um rosário de conflitos
sociais, sem que apresentem o menor vestígio de sensibilidade moral. É uma
classe de indivíduos que se tornam perigosos para a sociedade onde quer que
203 NICEFOR, op. cit. p. 117-118.
204 MARONE, op. cit. p.12, 15, 25.
205 Nos manuais de Medicina Legal e Criminologia, os autores mostravam claramente a crença em uma
classificação padrão. Veja por exemplo a de GOMES, op. cit. p. 287. Anexo 5
119
estejam, pois não poderão nunca se ajustar ao ritmo da vida em comum, nos
centros civilizados. A este grupo pertencem os sadistas, os masoquistas, os
eróticos, os vagabundos, os toxicômanos e as prostitutas, isto é, os indivíduos
que, desde a infância, se mostram propensos à prática sistemática de atividades
anti-sociais, vivendo em conflito permanente com as leis e os costumes de seu
meio. São os temíveis criminosos reincidentes que nunca poderão corrigirse”.
206
A moral
Norteando as apreciações dos criminólogos, há uma crença na importância dos
valores morais. Embora o crime fosse definido como “um fato reprovável por ser a
violação de um dever de conduta, do ponto de vista da disciplina social ou da ordem
jurídica” (CAMPOS, 1941. p.14), ele era também uma violação da moral social. Esta moral
é associada a elevação humana, ao aperfeiçoamento:
“A ciência não pode ser instrumento da impunidade licenciosa e iníqua, pois
sua missão é o aperfeiçoamento e o bem da humanidade. Não o bem egoístico,
superficial, transitório. Também a lei acolhe o sentimento, procurando-o,
porém nas conveniências orgânicas da coletividade, na experiência dos
corações que não se limitaram à interioridade e se dirigiram para frente e para
o alto, descortinando o panorama da vida na integralidade dos seus horizontes.
Repilamos, a tempo, as abstrações, as sinuosidades, as sutilezas do facciosismo
doutrinário”.207
A preocupação com a moral era inerente a preocupação com o social. Em 1950, o
desembargador Nelson Hungria, externou sua preocupação com a ordem social:
“é inegável que a última Grande Guerra trouxe, para todo mundo, uma
situação de mal estar. Tornou-se mais profundo o desajustamento social,
notadamente em virtude da depressão econômica. Há extensa crise social e
moral. Dir-se-ia que se está quebrando a camada de verniz com que a
civilização conseguiu dissimular os instintos brutais e egoísticos e estes estão
prevalecendo na conduta humana. Desintegra-se, cada vez mais, o espírito de
cooperação, de ordem de paz. Está sendo desmentida até mesmo a afirmação de
que o crime evoluía da violência para o jogo inteligente da fraude. Com a
desmoralização do ambiente social, cria-se ensejo a generalizada atividade
antijurídica, principalmente por parte daqueles indivíduos que são portadores
de ‘minus valia’ psíquica. Do mesmo modo que quando se agita a água
estagnada o lodo vem à tona, também as crises sociais revelam a camada
206 RIBEIRO, Leonídeo. “Loucura moral”. Revista Brasileira de Criminologia RJ,ano IV, n° 10, jan./mar.,
1950. p.101.
207 LYRA, Roberto. “Ciência”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ ano IV, n° 11, abr. /jun., 1950. p.75.
120
latente dos temperamentos rebeldes ou inassimiláveis que nos tempos normais,
se retraem e passam despercebidos”.208
Se a moral e o social caminham juntos, no Brasil a conseqüência é mais trágica do
que na Europa e Estados Unidos. De acordo com Hungria:
“Entre nós, o fenômeno é, ainda, agravado pela estranha política de uma
crescente benevolência para com os criminosos. Ao invés de medidas drásticas,
como há nos Estados Unidos, o que se vê no Brasil são os indultos sucessivos,
os livramentos condicionais prematuros, o tribunal do júri absolvendo os piores
sicários, a prescrição de medidas legais, a até mesmo de cunho constitucional,
para dificultar ou inutilizar a ação policial. Numa palavra: a prática de critério
da mais franca criminofilia. Estamos tendo a criminalidade que merecemos”.209
Neste trecho pode-se observar ainda a máxima, bastante difundida e aceita pelos que
aceitavam como preponderante os fatores sociais, que assevera que cada sociedade tem os
criminosos que merecem, retirando, em parte, o peso biológico do determinismo.
Medidas de segurança
Desta supervalorização dos valores morais resulta a apreciação do dever da sociedade
em relação ao delinqüente e tratou-se de efetivar as medidas existentes, negando-se a
empregar medidas de segurança contra aquele como simples instrumentos administrativos.
Como foi estabelecido no Código:
“Este criterium de política criminal, pairando acima de radicalismos de
escolas, está hoje definitivamente introduzido na legislação penal do mundo
civilizado. (...) as medidas de segurança não tem caráter repressivo, não são
pena. (...) São medidas de prevenção e assistência social relativamente ao
‘estado perigoso’ daqueles que sejam ou não penalmente responsáveis,
praticam ações previstas na lei como crime. (...) O projeto seguiu o modelo
italiano. A medida de segurança só é aplicável post delitum e pressupõe, além
disso, a periculosidade do agente. A periculosidade, em certos casos, como já
foi acentuado, é presumida júris et jure. Fora daí, terá de ser averiguada pelo
juiz. Por sua própria natureza e fim, a medida de segurança pessoal é imposta
por tempo indeterminado, isto é, até que cesse o “estado perigoso’ do indivíduo
a ela submetido. Está ela subordinada, estritamente, na sua própria
necessidade, cuja medida é a periculosidade do individuo (...)”(CAMPOS,
1941. p. 22)
Ao contrário da pena que segundo Lessa tem
208 HUNGRIA, Nelson. “Criminologia”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano IV, n°11, abr/jun, 1950.
p.212.
209 HUNGRIA, Nelson. “Criminologia”. op.cit 1950. p. 212
121
“além do fim essencial de servir de exemplo, de intimidar, de oferecer motivo
que propulse a vontade dos homens, afastando-os do crime, e do fim acidental
de corrigir, sempre que possível, o criminoso (...) A pena ainda deve
desempenhar a função de eliminar os delinqüentes defeituosos ou anormais, de
impossibilitá-los para a prática do crime, processo de seleção artificial
aplicável a todos os criminosos incorrigíveis, mas somente a esses, e por isso
mesmo, limitado, pelo que não constitui um fim essencial da pena”.210
As medidas de segurança visavam conter e corrigir os criminosos, de acordo com o
Código, e muitos pregavam pelo fim punitivo destas medidas, mas aceitavam a pena em sua
forma e objetivo
“indaga-se quem foi a causa de crime para o fim de imputar o crime a
determinada pessoa; imputa-se crime a determinada pessoa, para o fim de
torná-la responsável por crime, de fazê-la responder no momento do ajuste de
contas, ou sujeitá-la às conseqüências do crime, isto é, às penas cominadas pela
lei; sujeita-se o homem delinqüente às penas da lei, porque é meio
indispensável para a conservação da sociedade; consegue-se conservar a
sociedade por este meio, impondo ao criminoso mal, sofrimento, um tratamento
jurídico especial, de que é elemento necessário a dor, física ou mental, porque
assim se afastam outros indivíduos da perpetração do crime, e os próprios
delinqüentes da reincidência; visto como o sofrimento cominado e aplicado
constitui motivo, idéia, representação, acompanhada de emoção, a atuar
constantemente no mecanismo da nossa vontade”.211
Mas contra elas vinham propostas, como a escrita por Lyra.
“O castigo é o remédio mais antigo, mais caro, mais usado. Sua ineficácia está
mais do que provada, diante das ‘ondas’ que se agitam à flor dos oceanos,
sobretudo sob as tempestades. O fato social não é o crime, mas a criminalidade.
Não se trata do inorgânico, nem do orgânico, porém do super orgânico”. 212
Neste sentido, as definições do que seria o louco, psicopata, criminoso e o doente se
tornavam mais que necessárias. Várias foram as definições que concorriam para solucionar
este problema. Em 1948, foi reeditado na Revista, por Lyra, uma definição dada por
Peixoto em 1930, que dizia que:
“Não importa que a víscera doente seja o cérebro, o órgão da vontade, da
inteligência, da consciência; só será alienado aquele cujo sofrimento o torne
incomportável no meio social. Porque há ‘doidos mansos’, há até ‘doidos com
210 LESSA. op.cit. p.67.
211 LESSA. op.cit. p.67
212 LYRA, Roberto. “Atualidades Criminológicas: palavras à imprensa”. In: Revista Brasileira de
Criminologia. RJ, ano IV, nº 11, abr. / jun., 1948. pp. 5-15. p.06
122
juízo’. Isso não entende com a medicina, entende apenas com o direito que os
protege, mas nada tem que ver com a alienação mental, se não são anti-sociais;
é o caso do paranóico, do indivíduo que se considera de rara inteligência,
possuidor de dons e de direitos superiores e, quando os outros não reconhecem
o seus predicados, chega até à reação violenta. É uma das espécies de ‘doidos
com juízo’, raciocinam certo, sobre premissas erradas. Um indivíduo que
pratica atos extravagantes contra a disciplina social, sem motivação razoável,
atinge à ordem pública, perigoso para si e para os outros, esse é alienado e não
devia a sociedade esperar-lhe o crime para dele se defender, e defendê-lo de si
mesmo ou da vendeta pública, para o tratar, onde todos estejamos garantidos
contra eles. Tal o conceito de alienação mental. A ‘idiotia’ já não é social, se
não médica ou teratológica. Idiotia é a disgenesia, aparada, ou o atraso de
desenvolvimento, que tornou peco, abortício, deficitário de mente e, às vezes, de
corpo, o ente humano. Esse idiota é capaz de crimes, pode oferecer reações
anti-sociais: tal é exibicionista; tal atenta contra o pudor; tal ateia incêndio.
Não é propriamente louco – doente de processo patológico ativo – mas doente,
ou melhor, enfermo, de processo patológico crônico, ou sem segmento, sem
cura também, apenas relativa disciplina, quartos, oitavos, frações de mente
humana, que não podem, nas suas relações sociais, ser julgados normais,
íntegros e, quando tais relações são anti-sociais, injusto seria, serem
considerados criminosos e então passíveis de pena.”213
Nesta busca por definições, as causas possíveis do crime foram equiparadas. Os meios
de comunicações também receberam a sua parcela de culpa. A reprodução das reportagens
jornalísticas e fotográficas (como cinematográficas), de dramas criminais, foram aditadas
como responsáveis por influenciar sujeitos ao crime, o que foi chamado de simbiose do
delito. 214 Como tema polêmico, muitas foram as opiniões, alguns pregavam a censura a
imprensa.215 Sobre isto ponderou Lyra:
“ é preciso combater o sensacionalismo sensacionalmente e, não, ofendendo a
liberdade da imprensa e a técnica jornalística. Não há propaganda do crime.
Raros são os casos em que o repórter apresenta o criminoso (então, há, apenas,
o acusado) simpaticamente. O comum é injuriá-lo com os levianos e precitados
epítetos de bandido, celerado, monstro, fera... (...) Ninguém comete crime
somente porque outrem, o fez. Nem haveria como evitar a imitação. É preciso
que se reúnam outras condições desde a receptividade anômala ao ‘fiat’ social.
A mais discreta, a mais lacônica, a mais cuidadosa notícia poderá deflagrar o
fenômeno. Notícia de jornal, como de vizinho ou doméstico. Por maior que seja
o isolamento. Por mais sigilosos e convenientes que sejam os próximos.
213 PEIXOTO, Afrânio (O Globo, de 23–10-30). In:: Revista Brasileira de Criminologia , RJ, ano IV, n°11,
abr. /jun., 1950. p.73.
214 NICEFORO , op. cit. p. 124.
215 FERREIRA, Otacílio. “A sugestão e o contágio criminal pelo cinema e pela imprensa – reprodução gráfica
do crime – influência da imitação”. Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano I, n/] 2, abr. / jun., 1947. pp.
291-297.
123
Sensacional é a vida. Sensacionalista é o leitor doentio que arregala os olhos
até com a estrelinhas e as reticências. Agora, fazer apologia de crime ou de
seus autores é crime. Quem romanceia, quem canta, quem santifica muitos
criminosos é o povo”. 216
Há no interior destas disputas um interesse em definir o campo do “sistema mnoderno
de política criminal”. Neste sistema, os meios de manejar os delitos deveriam ser
concebidos como um sistema de proteção da sociedade contra os fatos delituosos, obtido
por meio de um conjunto de medidas que geralmente estava fora do âmbito do Direito
Penal e estava delineado para neutralizar o delinqüente, seja removendo-lhe, segregandolhe
ou aplicando- lhe métodos educativos ou reabilitadores.
Neutralização do delinqüente e a defesa social
Segundo Campos o Código Penal de 1940, tem por objetivo geral a punição dos que
delinqüem contra a ordem moral, social e , acima de tudo, jurídica:
“Na fixação do pressuposto da responsabilidade penal [existem] três sistemas:
o sistema biológico, o método psicológico, [e o] método biopsicológico. [o
primeiro] que é inculcado pelos psiquiatras em geral, não merece adesão, [o
segundo] é por sua vez inaceitável [o terceiro é] o mais aconselhável, de todos,
[por ser ele] misto. O termo mental é relativo a todas as faculdades psíquicas,
congênitas ou adquiridas, desde a memória à consciência, desde a inteligência
à vontade, desde o raciocínio ao senso moral. [Preocupando-se com os]
‘fronteiriços’ (anormais psíquicos, psicopatas) [citando Wunderdinge, afirma
que ] a sujeição destes a castigos, para corrigir-lhes o caráter indisciplinados,
opera resultados maravilhosos. A formula do projeto virá aumentar a certeza
geral da punição dos que delinqüem, tornando maior a eficiência preventiva da
sanção penal, não somente em relação ao homo typicus como em relação aos
psicopatas, que são, sem dúvida alguma, intimidáveis”. (CAMPOS, 1941. p. 14-
16)
A certeza da punição e a eficiência preventiva são o carro-chefe de uma política
criminal que está a busca de se antecipar ao crime, como nos mostra Francisco Campos: “A
embriaguez habitual faz presumir, júris et de jure, a periculosidade o agente, para o efeito
de aplicação de medida de segurança adequada” (CAMPOS, 1941. p. 14-16). As
condições de vida, os meio-sociais deveriam ser considerados, e aí a Psiquiatria lutou para
ter um espaço privilegiado:
216 LYRA, Roberto. “Sensacionalismo”. Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano IV, vol 11, abr/jun,
1950.
124
“A psiquiatria não tem só aspectos individuais e procura também muitas das
explicações das reações mórbidas da personalidade na influência maléfica de
certos meios sociais e de certas condições de vida. O alentado capítulo das
‘psicoses de reação’ e das ‘psicoses de situação’ é bem uma prova de que os
psiquiatras consideram o etiologismo externo das reações mentais patológicas,
inclusive das que levam à delinqüência.”217
São vários os casos que mostram a tentativa de controle pela Psiquiatria, tentando
afirmar um espaço dentro deste novo sistema criminal, sobretudo buscando reabilitar e
educar os indivíduos. Embora esta Psiquiatria fosse também criticada, como reconhece, e se
defende, o psiquiatra Heitor Carrilho:
“é noção corrente entre os leigos de que em psiquiatria é mais fácil classificar um
indivíduo do que desclassificá-lo. Não é difícil, a quem possui tirocínio e um pouco
de especialização psiquiátrica, afirmar a recuperação da saúde dos doentes
mentais”.218
Os endocrinologistas também gozaram de um espaço para diálogo no interior da
Criminologia. Um espaço nem sempre estável e reconhecido, mas marcado por um
relacionamento muito próximo com a Psiquiatria. Um interessante exemplo desta interação
foi o caso de inversão sexual esmiuçado à luz “das modernas aquisições endocrinológicas”
e publicado na Revista. Neste caso há uma tentativa e exemplicação do percurso médico
para o atestado de periculosidade, e de levantamento da personalidade de um criminoso. Os
autores começam fazendo um histórico do caso. Dizem que E. R., preta, brasileira, solteira
vinte e cinco anos de idade e exerce a profissão de cozinheira. O pai da paciente faleceu
com as “faculdades mentais perturbadas, apresentando idéias delirantes megalomaníacas,
o que faz suspeitar ter sido atacado de paralisia geral”. A mãe era viva. Não há referências
a abortos, ou a existência de outros casos de psicopatia na família. Nasceu prematuramente,
sete meses. A paciente não menciona doenças ocorridas na infância. Menstruada aos onze
anos, teve, a partir de então, regras irregulares e escassas. Fuma cigarro e procura assumir
atitudes e gestos masculinos, o que realiza com perfeição.
“Ambiciona praticar o serviço militar, pois tem grande desejo de envergar uma
farda. Mandou confeccionar fato bem talhado, de cor cinza, em alfaiate,
alegando desejá-lo para o carnaval, mas com ele se veste e logra imiscuir-se
em roda de rapazes, com os quais percorre conventilhos, bebendo em
217 CARRILHO, Heitor. “Psiquiatria”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano III, n°9, out./dez., 1949.
218 CARRILHO, Heitor. “Psiquiatria”. op.cit. 1949.
125
companhia de mulheres, contando proezas e vangloriando-se de suas valentias,
sem que desperte a menor suspeita do seu verdadeiro sexo, quer por parte dos
homens, quer por parte das mulheres. Lamenta não lhe ser possível usar sempre
trajes masculinos, que a impediriam de conseguir emprego fácil. Além do mais,
teme complicações com a polícia”.219
Após a descrição geral da paciente, os autores logo passam ao exame somático da
paciente. Dando como resultado que ela é uma mulher de cor preta, de estatura mediana,
tipo normo-esplâncnico; nenhuma anormalidade no hábito externo; pêlos abundantes, com
distribuição, ao nível do púbis e do abdome, do tipo masculino. Esboço de bigode e de
barba. Tecido celular subcutâneo e panículo adiposo abundante e de tipo feminino. A
cabeça, característica da raça preta, sem outras particularidades dignas de nota. O pescoço,
tórax, abdome, membros superiores e inferiores, aparelho respiratório, aparelho
cardiovascular, aparelho digestivo e glândulas anexas, aparelho gênito-urinário sem
anormalidades, nada digno de menção, a não ser a distribuição pilosa já assinalada.220
Complementando estes exames, outros são encomendados ao laboratório, Instituto
Butantan, realizados pelo Dr Thales Martins, com intuito de auxiliar na precisão do
diagnóstico. Revelaram a ausência de foliculina no sangue e a quantidade de hormônio
masculino foi encontrada dentro dos limites normais. O Exame neurológico não acusou
desordens da esfera neurológica. O Exame psíquico avaliou a paciente como calma e bem
orientada: vai à consulta “de ‘moto próprio’, convencida de que necessita, se não curar,
pelo menos melhorar as tendências que apresenta já acima relatadas”.221
Junto a estes exames vem destacada de forma tão, ou mais importante, a impressão do
médico:
“A paciente tem cultura rudimentar, é de inteligência pouco desenvolvida,
podendo-se considerá-la como um débil mental mitigada. É patente a ausência
de autocrítica, o que se consigna no modo desenvolto e cínico com que
menciona suas aventuras. Enverga trajes masculinos, toma atitudes de homem,
coleciona fotografias de mulheres, tendo já obrigado algumas de suas vítimas a
se fazerem fotografar despidas para presenteá-la com retratos que coleciona e
dos quais segundo ela informa, se utiliza para decorar as paredes de seu
quarto. Tem a pretensão de realizar tudo quanto os homens são capazes,
inclusive o ato a micção, podendo até ut ilizar-se dos mictórios dos homens.
219 SILVA, A. C. Pacheco; MATTOS, Olyntoho de. “Um interessante caso de homossexualismo feminino”.
Revista de Direito Penal, RJ, nº 31, fasc. I, 1940. p. 30-32
220 Silva, A. C. op. cit. p.32-33.
221 Silva, A. C. op. cit. p.32-33.
126
Conta não ter o menor receio em andar às dez horas sozinha, pois não tem
dúvida em repelir, a socos, qualquer aproximação masculina. Embora se
empregue como cozinheira, é inconstante nos empregos, mas diz não passar
privações, pois que recorre ardilosamente a vários subterfúgios, sobretudo
escrevendo à sua progenitora, que mora no interior, narrando situações
desesperadoras e conseguindo assim extorquir tudo quanto a mesma aufere em
trabalhos árduos. Todavia, conserva ainda certo controle sobre as suas ações,
pois diz ela que o único freio que impede de agir mais desembaraçadamente é o
medo de se ver envolvida em casos policiais, pois tem a certeza de que muitas
das suas vítimas perderam a virgindade. Concorda na sua situação anômala e
pede aos médicos que, se houver um processo capas de lhe definir um sexo,
opta, sem hesitação, pelo masculino. Curioso é o fato da paciente não ter
leituras ou conhecimentos relativos à sua perversão, convivendo em meio
inculto. Certo dia, um médico lhe perguntou se já ouvira falar em FREUD. A
paciente, depois de refletir alguns momentos, disse que conhecera em sua terra
um Sr Fróes, indagando se seria o mesmo. O sentimento de pudor subsiste, mas
muito mais relativamente ao próprio sexo que ao oposto. Tal fato ficou
perfeitamente comprovado na observação que relatamos: certo dia em que
pedimos a doente que se despisse, pois que desejávamos examiná-la, estavam
presentes vários clínicos, entre os quais uma médica. A doente relutou e muito
pudicamente apontou a nossa colega, dizendo – Na presença dela não posso. A
colega se retirou e a paciente não teve relutância em se despir”.222
Como resultado os autores expõem ser um caso de ginandria, o grau mais acentuado
de homo-sexualidade. Trata-se aqui de mulheres de órgãos genitais femininos, mas que são
absolutamente viris nas suas sensações, no seu modo de pensar, nos seus atos e no seu
exterior. Destacando as pesquisas realizadas no Instituto Butantã, revelado a ausência
completa de foliculina no sangue.
“A quantidade de hormônio masculino foi encontrada dentro dos limites
normais. Até que ponto a inexistência de foliculina no sangue influi sobre o
estado psíquico da doente, gerando a sua inversão sexual? Eis aí um ponto de
grande interesse e que demonstra a necessidade de se estudar também o homosexualismo
feminino, sobre o aspecto endocrinológico, como já se tem feito com
os casos de homo-sexualismo masculino. No caso que serviu de base aos
comentários que acabamos de fazer, encontramos: 1º) manifestações somáticas
(androginia), físicas de intersexualidade (estas pouco acentuadas); 2º)
manifestações intersexuais relativas ao instinto sexual – homossexualidade e
transitoriamente bissexualidade e 3º) manifestações psicológicas –
travestismo”.223
222 Silva, A. C. op. cit. p.33-36
223 Silva, A. C. op. cit. p.36-39
127
O homossexualismo e travestismos são justificados pela ausência de foliculina no
sangue. A Endocrinologia, então, cumpriu seu papel, criando a ponte necessária entre os
distúrbios hormonais e comportamentais. Todos aqueles itens da súmula proposta por
Carvalho (em anexo) foi seguida, e embora ainda não estando presa por seduzir e
desvirginar moças, é uma personalidade desviante devido a distúrbios hormonais, é
definida como uma endocrinopata. O seu estado perigoso foi contido pelo medo da polícia,
mas a ela outras medidas de segurança deveriam ser tomadas.
Para aqueles que acreditavam no biodeterminismo, estava havendo na década de 1940
uma crescente humanização ao novo Direito Penal, que por sua vez só era possível com a
compreensão científica do fenômeno delituoso e na personalidade delinqüente.
A idéia de defesa social estava imbricada na noção de periculosidade. O delito não
era somente uma entidade abstrata de ordem jurídica, mas também um fenômeno social de
caráter patológico influenciado por fatores congênitos ou adquirido como demonstra o caso
acima exposto. A luta deveria ser antecipada mediante a investigação científica de tais
causas. Embora sem uma classificação dos delinqüentes e sem uma participação tão intensa
dos psiquiatras como eles achavam que tinha que ser, o Código incorporou além das
medidas de segurança a idéia de periculosidade. No código assim figuravam estes termos:
“Não se contenta o projeto, no que respeita às condições prévias do livramento,
em exigir o bom comportamento do condenado na prisão: é também preciso que
se verifique a cessação de sua periculosidade. O critério da lei atual, de fazer
presumir a regeneração pela simples circunstância de submissão à disciplina
carcerária é demasiadamente simplista (....). Uma vez verificada a cessação da
periculosidade, que é a ratio essendi da medida de segurança, é lógico que esta
seja abstraída, para o efeito do livramento, e declarada extinta, juntamente com
a pena, se o liberado não falta ao adimplemento das condições”. (CAMPOS,
1941. p. 20-21)
Em nome da defesa social, a readaptação seria a meta, nos casos possíveis, buscando
eliminar ou diminuir a reincidência. No código estava escrito que “a eliminação da
reincidência é o grande problema” (CAMPOS, 1941. p. 20-21), e que o “tratamento a ser
dado ao criminoso deve necessariamente fundamentar-se em princípios de readaptação
128
social inspirados na defesa social, ao invés de no já vetusto, sanguinário e anticientífico
método da reparação do mal pelo mal”.224
Mas havia resistência a estas idéias. Segundo o pensamento de Lessa, um pouco
distante da maioria, a punição deveria estar atenta a defesa social, mas ao contrário da
grande maioria, ele afirmou que, sua medida deveria ser proporcional do mau causado e
não o que prescreve individualmente os técnicos criminais ao juiz:
“Como bem observa PRINS, as únicas teorias admissíveis no período
contemporâneo da ciência do direito penal, são as que consideram o direito de
punir, não como direito absoluto, mas como direito relativo de defesa social e
de proteção social, direito cujo fim é a proteção dos interesses”.225
Como a maior preocupação do período era com a reincidência, havia uma prioridade
ao problema do estado perigoso e às medidas de segurança, como preceitua o Código, “se
se tratar de indivíduo perigoso, será aplicada uma medida de segurança, ou, mais
precisamente, a liberdade vigiada” (CAMPOS, 1941. p. 17). Esta medida veio, como já
dito da influência do Código e pensamento italiano, chamada de teoria sintomática. Nas
palavras de Francisco Campos: “Fez-se, porém, uma concessão à teoria sintomática:
verificada a periculosidade do agente, ser-lhe-á aplicada medida de segurança”
(CAMPOS, 1941. p. 10). Assim o Código define o público alvo de seus artigos:
“Se fosse permitido invocar como escusa a ignorância da lei, estaria seriamente
embaraçada a ação social contra o crime, pois ter-se-ia criado para os
malfeitores um pretexto elástico e dificilmente contestável. (...) Aos piores
delinqüentes, quase sempre originários das classes sociais mais desprovidas de
cultura, ficaria assegurada a impunidade”. (CAMPOS, 1941. p. 12)
Por mais que ponderações fossem feitas para efeito de execuções, tendo ou não causas
bio-psicológicas envolvidas, a punição e as medidas de segurança eram os itens finais do
Código:
“Poderemos como ecléticos admitir duas grandes estradas: a primeira, que
todo criminoso é ou está enfermo do espírito, a segunda, que há criminosos que
devem ser condenados, segundo as leis, para garantia do direito, da moral, em
síntese, da sociedade”.226
224 MACIEL FILHO, Enrico. “Ciência e política”. Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano IV, nº 17, out.
/ dez., 1950. p. 49-51. p.51.
225 LESSA, Pedro. “O determinismo psíquico e a imputabilidade e responsabilidade criminais, (1907)”.
Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano IV, nº 17, out. / dez., 1950. pp. 60 – 67. p. 64.
226 AUSTREGÉSILO. op. cit. p.34.
129
Aos primeiros são reservadas as medidas de segurança, associada, ou não, a pena. Aos
segundos somente a pena.
Em paralelo a reincidência, um outro tema caro ao período foi o aumento da
criminalidade, fruto dos progressos sociais e tecnológicos e da diminuição da moral.
Muitos foram os artigos na Revista a este respeito, como o de Madureira de Pinho, que
enumerou os fatores que levaram ao aumento da criminalidade, em seu discurso pode-se
ver a preponderância da causalidade sociológica diferente, por exemplo, ao biologismo de
Austragésilo.
“Ora, esses motivos são os mais diversos e os mais contraditórios e
perturbadores: Há inegavelmente os de ordem biológica, criando no
desconcerto orgânico um dos pressupostos de um comportamento excepcional e
contrário às convenções e aos interesses da maioria; Há também, e de forma
evidente, os fatores de ordem social: as injustiças, os privilégios e a luta
conseqüente das classes cujos interesses se opõem. Em poucas palavras, o
pauperismo, o sofrimento, as privações de toda ordem em confronto com o luxo,
o esbanjamento e o epicurismo de uma minoria afortunada, insensível e, diria,
insensata, criam um ambiente propício à eclosão do desespero pela
violência”.227
Enquanto, à partir de 1948, avolumaram os artigos e notas sobre o aumento da
criminalidade, poucos foram os que se recusaram em ver o problema desta forma. Uma
exceção a esta percepção foi dada por Lyra, que naturalizou a constatação a seu ver
equivocada:
“A respeito do ‘aumento da criminalidade’ tenho lido, ultimamente, tanta coisa
ligeira e vulgar, que é preciso voltar aos elementos. Se tomarmos qualquer
período, mesmo sem a ação de causas agudas, e compararmos a cifras da
respectiva ‘criminalidade’ às do período subseqüente, necessariamente haverá
aumento”.228
Raça e classe social
Na década de 1940, a Criminologia não abandonou o termo raça e suas implicações,
mas influenciada pelo contato com as ciências sociais atentou a outras situações fora da
área biológica, como por exemplo: a condição social. Suscitando assim alguns debates. Um
227 PINHO, Madureira de. “Aumento da criminalidade”. Revista Brasileira de Criminologia, RJ, ano V, nº 17,
out. / dez, 1951. pp. 15 – 17.
228 LYRA, Roberto. “Atualidades criminológicas: palavras à imprensa”. op.cit., 1948. p. 15.
130
caso interessante ocorreu em 1939, envolvendo diferenças de raça e classe, como o título
alerta. Quem narra é o advogado Vitório Tolomei.
Em processo, por crime de sedução, no Rio de Janeiro, alegou que o réu nunca
namorara a ofendida “mesmo porque – acrescentei – ela é de cor e o respondente àquela
época namorava outra moça com intenção de casamento. A ofendida é de cor parda, quase
preta, e o acusado é de cor branca e de condição social diversa”. 229 Circunstâncias tão
relevantes que o tribunal de apelação assim se manifestou: “A circunstância mesma de
insistir nesse namoro, não obstante haver diferença de condição social e de cor, entre ela e
o acusado, põem em relevo a ausência de sedução”.230 O acusado foi absolvido por
sentença em 1947.
O fato seria mais um corriqueiro, caso o autor não tivesse achado importante
confrontar a sentença com a teoria de um jurista qualificado, no caso Roberto Lyra:
“Relendo ECONOMIA E CRIME, do prof. Roberto Lira, fixei esta passagem:
‘A Terceira Câmara da Corte de Apelação, em sessão de 10 de janeiro de
1925, decidiu pela não credibilidade da promessa de casamento feita entre
pessoas de condição social diversa”. Com base nesse acórdão, foi absorvido
um estudante de medicina, ‘moço de sociedade’, que deflorara a filha de uma
cozinheira. O advogado do réu sustentou que a condição social da ofendida e
do acusado demonstra, perfeitamente, que ela nunca poderia acreditar em
promessa de casamento. Um dos desembargadores julgou incrível a seriedade
da promessa, ‘tal era a diferença de raça e condição social entre os dois’.
Proclamam-se assim, dois preconceitos: - a desigualdade de raça e de classe.
Fala-se em moço de família, expressão sem sentido contemporaneamente, pois
o pobre também tem família e pode ser um moço de família. Aliás,
psicologicamente, a sedução prevista na lei deveria ser mais forte, pois o
romance e o cinema enchem de ilusões os espírito das moças pobres sobre esses
príncipes encantados que surgirão para eleva-las do nada à imensidade do
conforto e do amor. A nobreza russa se encontra hoje, em Paris, distribuída
pelas casas e pelos cafés, entregues aos afazeres grosseiros de criados de
servir. No entanto, são moças de família.(Rio, 1933, pp52 e 53)”.231
Investindo na controvérsia, insiste: “está situada a controvérsia entre
jurisprudência e a doutrina. Que se pronunciem os mestres!”.232 Embora o caso não tenha
229 TOLOMEI, Vitório. “Raça e Classe no Crime de Sedução”, Revista Brasileira de Criminologia, ano III,
jan. / mar., 1949, nº 6. p. 36-37.
230 TOLOMEI, op. cit. p. 37
231 TOLOMEI, op. cit. p.37-38
232 TOLOMEI, op. cit. p.38.
131
continuado, pelo menos nas páginas da Revista, a temática continuou. No mesmo ano, o
jurista Heleno Fragoso falando sobre raça, retorna ao assunto:
“Esclarece Bonger, que se deve ter sempre em mente que a quantidade de
crimes realmente punidos nas diferentes classes ou comunidades, pode não ter
uma razão fixa ou invariável com a quantidade de crimes cometidos. Quer
dizer, por exemplo, que os crimes cometidos pelos negros são mais
freqüentemente perseguidos do que aqueles cometidos pelos brancos. Os negros
são menos capazes de bem defenderem legalmente, pois mais freqüentemente
eles não estão em condições de conseguirem um bom advogado e são mais
prontamente sentenciados à prisão. Desta forma, os números devem ser olhados
com reserva. Von Hentig, afirma que seria inteiramente incorreto basearmos
nossos julgamentos sobre a cifras da prisões, porque em grande parte elas não
levam à condenação. Há menos condenações de negros presos do que de
brancos, mesmo sabendo-se que o negro é menos capaz de assegurar boa
defesa, sofrendo os efeitos da discriminação. É que o negro é considerado um
criminosos em potencial, sendo preso com facilidade à menor indicação”.233.
Dois anos depois Afonso Arinos torna a escrever sobre o assunto.
“A tese da superioridade física e intelectual de uma raça sobre outras, cara a
certos escritores do século passado, como Gobneau, encontra-se, hoje,
definitivamente afastada, graças às novas investigações da Sociologia e da
História. Ninguém sustenta, atualmente, a sério, que a pretendida inferioridade
dos negros seja devida a outras razões que não ao seu ‘status’ social, e que a
influência política, por vezes considerada nefasta dos judeus, tenha outra causa
se não o isolamento político e a perseguição racial que há milênios atormentam
esta velha nação”.234
Alertando sobre o exemplo dos Estados Unidos onde o radicalismo é a norma, quando
se trata de preconceito racial, continua o autor:
“Estamos muito em tempo para corrigir, por meio de uma sábia política
legislativa, os malefícios do preconceito de raça ou de cor que começa a tomar
corpo entre nós, apesar das defesas constitucionais. Na verdade, não se
considera hoje, mais a lei apenas como expressão de uma necessidade coletiva,
ou (segundo opinava a chamada Escola Histórica do Direito), como a fixação
jurídica da evolução histórica de determinado povo. A lei é hoje, muitas vezes,
um eficaz instrumento de antecipação e de orientação da evolução social,
promovida pela razão moral e pelo imanente sentimento da justiça. Nesses
termos é que propomos a adoção de projetos para que a lei deles decorrente
sirva como instrumento de transformação da mentalidade racista que se
233 FRAGOSO, Heleno. “Raça”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ ano III, nº 9, out. / dez., 1949
234 ARINOS, Afonso. “Preconceito de raça ou de cor”. Revista Brasileira de Criminologia. RJ, ano V, nº 17,
out. / dez., 1951. pp. 24 –26. p. 25.
132
denuncia entre nós, principalmente nas altas esferas sociais e governativas do
país, com seguras e graves conseqüências para a paz social futura”.235
As diferenças sociais como motor dos conflitos, e não simplesmente fatores
biológicos, é mostrada na crônica de Rubem Braga, reproduzida na Revista.
“Um fazendeiro rico e um bicheiro talvez ainda mais rico, são presos e
processados; mas lá dentro gozam de privilégios especiais, que só se explicam
pelo fato de serem ricos. Essas coisas são das que irritam e fazem mal ao
povo. O homem da rua, tomando conhecimento de uma coisa assim, através
de uma polêmica entre autoridades, sente mais uma vez que ele não vale
nada; que, nesta democracia singular, ‘vale quem tem’. Há uma Polícia e
uma justiça para os ricos e outra para os pobres. Isso não é novidade. Mas a
comprovação disso em dois casos concretos e públicos merecia o registro do
cronista. São essas desigualdades como doenças que parecem entranhadas na
própria natureza de nosso regime social; são elas que o desacreditam, que o
minam e que um dia o matarão por indecente e ruim”.236
A década de 1940 fecha com este aumento da percepção para o social. Predominando
nos últimos anos uma crença nos fatores mistos na definição de um criminoso. As
condições sociais trabalhariam como catalisadores das predisposições dos indivíduos. A
década seguinte, segundo SOARES (1986) foi marcada pela forte influência dos socialistas
no pensamento criminológico o que não significou um abandono dos fatores biodeterministas.
Ainda, no começo dos anos de 1950, é possível encontrar artigos sobre os
índices da periculosidade dos indivíduos e a conseqüente possibilidade de enquadrá- los em
classificações científicas.
235 ARINOS, op. cit. p. 26.
236 BRAGA, Rubem (“Diário de Notícia”, 3 – 4- 49). “Ricos e pobres” In: Revista Brasileira de
Criminologia. RJ. ano III, nº 9, out. / dez., 1949.
133
Considerações finais:
Ficaram abertas diversas questões que aprofundariam o conhecimento sobre este
campo científico e que necessitariam de um estudo de maior fôlego, pois envolvem áreas
distintas à Medicina Legal e ao Direito Penal. Como por exemplo, o entendimento da
concepção “constitucionalista” da Endocrinologia a que fizemos referência, mas que
mereceria um aprofundamento em suas questões e implicações. Outro exemplo pode ser
dado quanto aos intercâmbios destes profissionais em congressos, revistas e associações
não só os de Criminologia, mas também de áreas conexas. Alguns destes autores eu
encontrei em congressos voltados para odontologia e, até, sífilis. Outras questões seriam:
qual o grau de continuidade e de intensidade das teorias oriundas do século XIX?; Quais as
estratégias utilizadas pelos seus profissionais para se apropriar destas teorias? Um outro
caminho que poderia também ser percorrido seria quanto as implicações institucionais
destas discussões: além do Código de 1940, quais foram as concretizações institucionais
destes debates?; quantas e quais as mudanças concretas no cotidiano dos detentos e internos
(Penitenciárias e Manicômios)?; qual a relação travada entre estes profissionais e o
governo?; qual a relação entre as discussões dos criminólogos com a formação das escolas
de polícia?
Foi consenso na década de 1940 a crítica ao determinismo biológico, pois este foi
associado a um período já ultrapassado pela Ciência, onde as idéias de Lombroso
figuravam hegemonicamente. A idéia de predisposição biológica foi, entretanto,
largamente utilizada.
A Criminologia enquanto bloco unívoco não existiu, internamente seus profissionais
(policiais, advogados, médicos, psicólogos, penitenciaristas) se organizaram em grupos
dinâmicos com intensa movimentação. No interior da Revista pode-se encontrar dois
grandes grupos de juristas, figuras predominantes na Revista: o primeiro, associado às
figuras de Hungria e Evaristo de Morais, estava fechado a um diálogo com outras
disciplinas que não ao Direito Penal; o segundo por sua vez, estava aberto ao diálogo e
reconhecia a importância para o Direito deste tipo de atitude. Ambos os grupos
reconheciam a necessidade do estudo da figura do criminoso, a discordância era quanto a
intensidade e proximidade destes estudos com o Direito Penal.
134
Direcionei minha atenção ao segundo grupo, em seu interior encontrei três correntes
de pensamento: a primeira, que se tornou mais forte e definida apenas na segunda metade
da década de 1940, trabalhava com a idéia de igualdade entre os fatores biológico e
sociológico como preponderantes na definição dos criminosos. Embora esta concepção
estivesse presente na Revista desde a década de 1930 e fosse divulgada desde antes,
somente neste período os artigos mostraram uma real preocupação com este meio-termo,
até então, na maioria dos artigos, a consideração com os dois simultaneamente era mais
teórica do que prática como pode-se ver nos resultados de pesquisa (GODOY, op. cit). O
segundo grupo trabalhava com a idéia da preponderância dos fatores sociais. Este grupo é
representado por Lyra, Clóvis Bevilacqua, P. E. de O. Carvalho, e tem na Socio logia a
tábua mestra para uma real compreensão do fenômeno criminal. E por último, o grupo que
dei mais ênfase em minha pesquisa, que acreditava na preponderância dos fatores
biológicos na determinação da personalidade criminosa. Este grupo estava associado a
pesquisas em presídios, laboratórios e clínicas, e por isto os autores fazem referência a eles
como Criminologia Clínica. São profissionais da Psiquiatria, Endocrinologia, Medicina
Legal, Neurologia e Biotipologia (Antropologia Criminal). Estão associados a este grupo:
Flamínio Fávero, Hilário Veiga de Carvalho, Heitor Carrilho, J. V. Araújo, Viveiro de
Castro, C. Mota, A. M. S. de Aragão, Jefferson Lemos, Antônio Austragésilo, Alcântara
Machado, Waldemar Berardinelli, Leonídio Ribeiro e João de Mendonça. Para
compreensão do pensamento destes profissionais tão diferentes, de áreas nem sempre em
diálogo, tem que se levar em consideração as diferentes matizes que haviam: dos mais
radicais aos menos, quanto a determinação biológica e suas conseqüências.
Deste último grupo algumas assertivas podem ser concluídas. Uma boa parte dos
autores desaprovava a classificação rígida dos tipos delinqüentes e sublinharam a
individualidade da personalidade humana, mas o fator biológico (hereditariedade,
hormônios, condições inatas, instintos congênitos, inteligência desenvolvida) continuou
sendo o norte de suas pesquisas e teorias. Prevalecendo, de uma forma geral, nos
criminólogos brasileiros a crença na importância dos valores morais, daí a contundente
apreciação do dever da sociedade em relação ao delinqüente, tratando-se de estabelecer um
lugar determinado para ele (seja reeducando-o ao convívio social, seja isolando-o),
135
negaram-se a empregar “medidas de segurança” contra aquele como simples instrumentos
administrativos.
Na avaliação do criminoso destacaram-se fundamentalmente os princípios do bem e
do mal e da culpabilidade necessária, centralizadora e unificadora das “normas universais”
que se iriam impor. Utilizando os recursos da ciência moderna para desenvolver um novo
“sistema moderno de política criminal”. Neste sistema moderno, os meios de manejar os
delitos deveriam ser concebidos como um sistema de proteção da sociedade contra os fatos
delituosos, daí a abertura para as idéias de defesa social no final da década.
Conseqüentemente, a proteção social seria obtida por meio de um conjunto de medidas que
geralmente estava fora do âmbito do Direito Penal e estava delineada para ‘neutralizar’ o
delinqüente, seja removendo- lhe, segregando- lhe ou, aplicando-lhe métodos educativos ou
reabilitadores.
A idéia de ‘defesa social’ estava imbricada na noção de periculosidade. O delito não
era somente uma entidade abstrata de ordem jurídica, mas também um fenômeno social de
caráter patológico influenciado por fatores congênitos ou adquirido. A luta deveria ser
antecipada mediante a investigação científica de tais causas. Esta política criminal pregada
tinha um enfoque individual de prevenção, e não o coletivo, dirigida a ressocialização
sistemática do delinqüente. Como a maior preocupação era com a reincidência, deram
prioridade ao problema do estado perigoso e às medidas de segurança, já previsto no
Código de 1940, graças as discussões da década de 1930.
Quando constatada a periculosidade do sujeito a medida indicada para a defesa da
ordem social seriam as medidas de segurança. Ao contrário da pena que teria um fim
didático (educar pelo exemplo), intimidante, correcional e de eliminar (afastando) do
contato com a sociedade, as medidas de segurança, se resumiriam em um estado de
observação (preventivo e com o intuito de assistência social) onde o portador de
periculosidade seria deixado e submetido a tratamento (psiquiátrico, clínico- médico, e, de
acordo com a concepção, sofrendo até intervenção cirúrgica).
A distinção da aplicação da pena ou medida de segurança ficaria a critério do juiz,
assessorado por laudos médicos. Entre os que tinham a crença no biodeterminismo havia
geralmente a divisão entre os criminosos da seguinte forma: corrigíveis, ocasionais, e
incorrigíveis, estes últimos seriam os que cometeram crime estritamente por causas
136
biológicas. As medidas de segurança tinham tempo indeterminado, até cessar o estado
perigoso (estado constatado para aplicação da medida).
Personalidade perigosa era considerada aquela em que a periculosidade era
encontrada. Neste ponto a discussão era intensa, principalmente na definição da
probabilidade, ou certeza, da periculosidade e a questão do livre-arbítrio. Também se
discutia sobre as causas (hereditária, congênita, adquirida), divisões, definições e existência
(ou cessação) da periculosidade de um sujeito. Toda essa discussão era ancorada no
problema da reincidência – infração das normas sociais, morais e jurídicas –, sua definição
ditava os critérios para classificação dos criminosos. Enquanto os menos radicais
apostavam na não existência de critérios seguros para essa classificação, outros criam nela.
Predominaram três tipos de classificações: as que utilizavam como critério bases exógenas
e endógenas na classificação; as que se baseavam em tipos humanos (advindos da teoria
humoral do século XIX ou da teoria Lombrosiana) e; os advindos de “novas” teorias com a
Endocrinologia e a Psicologia. A possibilidade de cura teve uma variação de autor para
autor, independente do grupo: uns acreditavam na cura; outros na ausência dela; outros em
ser relativo ao caso (sendo ou não); e outros acreditavam que embora incuráveis poderiam
ser contidos.
Como acima exposto confirmo minha hipótese inicial, de que, ao contrário que a
historiografia afirma, o marco ditado para o fim da influência das idéias biodeterministas,
não foi o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A idéia geral de que a divulgação dos
excessos nazistas na Alemanha concorreu para o ocaso de grande parte das teorias que
embasavam o determinismo biológico, pode-se dizer que esta não o determinou
exclusivamente. O que ocorreu foi uma espécie de implosão do campo por seus próprios
participantes que, com a prática dos respectivos programas de pesquisas, ampliavam o
leque de teorias e com isto descortinavam as divergências internas entre elas. Isto pode ser
verificado com a mudança de rumo tomado pela Endocrinologia e pela Medicina Legal,
onde não predominaram mais trabalhos com hipóteses comportamentais e sim
descritivos.237 Esta implosão se deu, então, ao interpretarem e adequarem seus dados
empíricos as teorias, ou quando se confrontavam com teorias adversárias.
237 Embora na Psiquiatria ainda seja uma discussão válida e aceita.
137
E este processo é individual em cada área de conhecimento. Assim, a intensidade do
movimento determinista foi diluindo-se, tanto na tentativa de delimitar o campo de atuação
e suas problemáticas -conforme as teorias se tornavam incompatíveis com os resultados-,
quanto no confronto com outras áreas, como as Ciências Sociais. Mas não acabou como um
todo. Seu enfraquecimento e colapso variaram de acordo com o desenvolvimento dos
diversos campos científicos, e no caso da Criminologia ultrapassou em muito este limite
cronológico.
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Anexo 1:
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520p. (il).
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. Lições de Medicina Legal. (2ª ed.) SP:
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ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ferreira de. Lições de Medicina Legal. (6ª ed. rev.) SP:
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CARVALHO, Hilário Veiga de. Lições de Medicina Legal. (3ª ed.) SP: Saraiva, 1965.
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208p. (il).
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COSTA, Antenor. Medicina Legal. RJ: Haddad, 1955.
FARIA JÚNIOR, J. B. F. de. Noções de Medicina Legal e polícia técnica. Niterói: Of. do
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e traumatologia”. SP:Martins, 1938. (il)
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e traumatologia”. (4ª ed.; 3 vol.) SP:Martins, 1951. (il)
FÁVERO, Flamínio. Medicina Legal: Introdução ao estudo da Medicina Legal, identidade
e traumatologia”. (5ª ed.; 3vol) SP:Martins, 1954. (il)
FÁVERO, Flamínio. Medicina Legal: Introdução ao estudo da Medicina Legal, identidade
e traumatologia”. (6ª ed.3 vol.) SP:Martins, 1958. (il)
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GOMES, Hélio. Medicina Legal. (1ªed.; 2º vol.) RJ: Freitas Bastos, 1944.
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152
GOMES, Hélio. Medicina Legal. (3ªed.; 2 vol.) RJ: Freitas Bastos, 1953.
GOMES, Hélio. Medicina Legal. (4ªed.; 2 vol.) RJ: Freitas Bastos, 1957.
GOMES, Hélio. Medicina Legal. (5ªed.; 2 vol.) RJ: Freitas Bastos, 1959.
GOMES, Hélio. Medicina Legal. (6ªed.; 2 vol.) RJ: Freitas Bastos, 1960.
PEIXOTO, Afrânio. Medicina Legal RJ: Francisco Alves, 1933. (I)
PEIXOTO, Afrânio. Medicina Legal (2ª ed) RJ: Francisco Alves, 1934. (I)
PEIXOTO, Afrânio. Medicina Legal (3ª ed) RJ: Francisco Alves, 1936. (I)
PEIXOTO, Afrânio. Medicina Legal (4ª ed) RJ: Francisco Alves, 1940. (I)
PEIXOTO, Afrânio. Medicina Legal (5ª ed) RJ: Francisco Alves, 1942. (I)
PEIXOTO, Afrânio. Medicina Legal (6ª ed) RJ: Francisco Alves, 1945. (I)
PEIXOTO, Afrânio. Criminologia. S. P:: Ed. Nacional, 1933. (II)
PEIXOTO, Afrânio. Criminologia. (2ª ed.) S. P: Ed. Nacional, 1934. (II)
PEIXOTO, Afrânio. Criminologia. (3ª ed.) S. P: Ed. Nacional, 1936. (II)
RIBEIRO, Leonídio. Criminologia. (2vol) RJ: Sul Americana, 1957. 1099 p.
RIBEIRO, Leonídio. Medicina Legal e Criminologia: estudos e observações. RJ:
Livraria Avenida, 1949. 721p.
SILVA JÚNIOR, Ernestino Lopes da. Manual de Medicina Legal. SP: Escola da Polícia,
1954.
153
Anexo2:
Entre 1940 e 1950, os campos de Direito Penal e da Criminologia tiveram oito congressos
internacionais, sendo eles: “II Congresso Latino-americano de Criminologia”, 1941, em
Santiago; “I Congresso de Defesa Social”, 1947, em San Remo (neste período Roberto
Lyra era do Conselho Honorário do Instituto de Defesa Social que contava com
representantes de 26 países); “I Congresso Pan-americano de Medicina Legal, Odontologia
Legal e Criminologia”, 1947, em Havana; “V Congresso Internacional de Direito Penal”,
1947, em Genebra; “I Conferência Pan-americana de Criminologia”, 1948, no Rio de
Janeiro; “II Congresso de Defesa Social”, 1949, em Liège; “XII Congresso Penal e
Penitenciário Internacional”, 1950, em Haia; “XII Congresso Penitenciário Internacional”,
1950 (último deste tipo, desde 1948 a ONU assume a direção da atividade internacional no
campo da prevenção e do tratamento dos delinqüentes, começando a absorver as atribuições
destes organismos, o que foi concluído em 1950).
154
Anexo 3
“a correlação de funções exige a contigüidade da sede dos órgãos egoístas,
ligados a conservação do nosso corpo, não podem deixar de estar mais perto
das vísceras vegetativas, e, portanto, na região posterior do encéfalo. Os três
órgãos da conservação, do indivíduo e da espécie, (o nutritivo, o sexual e o
materno), na parte mais inferior; seguem-se-lhes dois órgãos do
aperfeiçoamento, (mediante a destruição dos obstáculos ou a melhoramentos
dos meios), sedes dos instintos destruidor e construtor, logo acima dos órgãos
da conservação; e acima destes, os dois órgãos da ambição (o orgulho e a
vaidade). Por sua vez, os objetos de nossa afeição altruísta estando no exterior
e exigindo uma apreciação intelectual maior, os órgãos altruístas deverão ficar
perto da inteligência, e mesmo, mais perto dos órgãos intelectuais mais
eminentes, que julgam; a indução e a dedução. Portanto, a sede deles deve ficar
na parte superior do cérebro, logo atrás destes órgãos intelectuais. Os três
órgãos altruístas são o apego, que nos liga aos nossos companheiros, a
vegetação que nos liga aos nossos inferiores e a todos os que de nós necessitam
sob qualquer aspecto.Entre as duas massas afetivas ficam localizados os três
órgãos da ação ou do caráter; a coragem, que impulsiona todos os movimentos
voluntários; a prudência que os retem, afim de dar tempo a consulta mental e a
firmeza ou perseverança que mantem o equilíbrio dos outros dois, afim de que a
nossa atividade atinja o seu objetivo final”.238
238 LEMOS,op. cit. p.54.


fonte: www.bvshistoria.coc.fiocruz.br

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